A força da comunicação
Quando passamos a conhecer processos mais dúbios ficamos mais participativos
SOU defensor da ideia de que uma boa comunicação — aquela que é coerente, planeada e que ocorre no momento certo, com relevância e clareza — é muitas vezes suficiente para facilitar a compreensão daqueles que discutem ferozmente assuntos controversos ou polémicos. É assim em vários setores de atividade e é ainda mais assim em universos tão sensíveis como a política ou o futebol.
Também na arbitragem a opção por essa estratégia pode ser um dos segredos do sucesso, o que no caso significa apenas uma forma eficaz de tornar mais credível uma classe que, convenhamos, jamais merecerá a simpatia ou reconhecimento genuíno dos amantes do jogo.
Mas se é verdade que historicamente o setor nunca se predispôs a comunicar para o exterior de forma concertada e sistemática — as diferentes estruturas nacionais sempre se refugiaram em mandamentos genéricos da FIFA para não exercerem uma opção que, a dados momentos, seria claramente a mais acertada no contexto —, não deixa também de ser justo reconhecer que, nesta fase, tem sido feito um esforço notório nesse sentido. Um esforço que, na minha opinião, tem produzido resultados, sublinhando que a opção é oportuna e revela inteligência e maturidade organizacional.
Para além de algumas iniciativas bem pensadas realizadas junto de vários clubes e de alguma imprensa desportiva (partilhou áudios oficiais da sala de videoarbitragem, em ações pedagógicas transparentes e extremamente positivas), o Conselho de Arbitragem deu recentemente um conjunto de recomendações e diretrizes aos seus árbitros (fá-lo todas as épocas, desde sempre) e fez questão de as transmitir diretamente a todas as sociedades desportivas envolvidas nas diferentes competições profissionais (algo que também acontece todos os anos).
Mas desta vez teve o mérito adicional, presume-se que deliberado, de vender essa informação aos media, de forma a que esses pudessem reproduzir essas indicações de forma continuada, desempenhando bem o seu papel de (in)formar as pessoas. Neste momento e se calhar pela primeira vez em muitos, muitos anos, todos aqueles que acompanham o fenómeno de perto — quer lá dentro, quer cá fora — sabem perfeitamente o que foi dito aos homens do apito e o que se espera que cumpram, nesta época, dentro das quatro linhas. Não há por esta altura um único treinador, jogador, dirigente, jornalista ou adepto que não esteja familiarizado com a máxima da tolerância zero em relação aos bancos técnicos ou com a maior exigência no combate às entradas violentas/grosseiras ou ao baixo tempo útil de jogo. Isso acontece porque a comunicação, seja qual for, funcionou. E como funcionou, há no inconsciente de cada um uma maior tolerância à decisão e a expectativa de que tudo se cumpra sempre, de forma coerente e consistente: por todos os árbitros, em todos os jogos, da mesma forma.
Comunicar bem tem destas coisas: desmistifica suspeitas que influenciam os mais influenciáveis e dilui dúvidas quanto a decisões que são tomadas em áreas tão escrutinadas e sensíveis como esta. As pessoas valorizam a informação como forma de serem integradas nos fenómenos que as apaixonam. Isso é algo que faz parte da natureza humana. Quando passamos a conhecer processos mais dúbios, processos que até então nos estavam vedados, ficamos mais confiantes, mais participativos. Sentimo-nos incluídos.
Se amanhã forem libertados todos os dossiers oficiais sobre a possibilidade de existir vida nos outros planetas, o tema deixará de ser tão nebuloso e especulativo como é hoje, como foi desde sempre. Não custa nada, não custa mesmo nada e é uma das medidas mais sensatas e transparentes que a arbitragem deve tomar rumo à sua credibilização. O povo agradece e os árbitros também.
No dia em que a arbitragem conseguir traçar um plano de comunicação pensado e desenhado, um que seja feito época a época e que seja cumprido à risca, da primeira à ultima jornada, sem falhas, sem interrupções e sem incoerências, parte da polémica que tantas vezes se levanta deixará de existir. É tão certinho como dois e dois serem quatro... e dois e dois são mesmo quatro.