A inteligência artificial no futebol
Cá por mim, o futebol até poderia continuar a manter os erros daqueles que o amam, mas ninguém pode travar o vento com as mãos
A notícia chegou pela ESPN. Uma empresa, com sede na Suécia, desenvolveu uma nova tecnologia de inteligência artificial, que poderá acabar, muito em breve, com as insuportáveis demoras da validação de golos, quando existem suspeitas de foras de jogo. Aquela sensação incómoda do adepto que festeja um golo que dois ou três minutos depois é anulado por verificação do VAR, ou a de um jogador que celebra, em vão, o sucesso de uma bola na baliza do adversário, parece ter os dias contados.
Arsène Wenger, nome de prestígio no futebol mundial e, atualmente, chefe da comissão de desenvolvimento do futebol, na FIFA, admite que a nova tecnologia irá representar um enorme avanço ao jogo que apaixona multidões, em todo o mundo.
Trata-se da conjugação entre um sistema complexo de sensores e de câmaras que permitirá visualizar os lances em três dimensões, o que permite exatidão entre o momento em que a bola sai do pé de um jogador e o movimento relativo entre o atacante e o último defensor da equipa adversária.
O facto da análise tecnológica ter por base imagens a três dimensões permite acabar com os erros de paralaxe que persistem na tecnologia atual e que assenta em imagens menos complexas, apenas a duas dimensões.
Outra assinalável vantagem é o tempo de decisão. Prometem os criadores da nova tecnologia que em apenas dois ou três segundos, portanto, quase em tempo real, em caso de fora de jogo, acende uma luz vermelha no relógio do árbitro assistente, permitindo-lhe levantar a bandeira com uma certeza que a natureza humana não poderia, alguma vez, ter.
Segundo fontes da FIFA, a primeira experiência com a nova tecnologia dos foras de jogo poderá ser ensaiada, já, no Mundial do Catar e, se tudo correr bem, as ligas profissionais poderão usá-las na época de 2023/2024.
Os benefícios parecem ser, pois, irrebatíveis. Porém, há quem levante a questão da lenta, mas persistente, desumanização do jogo, considerando, mesmo, que o aparecimento da tecnologia associada ao futebol e a entrada do VAR nas grandes decisões do jogo é, afinal, uma caixa de pandora que, uma vez aberta, poderá tornar-se fatal para o futuro do espetáculo.
Julgo que, independentemente do que cada um pensa, tenhamos ideias futuristas ou meramente conservadoras, a verdade é que ninguém conseguirá travar o vento com as mãos.
A evolução tecnológica das sociedades ditas pós-modernas e o desenvolvimento da inteligência artificial não se compadece com romantismos e avançará, independentemente da vontade ou do desejo dos mais céticos.
Haverá, realmente, um lado de fascínio que se perde. Mas a opção é clara e divide-se entre quem admite que teremos melhor futebol quanto mais segura for a verdade desportiva e quem defende o erro humano como uma manifestação saudável do jogo, levando a uma discussão contínua e, assim, a um envolvimento emocional que é determinante para a sua sobrevivência, enquanto arte e cultura.
Temem, ainda, os que contestam o desenvolvimento de um futebol demasiado tecnológico que, dentro de alguns anos, se possa assistir, com maior sucesso de audiência, a jogos entre futebolistas robots, capazes de fazer melhor em campo do que onze Ronaldos contra onze Messis.
Para ser sincero, não posso dizer que goste mais deste futebol tecnologicamente puro. Acho que o futebol poderia manter os defeitos daqueles que o amam. No entanto, tenho de reconhecer que o futuro do jogo não me pertence. Nem a mim, nem a ninguém.
A ENTREVISTA DE MANUEL JOSÉ
A BOLA publicou, ontem, uma extensa entrevista com Manuel José, por ocasião dos seus 75 anos de vida. É um testemunho vibrante de um treinador que ajudou a mudar, para melhor, o futebol em Portugal e de um dos primeiros emigrantes de sucesso entre os técnicos nacionais. Corrosivo, direto, com uma personalidade firme que, por vezes, foi tida como teimosia, Manuel José regressa a episódios picantes que o levam a constatar não ter sido mais reconhecido, porque nunca se deixou vender. Uma entrevista para ler e guardar.
DEGRADAÇÃO MEDIÁTICA
Seis anos depois do reality show da prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates, naquilo que se tornou num dos exemplos de maior degradação do sistema de justiça, eis que a Operação Marquês ressuscitou o que há de pior no novo jornalismo, levando alguns media, que habitualmente se autoproclamavam de referência, a comportamentos desabridamente sensacionalistas. Ver televisões a perseguir o automóvel em que viajava o ex-primeiro-ministro, desde a Ericeira até Lisboa, é assistir a uma triste degradação mediática.