A lage
Os dois Sporting-Benfica que empolgaram o País serviram, entre outras coisas, para confirmar duas ideias que, de algum modo, já vinham de trás: que o Benfica está realmente transformado para muito melhor e que o Sporting perdeu boa parte da dinâmica e alegria que pareceu ter ganho com a chegada do holandês Keizer ao comando da equipa.
O Benfica de Bruno Lage já não tem nada a ver com o Benfica que Rui Vitória deixou nos primeiros dias de 2019. Não é só o sistema que foi alterado; é a confiança e a ligação de jogadores e equipa com a mensagem do novo treinador. Não tenho qualquer dúvida que Bruno Lage sabe o que está a fazer e faz o que faz porque conhece os jogadores e sabe que com estes jogadores pode, fazendo o que está a fazer, levar a equipa a sentir-se muito mais confortável em campo. E leva.
Não sei se Bruno Lage algum dia terá dimensão para ser, de corpo inteiro, treinador de uma grande equipa como a do Benfica - o treinador de uma grande equipa não precisa de saber apenas de futebol porque, como diria Manuel Sérgio, quem só percebe de futebol nem de futebol percebe. Muitos treinadores podem, momentaneamente, treinar grandes equipas, mas nenhum treinador se tornará verdadeiramente grande e de grandes equipas sem mostrar que, além de futebol, também sabe gerir, liderar e comunicar.
Não sei, repito, se algum dia Bruno Lage crescerá ao ponto de se ver reconhecido como treinador de equipas grandes, mas isso não impede que se perceba já que Lage sabe muito bem o que está a fazer à frente desta equipa do Benfica que parecia, com Rui Vitória, condenada a mais sucessivos insucessos.
Sim, é verdade que não gostei de um ou outro episódio de Bruno Lage na sala de imprensa da Luz. Mas já lhe elogiei, por outro lado, o modo descomplexado como fala de futebol, do jogo e dos jogadores, e aprecio-lhe a serenidade mesmo nos mais intensos momentos vividos em pleno jogo, junto à linha lateral.
Sim, pode ser apenas simples coincidência, mas também é verdade que não gosto de ver Lage chamar à linha um jovem como João Félix para lhe dar instruções sempre que decide substituir um dos tubarões da equipa - aconteceu em Alvalade quando fez sair Pizzi, e aconteceu agora, na Luz, quando substituiu Salvio, primeiro, e mais uma vez Pizzi, pouco depois.
Coincidência ou não, a verdade é que ao chamar à linha lateral um qualquer jogador no momento em que outros jogadores abandonam o campo, uma das ideias que o treinador pode dar é a de que procura evitar o confronto com os substituídos. Dirá Bruno Lage que aproveita precisamente o momento da substituição para renovar instruções. Aceita-se, evidentemente. Mas então a coincidência não foi simples. Foi enorme. E o treinador de uma grande equipa também deve evitar más interpretações.
Mais algumas outras notas a propósito, sobretudo, deste Benfica-Sporting da Taça de Portugal, que o Benfica esteve sempre bem mais perto de ganhar por maior vantagem do que o Sporting de o perder, como veio a perder, pela diferença mínima, deixando a eliminatória totalmente em aberto. Um Benfica que, infelizmente para a equipa, voltou a ter num excecional jogador como é Salvio um rendimento francamente pobre e um Benfica que não tem ainda no jovem Svilar um suplente verdadeiramente à altura de Vlachodimos.
Por fim, reconhecer como essencial ao jogo deste Benfica a dupla Samaris-Gabriel, dois pilares que equilibram todo o futebol do 4x4x2 de Bruno Lage, muito consistente, dinâmico, pressionante e muito compacto. Em dois confrontos com o leão, a águia marcou seis golos e dos três que sofreu, dois foram de bola parada. Isso parece querer dizer muito deste novo Benfica.
E dos vencidos, o que se pode dizer dos vencidos? Que as palavras de Bruno Fernandes em Alvalade e de Coates, agora, na Luz, e o rosto de Nani, no primeiro jogo, ou de Bas Dost, no segundo, parecem tudo menos de circunstância. Talvez seja precipitado procurar já algumas conclusões, mas algo parece realmente não estar bem no reino do leão.
