A expulsão de Helton Leite
Se a análise gerar outras leituras, diz a prudência que a não sanção deve ser a melhor solução
O jogo de domingo, disputado em Coimbra, teve momento decisivo à passagem do minuto 17: Helton Leite saiu da baliza para tentar intercetar o lance e acabou por tocar em Abel Ruiz, que caíu após passar pelo guarda-redes encarnado.
Quando houve o contacto, o avançado espanhol estava de posse de bola, tinha passado pelo adversário e seguia pela direita do seu ataque.
As perguntas a colocar num lance desta natureza são sempre duas:
1 — Houve falta, no caso passível de pontapé-livre direto favorável ao SC Braga?
2 — A ter existido, essa infração cortou uma clara possibilidade de golo (passível de cartão vermelho direto) ou apenas um ataque prometedor (passível de advertência)?
Por partes.
O contacto existiu mesmo e disso não restam dúvidas. Pé esquerdo do guardião encarnado no pé esquerdo do atacante bracarense (além de braço no braço). Mas se isso é certo, não é menos certo que os dois toques foram ligeiros. Em velocidade, com dinâmica e aceleração, às vezes é o que basta para derrubar um jogador. Às vezes, não. No caso concreto, nunca saberemos.
O entendimento do árbitro foi num sentido e ninguém sério, honesto e de boa-fé, pode garantir que a sua interpretação foi errada.
O problema maior daquele lance morou na questão disciplinar. É que essa foi na fronteira entre a expulsão e a mera advertência. É verdade que Ruiz seguia isolado (embora descaído para um dos flancos) e que ultrapassou o último homem. O único aliás que podia jogar a bola com as mãos dentro da sua área (qualquer outro defesa não tem essa prerrogativa). Mas também é verdade que a bola levou claramente a direção da linha lateral e ganhou alguma velocidade após o desvio do jogador do Braga.
O raciocínio do árbitro foi, mais uma vez, legítimo: depois de contornar Helton Leite, o espanhol manteve franca possibilidade de alvejar a baliza adversária com êxito. E é verdade. Mesmo descaído à direita, ele podia marcar golo porque tinha ângulo para isso e a baliza estava deserta. Mas Nuno Almeida podia ter concluído exatamente o oposto: apesar de ter chances de faturar, podia não ter clara possibilidade de o fazer.
De novo, qualquer uma das interpretações não mereciam discussão porque eram ambas plausíveis. Quer isto dizer que a sanção técnica e disciplinar aplicada foi compreensível.
Agora a parte do bom senso e do espírito subjacente à lei: numa final — que é um jogo especial, carregado de emoções e valor para as equipas e para todos os intervenientes no jogo —, todas as decisões com impacto claro e direto no desenrolar da partida devem ser tomadas com certeza máxima.
Assinalar um pontapé de penálti, anular e validar um golo ou exibir um cartão vermelho direto deve pressupor, num contexto assim, convicção plena. Segurança total. Deve pressupor que não restam dúvidas sobre a justiça da avaliação. Se elas existirem, se a jogada for fronteiriça, se a análise gerar outras leituras, diz a prudência que a não sanção (ou a punição menos impactante) deve ser sempre a melhor solução a tomar.
Não estou certo que foi isso que aconteceu ao minuto dezassete do jogo de Coimbra.
A reflexão não muda o que se passou, mas pode apenas acrescentar valor ao que está por vir em momentos idênticos.
Se é gerivel, é para gerir. Se não é... não é.