A implosão!
Rui Costa só não será presidente se não quiser. Candidatar-se não pode, porém, ser apenas um desejo. É, agora, e sobretudo, um dever
S ÃO, naturalmente, muito respeitaveis, ainda que desconhecidas, as razões pessoais, familiares e profissionais alegadas por João Noronha Lopes para não se apresentar como candidato às eleições de 9 de outubro, no Benfica. Mas não se livra da ideia de estar a «fugir» do combate, agora que a situação no Benfica é evidentemente mais difícil e complexa do que era há sensivelmente um ano, quando Noronha decidiu candidatar-se em oposição a Luís Filipe Vieira e conseguiu, até, significativos quase 35 por cento dos votos.
Pode Noronha Lopes ter razões suficientemente fortes, na sua vida privada, para se afastar, desta vez, do objetivo que parecia ter há um ano. É verdade que, logo na noite em que foi derrotado por Luís Filipe Vieira, em outubro de 2020, João Noronha Lopes afirmou que não voltaria a ser candidato. Mas é legítimo admitir-se que os que votaram nele esperariam o contrário. E até talvez ele próprio. Pelo menos até ontem.
Quando disse o que disse na noite em que perdeu as eleições, estaria Noronha Lopes a seguir uma estratégia ou a ser genuinamente sincero? Escolho estratégico.
Alguém que afirma, convictamente, não voltar a ser candidato, que razão pode ter para precisar de voltar a afirmar, um ano depois, que não será, realmente, candidato? E se já tinha dito que não voltaria a ser candidato por que razão diz ter sido tão difícil tomar a decisão de não ser, agora, candidato?
O que João Noronha Lopes fez ontem, ao marcar anúncio formal e público sobre a decisão de não se candidatar, foi implodir-se, creio, enquanto rosto verdadeiramente alternativo à liderança do Benfica e, ao mesmo tempo, contribuir, talvez decisivamente, para a implosão de qualquer eventual oposição a Rui Costa nas eleições de 9 de outubro.
Rui Costa só não é, pois, o próximo presidente do Benfica se não quiser. E quer, creio. Mas creio mais: que Rui Costa não poderá sentir apenas vontade de o querer; tem de sentir que esse é, agora, também o seu dever. Só lhe ficará bem, num momento tão tragicamente histórico como o que acaba de viver o Benfica, neste explosivo e escaldante verão de 2021.
PODE Noronha Lopes ter tido a intenção de deixar claro que não se candidata (ou recandidata) apenas por «fortes» razões pessoais, sejam elas mais familiares ou mais profissionais. Mas, mais uma vez, não impede a formação da ideia de estar a desculpar-se com um conjunto de críticas à direção de Rui Costa que podem adensar-lhe a imagem de estar, afinal, a sair de cena por uma porta relativa e inesperadamente pequena.
Para quem não tinha, desde o início, intenção de voltar a ir a jogo, o forte ataque de João Noronha Lopes ao timing do novo ato eleitoral do clube da Luz pareceu, no mínimo, despropositado, injustificado (para não dizer que soou a «desculpa de mau pagador»…), tendo em conta que o próprio Noronha Lopes pediu, logo a 9 de julho, que a direção assumisse «gestão corrente» e a marcação de eleições «o mais depressa possível».
Ora, não esquecendo a máquina eleitoral altamente profissional e competente que o próprio Noronha Lopes montou há um ano e nunca verdadeiramente desfez, será bom lembrar também que foi a 13 de julho - há quase dois meses, portanto -, que a direção do Benfica, já presidida por Rui Costa, anunciou a firme intenção de marcar eleições no clube até final do ano, abrindo de imediato caminho, evidentemente, a que qualquer eventual candidato pudesse começar desde logo a preparar a sua candidatura, de modo a não precisar agora, como fez Noronha Lopes, de se refugiar nalgumas críticas menos compreensíveis para sair de cena, pela esquerda baixa, diria, com todo o respeito, sublinho, por alegadas fortes razões pessoais, mas desiludindo, certamente, quem esperaria, agora, de Noronha, a atitude, própria de um de líder, de dar o passo para a mudança, tão desejada e profetizada pelo próprio candidato derrotado há um ano.
