A feira da Luz

OPINIÃO13.07.202107:00

Para a chamada oposição, o problema é só Rui Costa. De aí, o plano para enfraquecê-lo e apregoar a sua impreparação para ser presidente

PENSAVA que tinha sido dolorosa a prolongada exposição de Luís Filipe Vieira à inclemência dos juízes de rua, no sentido de lhe ser aplicada uma medida pesada, quando, com a decisão do tribunal de instrução de todos conhecida, em espaço de opinião radiofónico, ouvi alguém defender que ele até foi tratado com alguma dignidade por não ter sido visto algemado.
Apanhou-me de surpresa, confesso. É uma opinião com a qual não concordo, obviamente, enquanto cidadão que se considera livre, que julga  viver num país livre e que aceita mal esta estratégia de condenar na praça pública, deixando o  acusado sem meios de se proteger antes de ser chamado a prestar contas no local próprio e  na presença de um juiz de Direito. Acerca do caso em concreto, depois de três dias de massacre noticioso e  de pessoas com responsabilidade política e social, em vez de se aterem à prudência do silêncio em respeito pela separação de poderes,  debitarem opiniões em tom elevado, reproduzidas vezes sem conta, foi feito um convite à gritaria generalizada.
 Para mim, foram cenas deprimentes e reprováveis, independentemente do nome da pessoa  visada.  O  bastonário da Ordem dos Advogados, Menezes Leitão, também não gostou. Serão os passos da justiça, que têm de ser dados. Assim será, mas a medida de coação de prisão preventiva não se confirmou e na opinião do advogado António Pinto Pereira, à SIC Notícias, além de «boa surpresa», representa, segundo ele,  «um avanço no Estado de Direito Democrático». Valha-nos isso.

ESTAMOS no intervalo brevíssimo de folhetim para durar. Luís Filipe Vieira regressou a casa e à família, vai preparar a  defesa com os advogados, tentar provar a sua inocência  e, aos poucos,  recuperar a credibilidade que naturalmente ficou abalada. Como? Não sei, mas sei que este folclore não vai parar, é o costume: a seguir à inundação de notícias para não deixar dúvidas sobre a culpa do «fortemente indiciado», segue-se  o regime de gota a  gota para ir mantendo viçosa a curiosidade mediática, de que o dia de ontem, aliás, foi exemplo a reter.
Vieira deverá evitar as correntes de ar que se avizinham e que estão a ser provocadas por quem anseia vê-lo pelas costas. Agridem-no, culpam-no, ofendem-no, mas é sedutora a cadeira onde se tem sentado nos últimos dezoito anos e que, até ver, parece ficar vaga.
Libertar-se do quotidiano do Benfica será a melhor forma de  preparar os próximos combates  em ambiente o mais recatado possível, embora sabendo que vai  ter surpresas, boas e más, descobrir amigos que pensava não ter e ver  fugir outros que verdadeiramente nunca o foram. É a vida.
Como observador externo, embora minimamente atento, entendo que a obra de Vieira é notável. O que era o clube, quando chegou, e o que é hoje, na iminência de sair. Não é só a obra, mas também a estabilidade e a grandeza com que sempre procurou dotá-lo, de aí a riqueza do seu património imobiliário que, tanto quanto julgo saber, se não na totalidade, pelo menos em grande parte, é propriedade do SL Benfica.
Em uma ocasião, em conversa no Seixal, disse-lhe, com a confiança de quem se vê uma vez por ano, nos anos em que se vê, que era uma pena o universo benfiquista não tomar conhecimento do que é aquela magnífica infraestrutura desportiva, ao nível do que melhor existe no Mundo. Ficou de pensar sobre o assunto…

Afeira da Luz vai prolongar-se, sabe-se lá até quando, mas o dia  de hoje pode ser muito importante para nos ajudar a perscrutar o futuro próximo da águia. As conclusões da reunião dos órgãos sociais são aguardadas com natural expectativa, havendo, no entanto,  uma dúvida  central e cujo total esclarecimento é prioritário: o eventual curto-circuito entre a suspensão de funções declarada por Luís Filipe Vieira e o anúncio aparentemente frio, ou deselegante, com que Rui Costa se autoproclamou presidente.
Noticiou A BOLA, na edição de ontem, que  Vieira inscreveu, na ata da reunião de Direção de 9 de novembro de 2020,  «o nome de Rui Costa  como seu sucessor em caso de ausência ou incapacidade, para exercer as obrigações enquanto máximo dirigente do clube».  Refere  ainda a notícia que «se cumpriu a questão expressa nos estatutos de que pertence ao presidente  a indicação do sucessor».  Ou seja,  estará tudo conforme os estatutos. Muito bem, mas,  como alertou o professor Fernando Seara, em A BOLA de anteontem (pág. 31), «mais do que a legalidade estatutária importa a legitimidade institucional e esta, mesmo que haja quem possa divergir,  só se adquire, numa primeira fase, em assembleia geral».
Para a chamada oposição, aquela que se conhece, o problema é só  Rui Costa, por ver nele um obstáculo que dificilmente conseguirá tornear nos tempos mais próximos. De aí, o plano  em execução para enfraquecê-lo, colar-lhe defeitos, apregoar a sua impreparação para ser presidente  e  por aí adiante. Aliás,  esta campanha detratora já começou, motivo pelo qual os por enquanto putativos candidatos a sucessores de Vieira digam uma coisa e pensem noutra. Agitam a necessidade de eleições imediatas, mas não é isso o que pretendem. Só avançam quando sentirem  que podem fazer frente a Rui Costa. Até lá,  sugere o bom senso que o sócio anónimo não se deixe iludir com vendedores de promessas.

Nota — CMVM suspende ações do Benfica por «indícios de irregularidades» e tocam os alarmes. Menos de duas horas depois a situação está esclarecida. Foi assim ontem, deve ser assim por período indefinido.