A Liga das Federações

OPINIÃO21.11.201803:00

1. É uma estranha competição esta Liga das Nações, a que eu prefiro chamar a Liga das Federações, pois a ideia da sua criação parece ter saído apenas da iniciativa das Federações e aproveitar somente a elas. Na parte que toca às selecções nacionais, não deve haver empresa mais fácil de dirigir que uma Federação de futebol: a mão de obra - isto é, os jogadores - não lhe pertence, é apenas emprestada por outros que são quem lhes paga os ordenados, a assistência médica, a preparação física; as instalações - isto é, os estádios - com raras excepções, também não lhes pertencem e, quanto muito, são alugados a preços patrióticos para os jogos, sendo todos os custos de manutenção suportados pelos respectivos donos. Para as Federações ficam então as despesas menores e a totalidade das receitas. Não admira, pois, que quanto mais competições houver, mais as Federações e os respectivos dirigentes esfreguem as mãos de contentes. E em tratando-se de grandes potências nacionais no desporto-rei, o negócio torna-se exponencial, com as receitas televisivas, comerciais e de prémios de competição.

Graças ao esforço dos jogadores que não lhe pertencem, a nossa FPF acaba agora de arrecadar mais uns largos milhões ao ver a Selecção qualificar-se para a fase final da nova Liga das Nações - com o bónus acrescido de a mesma se realizar em Portugal, o que ainda fará disparar mais as receitas, e presumindo eu que despesas extraordinárias como o reforço policial necessário para conter a multidão de hooligans ingleses que virá apoiar a sua Selecção ficarão por conta da obrigação governamental de manter a ordem pública. Aliás, a FPF está tão rica que se prepara para inaugurar um hotel só para os estágios das selecções, a acrescentar ao próprio centro de estágios (Cidade do Futebol) recentemente inaugurado. Imagine-se o custo de manter um hotel que só de vez em quando receberá clientes e por aí se poderá avaliar desde logo como a ordem é rica. Não contente com isso, a FPF está também à beira de lançar o seu próprio canal de televisão - um negócio de tal forma arriscado financeiramente nos tempos que correm que é preciso ou ser-se muito optimista ou estar-se muito confortável de dinheiro para o fazer. E consta até que, em surdina e em conúbio com as suas congéneres espanhola e marroquina, pretende vender ao governo português a ideia da organização tripartida de um Mundial de futebol -  um velho sonho federativo, que a desastrosa experiência financeira do Euro-2004 não parece ter adormecido. Por mim, cidadão contribuinte, declaro desde já todo o meu apoio à ideia. Com uma única condição: nem um só estádio a mais, uma só estrada, um só hotel público, uma só estação de metro, um só elefante branco, um só euro dos contribuintes. Se querem um Mundial, que o façam com o dinheiro da Federação.

2. Entretanto, foi uma estranha Selecção, esta que Fernando Santos apurou para a fase final da Liga das Federações. Sem Ronaldo, sem vários jogadores que nos habituámos a ver e com vários outros que nunca tinha visto jogar e alguns dos quais nunca jogaram em Portugal ou jogaram tão pouco que já nem me lembrava deles. Uma Selecção de irreconhecíveis. Que sofreram a bom sofrer, jogando à italiana, nove sempre atrás da bola e à espera dos italianos junto à nossa área e um lá na frente, sozinho, a correr de um lado para o outro, na esperança vã de agarrar uma bola despachada lá para diante de qualquer maneira. Pelo menos, foi assim a primeira parte, porque a segunda já não vi. Fomos salvos por aquele que é hoje, nesta Selecção, de longe o nosso melhor jogador: Rui Patrício.

3. E, por falar em Rui Patrício, é inacreditável, absolutamente abjecta, a ingratidão de alguns sportinguistas para com ele. Durante anos, Rui Patrício foi o Sporting - não apenas um excepcional guarda-redes, mas um grande capitão, um símbolo do clube, um digníssimo representante dos leões na Selecção portuguesa. Até ao momento em que o desvario de poder absoluto de Bruno de Carvalho e a sua incapacidade de apresentar os resultados desportivos prometidos o levaram a abrir uma guerra contra os próprios jogadores, tomando Rui Patrício como alvo principal a abater. Hoje, sabemos que foi com o seu consentimento - ou, pelo menos, com o seu conhecimento -  que a própria claque do Sporting  alvejou o seu guarda-redes com tochas incandescentes, quando ele se posicionou na baliza antes de começar um decisivo Sporting-Benfica em Alvalade! Imagine-se a calma, a determinação e a coragem que lhe foi precisa para enfrentar aquele jogo, num clima de agressividade contra si dos próprios adeptos! Patrício aguentou a pressão nesse jogo, mas já não aguentou a seguir, no Funchal, onde os nervos o traíram no último minuto do jogo, selado com um frango - que, mesmo assim, não fez esquecer tantas e tantas vezes ao longo da época em que fora ele o salvador da equipa, como nas conquistas decisivas da Taça da Liga e nas meias-finais da Taça de Portugal, contra o Porto. Veio a vergonha de Alcochete e a rescisão inevitável do contrato por parte de um jogador que, ficando ali e com aquele presidente, arriscava a própria vida. Mas já com o novo presidente, Patrício, não apenas desistiu do pedido de rescisão com justa causa, abdicando de qualquer indemnização, como ainda renunciou a dinheiro que tinha a haver de modo a que o Wolverhampton pagasse mais ao Sporting pela sua contratação. Pela contratação de um jogador que, não só tinha o direito de sair a custo zero, mas ainda o direito de exigir uma avultada indemnização pela forma como fora obrigado a sair. E ainda há sportinguistas que dizem que não lhe perdoam! Não lhe perdoam o quê?

4. Volto ao Porto-Braga apenas para me ocupar de uma questão lateral. Numa atitude de quem já começa a reagir como um grande, os jogadores e técnicos do Sporting de Braga contestaram o golo da vitória portista, obtido aos 82 minutos. Sem razão alguma, como logo a repetição das imagens e os próprios comentadores da Sport TV assinalaram e depois todos os comentadores de arbitragem confirmaram. O golo foi, aliás, lindíssimo e o que o Braga contestava era ridículo, em termos desportivos: um eventual pé de Corona que teria pisado dentro do campo na execução de um lançamento lateral, efectuado na jogada anterior...alguns 45 segundos antes do golo! Pois, apesar de ter ouvido os comentários dos seus colegas que faziam a transmissão do jogo, o repórter de campo da Sport TV não se coibiu de na flash interwiew com o treinador do Braga ter começado exactamente por lhe perguntar se ele contestava a legalidade do lance. Curioso que não lhe tenha perguntado também por um lance ocorrido na área do Braga na primeira parte e que, de acordo com todos os críticos de arbitragem que li, fora penalty a favor do Porto, não assinalado...E porquê? Porque, infelizmente, estes repórteres já estão formatados (não sei mesmo se instruídos) para procurarem instigar o conflito, a controvérsia em roda da arbitragem, para que o jogo possa continuar em estúdio depois do apito final. E para que os seus directores venham depois queixar-se em pungentes editoriais do clima de cortar à faca reinante no futebol português. Como dizem os ingleses, «so predictable»...