Na verdade, se haveria, no Benfica, um importante momento para qualquer opositor avançar, o momento era, evidentemente, agora!
Veremos o que, entretanto, aí virá. Se ainda vier!
DESDE que os clubes de futebol criaram as SAD que nas SAD riscam pouco, ou mesmo nada, as direções dos clubes. O que as SAD permitiram, entre muitas outras coisas, foi a criação de estruturas profissionais precisamente com o objetivo de não manter o futebol profissional nas mãos do amadorismo dos «velhos» dirigentes desportivos. É assim no Benfica, é assim no FC Porto, é assim no Sporting e é assim na larga maioria dos clubes portugueses. De tal forma, que chegou a haver clubes com um presidente da Direção e um presidente, diferente, na SAD.
O Benfica, por exemplo, coabitou provisoriamente com esse cenário, em 2002, quando Manuel Vilarinho liderou o clube e Luís Filipe Vieira a SAD.
O que vai a eleições, na Luz, a 9 de outubro é a constituição dos órgãos sociais do clube e não a SAD. Quando se prevê que Rui Costa (evidentemente candidato à presidência do clube) reconduza a maioria (ou mesmo a totalidade) dos rostos que integram hoje os órgãos sociais do clube, deve compreender-se que estará a reconduzir as pessoas que não deixaram de estar a seu lado no difícil momento em que o Benfica ficou sem presidente, e que todas essas pessoas riscaram, muito provavelmente, zero nas operações da SAD, limitando-se, como quase sempre acontece, a confiar na estrutura profissional conduzida pelo presidente.
NO FC Porto e no Sporting, não são certamente as direções dos clubes que riscam nas decisões fundamentais da SAD no que diz respeito ao futebol profissional. Alguém acredita que Frederico Varandas não tem, no Sporting, autonomia para decidir contratar Marcel Keizer, pedir emprestado Jesé ou pagar o que era preciso pagar por Rúben Amorim? Ou que o presidente do FC Porto consulta a direção do clube para saber como ir buscar Pepê ou trocar, permanentemente, jogadores com o Portimonense?
Eventuais equívocos sobre a matéria só mesmo de quem pouco perceberá do que se passa verdadeiramente no futebol. Ou, apenas, por demagogia. E barata!
Ganha a eleição do próximo dia 9 de outubro, então sim, poderá, ou deverá, esperar-se que Rui Costa mostre os seus procedimentos enquanto líder que nunca foi, e se tem ou não intenção (e capacidade) de aplicar reformas na SAD e na respetiva estrutura profissional, que depende apenas do critério, visão e filosofia do presidente e não do voto dos sócios.
Diz-se que não ficou a saber-se, nos últimos anos, o que pensa do Benfica o dirigente Rui Costa. E sabemos o que pensa do atual FC Porto o administrador Vítor Baía? Ou conhecemos a opinião do diretor desportivo Hugo Viana sobre todos os erros cometidos até à chegada de Rúben Amorim? Pois claro que não. E é normal. Ou não é?!
Rui Costa vai ter de provar, sim, como novo líder. Não como refém do passado.
MESMO ainda não sufragado como presidente - apesar de legitimamente eleito, ninguém se esqueça - os primeiros sinais da filosofia de Rui Costa são relativamente positivos do ponto de vista da intenção, que parece clara, de devolver ao Benfica a paixão benfiquista que a filosofia, porventura excessivamente empresarial, de Luís Filipe Vieira pareceu ter posto um pouco de lado. Precisam, naturalmente, os clubes de futebol de ser geridos como empresas e Vieira, queira-se ou não, deixou o Benfica estruturado para o futuro como nenhum outro clube em Portugal; mas nenhum clube pode viver da fria cultura empresarial. Os clubes vivem da história, da memória e da paixão. Esquecer isso é morrer, enterrado em negócios
DESDE que cumprindo tudo o que lhe é exigido pelos estatutos e códigos do mercado de valores mobiliários, tem Luís Filipe Vieira, evidentemente, todo o direito de querer transacionar as muitas acões que detém da Benfica SAD, ainda mais ao preço que afirma poder fazê-lo. Só me parece que não tinha necessidade de encurralar Rui Costa, ainda antes das eleições, com uma batata destas, que além de quente, tem, naturalmente, muita casca!