A insustentável culpa dos clubes
Que disponibilidade se pode esperar da força tentacular e da vontade do futebol português para se desprender do seu próprio poder?
O futebol português está em contraciclo com a grande maioria do futebol europeu, onde se está a conseguir recordes de espectadores nos estádios. Por cá, batem-se apenas recordes de alarvidades televisivas, criadas para satisfazer o lado mais primário e obtuso de um povo que não tem hábitos de ler e de pensar, e recordes de reuniões inconclusivas, de acusações gratuitas e de um medieval acirrar de rivalidades nos seus aspetos mais irracionais.
O resultado de toda esta desorientação e irresponsabilidade é a drástica diminuição de espectadores nos estádios portugueses de futebol. Essa realidade começou por ser escondida atrás dos condicionamentos provocados pela epidemia de Covid-19, mas a abertura da sociedade a um novo normal veio demonstrar que uma percentagem significativa de adeptos deixou de se sentir incentivada e motivada para ir ao estádio ver o jogo presencialmente.
Muitas são as opiniões sobre as causas. Alguns, menos interessados em esclarecer, colocam o problema económico na base, pedem apenas a diminuição do preço dos bilhetes; outros elaboram: a falta de condições de acesso e de conforto em muitos dos estádios, a falta de competitividade, a baixa qualidade média do jogo, a violência associada ao desporto, a descredibilização da arbitragem, a desconfiança em relação ao velho e estafado sistema em que o futebol profissional se acolhe, as horas absurdas de muitos dos jogos oficiais, porque dependem da vontade das operadoras em fazer audiências e, não menos importante, a qualidade da oferta televisiva de futebol, muito mais vibrante espetacular, de outros países.
Estádios vazios, uma realidade em Portugal
Muitos, habituados ao Estado controlador e paternal, olham para o Governo à espera que tome medidas e faça novas leis, mas não é essa a solução. Muitas das leis, incluindo as que se dirigem à violência nos estádios, já existem e não estão a ser cumpridas pelos clubes, porque afrontam uma parte dos seus adeptos e de alguns tipos de claque. E de tudo o resto, desde a qualidade do jogo, das condições dos estádios, da permissividade dessa tragédia grega das confrontações verbais de alguns dirigentes e dos seus fieis escudeiros, da opacidade da arbitragem, da teia complexa do sistema que parece ter sido construído para poder ser manipulado e dirigido por quem ganha mais poder, são assuntos tabu, que os clubes não querem discutir. Uns, porque não querem verdadeiramente mudar nada, outros porque não têm força para mudar o que quer que seja e ainda outros porque têm medo de sofrer as consequências da inclemência de quem decide sobre quem não obedece ou não se conforma.
Há um modo muito português de olhar para os problemas que todos reconhecem e que se arrastam sem solução: todos nós somos culpados. Na verdade, não somos todos nós, somos alguns de nós e entre esses alguns há culpados específicos e óbvios: os clubes!
Sim, os clubes são os grandes culpados da crise e, por inerência, a Liga que esses clubes integram e que vive numa insanável dependência de um poder que se articula e manobra no eixo gastronómico Fátima-Mealhada.
Em breve iremos ter a segunda ronda de negociações entre os clubes representados pela Liga e o Governo, representado pelo ministro da Administração Interna e o secretário de Estado do Desporto e da Juventude, mas o que levará a Liga para juntar à agenda que, na primeira reunião, foi apresentada pelo Governo? O que acrescentará a Liga de verdadeiramente importante para a necessária e urgente reforma do futebol português? Que disponibilidade se pode esperar de um sistema tentacular para se desprender do seu próprio poder?
DENTRO DA ÁREA – JOSÉ MOURINHO E A HISTÓRIA
Mourinho já foi rei de Milão, de Madrid, de Manchester e de Londres e, para todo o sempre, rei de Portugal. Depois da surpresa universal da sua vitória com o FC Porto na Liga dos Campeões, em maio de 2004 (18 anos!), foram abertas aos treinadores portugueses as portas dos clubes, em todo o mundo. Respeitado e afirmado como especial, Mourinho soma agora o título de novo rei de Roma, levando os tifosi do clube à loucura. A História irá considerá-lo como um dos maiores treinadores de futebol, de sempre. A História nunca se engana.
FORA DA ÁREA – PSD - A ESCOLHA E A INDIFERENÇA
O PSD é um dos partidos em crise no regime democrático nacional. Esse simples e observável facto deveria ser suficiente para a escolha de um seu líder ser tida como de interesse nacional. O problema é que a maioria absoluta do PS somada à guerra na Ucrânia e a outras crises sanitárias colocaram fora das agendas mediáticas a eleição do novo presidente do partido. Pior quando um dos candidatos boicota o debate de ideias e personalidades. A indiferença popular sobre a decisão é preocupante e perigosa. A democracia escorrega.