A caminho dos 30 anos, sem contrato com o clube para lá desta época, e praticamente sem contar para o totobola do então treinador Rui Vitória durante quase todo o ano de 2018, o grego Andreas Samaris é agora um dos mais importantes jogadores na reviravolta que Lage deu ao futebol do Benfica. Samaris já fez mais jogos completos desde que Lage tomou conta da equipa do que em todo o ano passado (apenas 3 vezes os 90 minutos em campo em 2018, e apenas duas das quais em jogos da Primeira Liga, e já parte final da última edição do campeonato). É verdade que falta Fejsa, mas Samaris dá um exemplo!
As contas que Samaris acerta agora com este Benfica de Bruno Lage são as contas de um grande profissional, que mesmo tendo estado tanto tempo sem contar, mostra não se ter resignado e se apresentou absolutamente pronto no momento em que o novo treinador decidiu chamá-lo ao onze da equipa.
Nunca estive sequer perto de Samaris. Mas estou certo que os adeptos portugueses - e não apenas os do Benfica - partilharão da mesma sensação que eu: Samaris só pode mesmo ser um grande profissional. O que todos sabemos, porque é evidente, é que Samaris é um jogador de enorme caráter no sentido em que é um jogador que dá tudo ao jogo, que tem uma fantástica determinação e um empenho irrepreensível em campo, que mesmo quando passa algumas marcas se percebe que o faz na larga maioria das vezes por entrega positiva ao jogo e pouquíssimas vezes por aqueles impulsos negativos que chegaram já a valer-lhe alguns indesejáveis castigos.
Todos os benfiquistas se recordarão da importância de Samaris para a equipa que conquistou o título, ainda com Jorge Jesus, em 2015. Chegado à Luz nessa época, Samaris fez qualquer coisa como 24 jogos completos para a Liga (num total de 28 presenças) e confirmou em campo toda a qualidade, experiência e bravura que levaram o Benfica a ir buscá-lo ao Olympiakos.
No final dessa época, quando a equipa do Benfica festejava o título no Marquês de Pombal, lembro-me de ver Samaris ser interpelado em inglês por uma jornalista da Benfica TV e responder qualquer coisa como isto: «Pergunta em português porque eu quero responder em português!». Sem qualquer desprimor para todos os outros, lembro-me também de ter pensado que um jogador que diz (e faz) o que Samaris disse (e fez) só podia mesmo ser um grande profissional. Quatro anos depois, creio que isso está mais do que confirmado e não custa a crer que os benfiquistas mantenham a esperança de ouvir o presidente do clube anunciar ter renovado o contrato com Samaris. Um jogador como ele pode não merecer tudo; mas merece, no mínimo, deixar a Luz pela porta grande!
Já quase tudo foi praticamente dito e comentado sobre a despropositada (pelo momento, pela linguagem e, sobretudo, pela incoerência) declaração de guerra do presidente do Sporting ao presidente do Benfica, numa altura em que as respetivas equipas de futebol se defrontariam por duas vezes em tão pouco tempo (com todo o impacto positivo e negativo que todos, com maior ou menor responsabilidade, poderiam criar), e numa altura em que, da parte do Benfica, não se percebeu que tivesse havido a mais pequena afronta, palavra ou intrusão à vida do Sporting e, sobretudo, à presidência ainda tão recente de Frederico Varandas.
O que talvez não tenha sido tão comentado foi outra despropositada declaração do presidente leonino, ao transmitir (inocentemente ou não) a ideia de que o plantel sportinguista é de reduzida qualidade. Precisava o presidente de o dizer? Ou terá querido, de certo modo, sacudir alguma água do capote? Nem sempre o que parece é, bem o sabemos, mas por vezes o que parece... não parece nada bem. Foi o caso!
Fernando Chalana foi, durante muito tempo - muito tempo mesmo - o jogador português que mais admirei e o melhor que vi jogar, porque já pouco vi jogar Eusébio. Claro que depois houve Futre, e Figo, e agora Ronaldo. Mas Chalana foi ainda mais do que apenas o melhor jogador que durante muito tempo vi jogar em Portugal. Foi, também, um bom amigo.
Foi ainda Chalana uma estrela impressionante, que muitos, das mais recentes gerações, nem imaginar conseguirão, porque infelizmente a carreira de Chalana teve as curvas inesperadas que só as malditas lesões impedem de controlar.
Um jogador enorme e afinal com um futebol tão simples, porque é afinal quase sempre simples o que os grandes artistas sabem fazer. Mas foi Chalana também, e sempre, um rapaz tão genuinamente simples como o futebol que jogava.
Chalana completa este domingo 60 anos. Parabéns, Chalana. Celebremos a vida de um homem a quem a saúde continua, infelizmente, a pregar malditas partidas!