A final antecipada
Hoje é dia de Barcelona-Liverpool e uma vez sem exemplo permito-me o luxo de não tentar ser isento. Quem me conhece compreenderá: o Liverpool é o meu clube de sempre e é por eles que torço. Nada contra o Nélson Semedo nem contra Barcelona, atenção: adoro a cidade, os extraordinários devaneios artísticos de Gaudi, a sala de concertos mais bela do Mundo (o fabuloso Palácio da Musica Catalã, obra prima do modernismo desenhada por Lluís Domènech i Montaner) e o génio de Lionel Messi, um futebolista que admiro profundamente e que coloco no topo dos topos ao lado de Cristiano, Maradona, Cruyff e Pelé (a ordem é arbitrária: para mim são estes cinco). Mas eu adoro o Liverpool. Assim sendo, e porque estou quase certo que o Liverpool vai perder a Premier para os malvados do City de uma forma absolutamente cruel (97 pontos não vão dar e a culpa também é tua, magnifico Bernardo: muito tens feito por isso), posso assumir que vou estar a torcer desesperadamente pelo exército vermelho de Klopp e que nem sequer tenho coragem de ver o jogo em direto (o de logo e o de Anfield) para poupar o meu pobre coração, tão desgastado anda ele com a ansiedade quase mórbida de ver o City perder pontos - e eles nada: ganham, ganham, ganham e recusam-me obstinadamente essa alegria. No domingo passado ia-me dando uma coisa má com o golo milimétrico (no sentido literal do termo) de Aguero. Portanto, logo por volta da meia noite pego no comando, puxo o jogo para trás e começo a ver um pouco a medo, como faço sempre que o Federer joga finais.
Para nós do Liverpool ganhar a Champions - a nossa sexta Champions - será a única maneira de compensar o mais que provável 2.º lugar na Premier que embaraçosamente nos foge desde 1990; desta vez falharemos o título com uma pontuação obscenamente alta que daria para ser campeão em qualquer outra época menos nesta (ouviste Bernardo? achas bem?). Não vos maço a explicar porque sou adepto apaixonado do Liverpool desde 1973 - estas coisas não se explicam nem se justificam: sentem-se e praticam-se; apenas direi que, tirando a Seleção Nacional, é a única equipa que me emociona ao ponto de me fazer chorar. De alegria ou de tristeza - por exemplo, as tragédias mortíferas de Heysel e Hillsborough estão entre os momentos mais tristes da minha vida. Também posso dizer que não há estádio no Mundo que se compare a Anfield, nem cânticos tão poderosos e arrebatadores como aqueles que o Kop entoa com uma afinação e um sentimento de comunhão que deixam qualquer forasteiro ou roído de inveja ou com um nó na garganta e lágrimas nos olhos. Tudo no lindíssimo hino do Liverpool, you will never walk alone, sugere irmandade, compromisso, causa, épica. Foi assim que o clube foi formatado nos anos sessenta pelo visionário escocês Bill Shankly - um treinador bigger than life como não se fabrica mais. É um clube estiloso como o inimitável Kenny Dalglish, teatral como Jurgen Klopp, excessivo e dramático no triunfo e na derrota como o incomparável Winston Churchill. A antítese da normalidade, da rotina, da espuma dos dias. Um clube que visitou quatro vezes Camp Nou e nunca saiu de lá derrotado. Ouviste, Messi? É uma tradição para respeitar. Um clube que disputou três eliminatórias europeias com o Barcelona e ganhou as três. Sabia don Ernesto? Veja lá, não nos estrague a média.
Ademais, tenho um feeling muito forte que justificarei depois: o vencedor deste formidável duelo entre pentacampeões europeus ganhará a Champions na final de Madrid.