A gratidão

OPINIÃO27.01.202305:30

Finanças, relações, paixões e orgulho, e o futebol como denominador comum

QUANDO vejo a Juventus ser punida, em Itália, com a perda de 15 pontos, e cair da 3.ª para a 10.º posição do campeonato, por maquilhar finanças e negócios de transferências de jogadores, recordo notícias tornadas públicas no nosso país sobre a troca de jovens jogadores entre FC Porto e V. Guimarães e entre FC Porto e Sporting, avaliadas em muitos milhões de euros, e questiono, naturalmente leigo na matéria, o propósito e o objetivo de tais transações.

No final de 2021, Sporting e FC Porto anunciaram ter trocado entre si jovens jogadores,  numa operação avaliada contabilisticamente, pelos vistos, em 11 milhões de euros. Rodrigo Fernandes foi de Alvalade para o Dragão e Marco Cruz fez o caminho inverso.

É verdade que o Sporting fez saber, imediatamente, que a operação não teria impacto nos resultados da SAD referentes ao primeiro semestre de 2021/2022. E incluiu a seguinte comunicação no Relatório e Contas, que pôde consultar-se na página da internet da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM):
«A Sporting SAD efetuou uma operação de troca do jogador Rodrigo Fernandes pelo jogador Marco Cruz da FC Porto SAD, valorizando esta operação em 11 milhões de euros. Esta operação tem subjacente um forte racional desportivo e um valor razoável e sustentado para a Sporting SAD. Esta transação teve um impacto nulo nos resultados e no ativo intangível - plantel da Sporting SAD decorrente da interpretação prevista nas IFRS/IAS (normativo contabilístico internacional utilizado pela Sporting SAD), mais especificamente o IAS 38, que estabelece que na existência de uma troca de ativos não monetários, e apesar de existir a sustentação do valor atribuído ao jogador cedido, o reconhecimento contabilístico deverá ser efetuado utilizando o valor de balanço do ativo cedido, neste caso o do jogador Rodrigo Fernandes que, à data da transação, era zero.»

Não duvido, evidentemente, da boa-fé dos responsáveis leoninos, que deixaram claro, naquela comunicação, a necessidade de considerarem o jovem jogador Rodrigo Fernandes um ativo sem valor contabilístico, ainda que pudesse ter um valor de mercado, tal como sucederia no caso do outro jovem, Marco Cruz, transferido do FC Porto para o Sporting.

PELO Relatório e Contas dos verde-e-brancos, não houve, assim, reflexo deste negócio nos valores decorrentes de entradas e saídas, e sendo assim, os 11 milhões atribuídos à contratação de Marco Cruz deixaram de ser considerados para a rubrica dos ativos intangíveis relativa ao valor do plantel.

Logo a seguir, foi a vez da SAD do FC Porto divulgar as contas do primeiro semestre daquela época, e ficámos então a saber que a administração portista «teve de reverter os registos de mais-valias avaliadas em 14,1 milhões decorrentes das vendas dos jovens Francisco Ribeiro e Rafael Pereira ao V. Guimarães», tendo os vimaranenses transferido Romain Correia e João Mendes para o FC Porto pelo mesmo valor, numa operação muito semelhante à realizada entre Sporting e FC Porto, com as trocas de Rodrigo Fernandes e Marco Cruz.

Os responsáveis portistas justificaram, igualmente, a decisão com a Norma Internacional de Contabilidade 38, e daí afirmarem que os dois jogadores contratados acabaram por não ter valores atribuídos, acabando por não integrarem a tal rubrica dos ativos intangíveis do plantel azul e branco.

JÁ no caso do Vitória de Guimarães, o que então se soube é que as contratações dos portistas de Francisco Ribeiro, então com 18 anos (pelo custo de cerca de 10 milhões de euros) e Rafael Pereira, de 20 anos (pelo custo de quatro milhões de euros) foram incluídas no Relatório e Contas de 2020/2021. 

Foi noticiado, aliás, que esse relatório informava a contratação dos dois jovens jogadores por 15 milhões de euros, apesar de a SAD portista ter referido «mais-valias avaliadas em 14,1 milhões de euros» na transação realizada com os vimaranenses.

