A lição que fica do ‘vieirismo’

OPINIÃO19.07.202107:00

Rui Costa não terá tarefa fácil a demarcar-se de Vieira. Mas se a equipa de futebol ganhar, tem, apesar disso, boas chances de ser presidente

OBenfica resolveu, para já, o seu principal problema. A demissão de Luís Filipe Vieira arrumou de uma vez por todas com a legitimidade de Rui Costa como presidente interino e o comunicado dos órgãos sociais, garantindo eleições antes do final do ano, passaram a mensagem que todos, ou quase todos - os críticos (os de sempre ou os mais recentes) mas não só -, queriam ouvir: que Rui Costa é exatamente isso, presidente interino. A ordem, como sabemos, não foi exatamente esta, mas vai dar ao mesmo e é isso que interessa a quem tem, hoje, a tarefa de preparar a época encarnada, que, como sabemos, está prestes a iniciar-se com a presença na terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Rui Costa e aqueles que com ele trabalham o futuro imediato do Benfica ganharam, assim, uma importante bolha de tranquilidade que lhes permitirá fazerem o que têm de fazer sem demasiado ruído exterior. Era, tanto a demissão imediata de Vieira como o anúncio de eleições para os próximos meses, o único caminho para devolver o pouco de normalidade possível num cenário anormalíssimo numa fase decisiva de uma temporada importantíssima.
Há, depois, o outro problema que Rui Costa terá de resolver mais para a frente, se quiser - como parece querer - ser legítimo presidente do Benfica, ou seja, eleito pelos sócios nas urnas: demarcar-se do vieirismo, palavra que entrou, há algum tempo, no dicionário popular sempre que se pretende falar da era de Vieira no clube da Luz e de tudo o que ela representa. Aliás, a forma como a Direção tem comunicado desde a detenção de Luís Filipe Vieira parece deixar evidente que essa tentativa de distanciamento está, já, em marcha, pelo menos a avaliar pela forma como o nome do agora ex-presidente tem sido evitado, seja em comunicados oficiais seja na curta comunicação efetuada por Rui Costa quando se referiu a si próprio como «presidente na exata medida dos estatutos do clube», uma frase tão vaga que na altura ninguém soube interpretar mas que hoje, depois dos últimos desenvolvimentos, se compreenderá melhor. De qualquer forma, não chegará a simples omissão do nome de Luís Filipe Vieira para Rui Costa escapar àquela que será, de certeza, a maior crítica daqueles que contra ele concorrerem às eleições do clube: como é possível que Vieira tenha feito o que fez (se é que fez, de facto, alguma coisa, convém lembrar, embora todos saibamos que esse conceito a que pomposamente chamamos presunção de inocência é sempre esquecido, ainda mais em período de campanha eleitoral...) sem que Rui Costa, e os que agora o acompanham e (pelo menos alguns deles, é certo) o acompanharão na corrida à presidência, soubessem do que se passava? Não terá, pois, Rui Costa tarefa fácil para tentar explicá-lo, sendo certo que não pode fazer para sempre comunicações sem direito a perguntas - ainda menos, lá está, em campanha eleitoral. E, se a ideia é demarcar-se de Vieira, não poderá sequer Rui Costa lançar mão à melhor parte do vieirismo: os resultados e a obra que, reconhecidamente, tornaram o Benfica um clube muito mais sólido, e ganhador, do que era quando Luís Filipe Vieira chegou.
Não podendo, portanto, usar o bom e descartar o mau, Rui Costa tem de construir o seu próprio caminho. E tem, nesse aspeto, uma enorme vantagem (que se pode transformar em desvantagem se as coisas correrem mal, claro) em relação aos seus adversários: os resultados que o Benfica conseguir nos meses que antecederem as eleições. Se a equipa de futebol chegar à Liga dos Campeões e começar bem o campeonato, se jogar bem, sendo ele o responsável pela sua construção, Rui Costa tem boas hipóteses de ganhar. Porque nos clubes é quase sempre assim: quando a equipa ganha tudo o resto se varre para debaixo do tapete. Ou alguém acha coincidência que depois de tantas polémicas ao longo dos anos as críticas a Vieira, que em última análise conduziram à sua queda (apressada, sem dúvida, pela operação Cartão Vermelho mas que já se sentia no ar), tenham subido tanto de tom depois da desastrosa época no futebol e nas modalidades? Pois. É, no fundo, essa a lição que fica do vieirismo, embora duvide que as coisas mudem só porque sim: nem tudo está bem quando se ganha, da mesma forma que nem tudo está mal quando se perde. É preciso olhar para lá dos resultados. A outra hipótese é, quando o mundo em que escolhemos acreditar desaba sobre a nossa cabeça, andar a fazer mortais e piruetas...