A invenção dos heróis
O futebol está a ficar velho de mais para ser celebrado como até aqui. As novas gerações têm necessidade de inventar novos deuses e heróis
UM bom guarda-redes é fundamental em qualquer equipa com aspirações. Não apenas pelo que defende, mas pela confiança que oferece aos companheiros e pela capacidade de orientação da sua equipa no processo defensivo à sua frente. Portanto, nenhuma dúvida, nem hesitação em considerar o guarda-redes um posto essencial em qualquer equipa de futebol. E, no entanto, sou incapaz de classificar, em qualquer jogo, um guarda-redes como o melhor jogador em campo. Pode ser o mais decisivo, pode ser o que mais contribuiu para a vitória da sua equipa, mas nunca será o melhor jogador de futebol em campo.
Para muitos, será um sacrilégio. Se uma equipa de futebol tem onze jogadores, qualquer um deles poderá ser o melhor em campo. Para mim, talvez porque sou quase dos tempos das balizas às costas, são onze jogadores, mas há um que tem a excecional permissão de poder jogar com as mãos, dentro da sua grande área.
É verdade que o guarda-redes de hoje não joga apenas com as mãos. Tem de saber - e bem - jogar com os pés. Os exemplos internacionais são conhecidos, mas reconheçamos que são exceções a uma regra de passes em serviços mínimos e práticos. Quando alguns já se sentem confortáveis e inventam que são jogadores como os outros, normalmente, dá mal resultado.
Em Portugal, estamos em tempo de inventar heróis, inclusive, no que respeita aos guarda redes. Temos excelentes jogadores na posição um, é verdade, mas, levados pelo exuberante e berrante entusiasmo dos relatores de televisão, que parecem ter assumido uma moda de radialismo, todas as defesas são fantásticas, excecionais, piramidais, com exceção das que deixam entrar a bola na baliza. É uma nova forma de inventar heróis, mas que entrou na moda dos tempos. Veja-se o exemplo de Odysseas Vlachodimos. Tem feito, inegavelmente, um bom início de época, mas dizer que é o melhor jogador do Benfica é um desrespeito, não apenas aos seus companheiros, mas também ao futebol.
Oproblema da invenção dos heróis no futebol é que basta perderem uma guerra para se tornarem cidadãos vulgares. E se perderem mais guerras arriscam-se a passar a traidores. O futebol é assim. Como Saramago lembrou uma vez a Luís Figo, nenhuma vitória é eterna e a parte boa disso é que uma derrota também não. Daí que os heróis do futebol sejam efémeros. Apesar de tudo, não tanto como os deuses. Mesmo assim, veja-se o caso de Pelé. Acaba de sair de um hospital, após uma intervenção cirúrgica complexa e teve de gritar ao mundo: «Olhem para mim, sou o Pelé e continuo vivo». E o mundo, estranhamente desinteressado e ingrato, limitou-se a sorrir e a dizer «ok, estimo as melhoras», continuando a olhar, interessado, para os Cristianos e os Messis dos novos tempos e dos novos altares, onde já se estudam os lugares para as próximas substituições do divino.
O povo tem uma expressão curiosa: «Deuses de pés de barro.» O que é uma maneira muito interessante de os separar do deus celestial e diverso. Como se sabe, os pés de barro partem-se e essa é uma maneira muito real de os trazer de volta ao mundo dos humanos, depois de arrumarem as botas e de terem de pedir, como o faz Pelé, para não se esquecerem deles. Nós, que os vimos e que os aceitámos como nossos heróis, não os esquecemos, mas a verdade é que o futebol está a ficar velho de mais para ser assim tão intensamente celebrado pelas novas gerações que, tal como nós, também sentem a necessidade de inventarem os seus próprios deuses e os seus próprios heróis.
Vlachodimos, guarda-redes do Benfica
TOLERANTES, SIM MAS NÃO DE MAIS
A goleada sofrida pelo Sporting nesta sua reaparição no melhor campeonato do mundo foi amparada pela esmagadora maioria. Dos analistas aos próprios adeptos. Porque faltou Coates, porque o Sporting não tem experiência da Champions, porque tudo acabou por correr mal, porque aquele golo, logo a abrir, enervou a equipa. O futebol de elite não admite tantas desculpas. Percebe-se que deva haver uma margem de tolerância para uma equipa que reentra na alta roda, mas não nos juntaremos, nunca, ao coro dos coitadinhos.
SETE ANOS DE ATRASO
O Governo de Portugal promete um salário mínimo nacional de mil euros para o ano de 2028. Ontem mesmo, o governo espanhol chegou a acordo para um salário mínimo nacional de 965 euros, a pagar com retroativos ao passado dia 1 de Setembro. Feitas as contas, e admitindo que a promessa do governo seria cumprida, vamos com sete anos de atraso em relação à Espanha. Não só não é brilhante, como nos deve dar razões de preocupação. É sempre bom vermos as coisas em perspetiva, sobretudo num país que se isola do mundo.