Para o comum dos cidadãos (grupo em que, em matérias destas, me incluo), estes serão sempre temas complexos e, por isso, nem sempre fáceis de entender.

Exige a boa-fé que tenhamos sempre esperança no rigor das autoridades reguladoras, ou, quando é caso disso, nas eventuais investigações desportivas ou judiciais.

Deixo, porém, a questão: se este tipo de transações não servem os articulados das finanças dos clubes, porquê falar-se, tão convenientemente, como se fala, de alguns milhões de euros nas transferências de jovens jogadores, que não passam, afinal, de promessas?

Ahistória da rutura, pelo menos, profissional, entre Cristiano Ronaldo e o agente, e amigo, de sempre Jorge Mendes, contada, com bastante precisão e muito condimento, por dois jornalistas espanhóis no diário El Mundo, parece-me explicar bem, por fim, o que se terá tornado evidente no processo negocial que levou o capitão da Seleção Nacional a fechar contrato com os sauditas do Al Nassr.

Posso confessar que conheço bastante bem a personalidade de Jorge Mendes, pelo contacto pessoal de mais de duas décadas, e bastante mal, pela ausência de muito contacto nestes mesmos 20 anos, a personalidade de Cristiano Ronaldo.

E sem quaisquer processos de intenção ou julgamentos de caráter, que nunca farei, limitar-me-ei a imaginar o que sentirá realmente Jorge Mendes ao ver, definitivamente ou não, Cristiano Ronaldo virar-lhe as costas.

O essencial da história revelada pelos dois jornalistas espanhóis, bem melhor informados, nalguns pontos, do que nós, jornalistas portugueses, não foi desmentido por qualquer das partes envolvidas. Pode, assim, ser mais ou menos difícil de acreditar nalgumas das decisões, segundo o diário espanhol, tomadas por Cristiano Ronaldo, que o levaram a afastar-se do agente que o levou do Sporting para Manchester e de Manchester para Madrid e de Madrid para Turim e de Turim, de novo, para Manchester.

Não nos cabe julgar. Mas pelo que testemunhei ao longo de duas décadas, posso garantir que, no lugar do empresário Jorge Mendes, não poderia deixar de sentir profunda ingratidão. E a gratidão, caro Cristiano, é tão nobre como o mais nobre dos valores.

ACREDITO que é mesmo preciso ter uma enorme paixão pelo futebol, quase tão grande como a paixão pela vida, para se conseguir suportar, aos 76 anos, ver-se despedido de um clube meia dúzia de meses depois de ter conduzido a equipa à conquista da Taça do país e ao título de campeã. Acaba de acontecer ao professor Jesualdo Ferreira (um dos mais notáveis homens que conheci no mundo do futebol), afastado do comando dos egípcios do Zamalek, por causa de meia dúzia de resultados.

Dirão os mais críticos que um homem como o professor Jesualdo, com uma vida profissional, no futebol, tão rica e tão preenchida, afinal de contas tão bem sucedida (apesar de nunca me esquecer que teve de ir para o FC Porto, já com mais de 60 anos, para finalmente vencer títulos importantes e lhe reconhecerem a enorme qualidade, como treinador, mas também como mestre), já não devia sujeitar-se a estas aventuras e, sobretudo, desventuras do instável e, muitas vez, incompreensível meio (como nestes países) em que se move parte do futebol profissional. Mas se bem conheço o professor Jesualdo, e muitos outros homens do futebol de uma geração, talvez, menos compreendida, e sobretudo, menos afortunada, o trabalho de campo confunde-se com a própria vida. Deixar um é quase como deixar o outro.

LAMENTO muito falar disso apenas agora, da morte de um querido camarada de trabalho, que nos deixou no primeiro dia do ano, Manuel Martins de Sá, durante muitos anos colaborador de A BOLA, e correspondente em Portugal do prestigiado diário desportivo italiano La Gazzetta dello Sport, com quem pude, na redação desta casa, ter uma relação de grande proximidade e admiração. Martins de Sá tinha 93 anos. Grato por tê-lo conhecido, orgulhoso pela relação que tivemos, honrado pela delicadeza,  amabilidade e generosidade que sempre me dispensou, a mim, e a este jornal. A minha homenagem.