A filosofia do ódio no futebol português
AINDA se lembram do último FC Porto-Benfica? Lembram-se se foi um bom ou um mau jogo? Um clássico classificado, ou um desafio rafeiro, sem ponta de pedigree?
Não se preocupem com a possibilidade de Alzheimer, é, aliás, muito natural que pouco ou nada se lembrem do jogo, porque a partir do momento em que o Artur Soares Dias apitou para o fim, Portugal (quase) inteiro desatou a discutir tudo menos futebol.
Confesso que não me surpreendeu. Há muitos anos que se sabe que o futebol não vende. O que vende são os clubes e, mais do que os clubes, a clubite e a sua filosofia de ódio, que as redes sociais vieram amplificar até à saturação da mediocridade, do ruído e da estupidez.
O futebol, em Portugal, está refém de dois clubes e das audiências que geram. Pior, agora, que o FC Porto tenta, desesperadamente, amarrar o Benfica ao cais deste rochedo da Europa, antes que ele fuja para não mais voltar.
Por isso, direi algo que admito ser politicamente incorreto. Tomara que o Sporting não se afunde e se liberte do seu próprio emaranhado; tomara que o SC Braga continue a crescer e a aproximar-se do topo sem dar muito nas vistas, antes que lhe tirem as veleidades; tomara que o Vitória de Guimarães não perca a sua tão importante massa crítica; oxalá o Rio Ave, o Famalicão, o Boavista, enfim, esse Norte afirmativo e corajoso, comece a exigir o direito a não ser esquecido e marginalizado; e viesse um qualquer milagre ressuscitar o Vitória de Setúbal e um Belenenses digno. Estou farto dessa guerra brutal e insana entre dois clubes que colocam o futebol português no patamar da demência, não o deixando crescer, roubando-lhe a inteligência, impondo a vulgaridade do estilo, a conduta de rufia, a política do posso, quer e mando.
O duelo de comunicados, que não se interrompe, estimula a incapacidade de entender o futebol jogado; subverte a natureza prioritária dos protagonistas, sejam eles jogadores ou treinadores; destrói a virtude do jogo; desrespeita os interesses dos verdadeiros adeptos; arrasa os direitos mais elementares desses cidadãos que, por desdita ou desgraça, resolveram ser árbitros.
Muitos entenderão que este será um exercício de pura hipocrisia, porque, no fundo, são estas guerras que vendem jornais e criam audiência de televisão. Os que assim pensam, não veem um palmo à frente do nariz, porque nem sequer percebem que a descredibilização e a desvalorização do espetáculo acabará por matar tudo o que estiver à sua volta.
Dirão que é assim há demasiado tempo, para que se confirme previsão tão catastrofista. Esquecem que, estes, são tempos de vida e morte rápida. Esquecem que as novas gerações se aborrecem perdidamente com o tédio da discussão pública. Esquecem, enfim, que o evidente aumento da distância, em rigor, em profissionalismo, em qualidade de gestão, para os principais países europeus, acabará por condenar o nosso futebol ao provincianismo a que esta a trágica comédia nacional o condena.
Se tenho alguma esperança que me oiçam? Nenhuma! Em Portugal não há instituição, pública ou privada, com suficiente coragem para se meter num campo minado e de balas cruzadas. Apenas desejo que esta batalha dos loucos não acabe numa qualquer tragédia, com vítimas inocentes.
O que pode vir a mudar? A finita saturação dos pobres de espírito, que passivamente assistem a tudo isto; ou a emancipação dos outros que não aceitem apenas ser figurantes neste filme que conta a história de um pobre país com dois reis e um só trono.