A diferença!
O futebol é muito o que é o treinador, é muito o que são os jogadores, e é muito o que é a equipa. Mas, na realidade, é também muito o contexto. Muito mesmo! Aquilo que está a suceder ao Sporting é bem a confirmação de como o contexto é importante para o rendimento de uma equipa, de um jogador, até, naturalmente, de um treinador. Provavelmente, muito poucos seriam os contextos mais favoráveis a este Sporting como aquele em que o futebol se encontra. O leão precisa de tudo menos de pressão. E pressão é o que menos tem agora.
Tem apenas a pressão normal para quem joga num grande clube como o Sporting.
É, verdadeiramente, como se estivesse numa tranquila pré-época.
Nesse sentido, apostou num novo treinador na melhor altura.
Numa altura em que o tempo joga a favor do Sporting. E numa altura que permite ao leão lavar a cara, refrescar ideias, construir novos hábitos, novas relações, novas empatias, novas químicas, sem estar sob a pressão dos exames.
O Sporting não está em exame.
Está a estudar para o exame, que só virá na próxima época.
É verdade que apostou o leão num treinador que já se percebeu que tem aquilo que os melhores treinadores precisam muito de ter - aura de líder, discurso genuíno, direto, a dar ideia de muita franqueza e objetividade.
Na verdade, Rúben Amorim parece falar como jogava - de forma muito simples.
Rúben Amorim não gostava de ter a bola muito tempo. Assim como não gasta muito tempo a dizer o que precisa.
Não queria a bola para ele, como também não quer ser o rei do discurso. Usava a bola como usa as palavras, para chegar o mais rápido possível ao objetivo. No campo, dava tudo para a equipa atacar bem e defender ainda melhor; na sala de imprensa, falando para fora, quer que a mensagem chegue, depressa e bem, lá dentro.
Já mostrava, no campo, facilidade de ler e compreender o jogo e percebia que o mais difícil era exatamente jogar da forma mais simples. Ter boa receção de bola, bom passe e rapidez na execução.
COMO disse, um dia, Eriksson, pouco depois de chegar a Portugal, ao contrário do que pensavam, os jogadores portugueses não tinham muita técnica, o que tinham era muita habilidade.
Técnica, dizia Eriksson, é executar bem e depressa, para que a equipa funcione como equipa e se cumpra o objetivo comum. Habilidade é outra coisa.
Individualmente, os portugueses faziam (e ainda fazem) coisas maravilhosas com a bola; o problema era outro, eram os jogadores como equipa e não o que valiam cada um por si.
O futebol, criado pelos britânicos como o conhecemos hoje, foi representado na origem pela palavra association, e não era association por acaso, era association porque o futebol deve ser a expressão do talento de onze jogadores associados e não a expressão do talento de cada um. O objetivo, como sempre, é que o todo seja mais forte do que a soma das partes.
É por isso que o maior talento de um treinador está na formação da equipa - ou na construção do plantel - e, pela escolha que faz dos jogadores, na capacidade de lhes dar aquela ligação tática, emocional e química de modo a resultarem como um todo.
O que Rúben Amorim procura - vê-se claramente pelo modo como parece querer que o Sporting jogue, como já se via em Braga… -, é que seja a equipa, pela simplicidade do processo e pelo equilíbrio tático nos diferentes momentos do jogo, a encontrar o espaço para explorar o talento individual e não o talento individual a procurar o espaço para que a equipa resulte.
E está a consegui-lo. Sente-se que a mensagem do treinador passa para os jogadores. Ele há coisas no futebol - difíceis de explicar - que um treinador tem ou não tem, como diriam os italianos.
Rúben Amorim parece ter. E tendo, melhor química cria. E melhor empatia. E mais estabilidade emocional. E mais confiança. E quanto melhor a ligação emocional, mais os jogadores confiam. E quanto mais confiam, mais acreditam no que se faz. E quanto mais acreditam no que se faz, mais confiança ganham. E quanto mais confiança ganham, mais perto estão sempre de vencer. E quanto mais perto sentem estar de vencer, mais reconhecem o líder. E quanto mais reconhecem o líder, mais se disciplinam e o seguem. E quanto mais o seguem, mais dão dentro do campo.
Tudo o que o Benfica, por exemplo, parecia já não conseguir ter com Bruno Lage.
A diferença não está, porém, apenas no exemplo da mensagem, da química ou da confiança; está também, e muito, no contexto. E se perguntarmos a Rúben Amorim, ele reconhecerá certamente que para o Sporting o contexto atual não podia ser melhor.
Não tem a pressão da luta pelo título, não tem a pressão das claques divorciadas da Direção do clube, não tem verdadeiramente a pressão dos media e ninguém exigia ao treinador muito mais do que preparar bem a próxima temporada.
Toda a pressão está sobre os candidatos ao título, e, sobretudo, sobre o Benfica, pelo que sucedeu ao campeão nacional na última dúzia de jogos. E bem sabemos como mais pressão para o Benfica se traduz quase sempre em maior tranquilidade para o Sporting. É assim a clubite em Portugal.
Pode, pois, Rúben Amorim trabalhar na paz do senhor. Faça as experiências que fizer, teste as soluções que testar, aposte nos jogadores que apostar, quase tudo lhe será mais tolerado nesta fase. Ele sabe isso; e sabe-o tão bem que foi o primeiro a lembrar como lutar pelo título é bem diferente.
Além disso, o modo como um treinador chega a uma equipa define boa parte da ligação que vai estabelecer com os jogadores.
Apesar de ainda muito jovem, Rúben Amorim chegou ao Sporting como opção tão forte da Direção que a Direção até nem se importou de pagar por ele dez milhões de euros. E ninguém paga dez milhões de euros por um treinador para não se lhe dar plenos poderes e inteira liberdade de ação.
Ou seja, Rúben Amorim chegou ao Sporting como treinador verdadeiramente emancipado. Tão emancipado ou tão pouco que foi capaz de tomar a decisão que tomou com Jérémy Mathieu e teve, depois, a inteligência de reconhecer, publicamente, que como jogador talvez não tivesse sido capaz de reagir como reagiu Mathieu, elogiando, assim, a integridade e o profissionalismo do jogador francês, a quem a ironia do destino pregou a partida de o colocar perante o fim da carreira apenas alguns dias depois desse episódio com o treinador.
ESTÁ provado que ajuda muito chegar com estatuto a um grande clube. Sobretudo a um grande clube onde ser treinador é muito mais do que ser… treinador!
E ter estatuto, no caso de Rúben Amorim, nem sequer é ter currículo, porque Rúben Amorim não tem currículo. Nem precisou, como se viu.
Bem pior do que ter estatuto e não ter currículo, porém, é ter, até, algum (ainda que pouco) currículo, mas não ter qualquer estatuto.
Foi o que sucedeu, mais uma vez como exemplo, com Bruno Lage no Benfica. Lage chegou como um comandante provisório a quem Luís Filipe Vieira, num voo de Ponta Delgada para Lisboa, acabou por confiar definitivamente a condução do barco, mas nem o título de campeão foi, pelos vistos, suficiente para emancipar o treinador por inteiro. Ganhou Lage mais currículo, mas parece não ter ganho mais estatuto. E isso, muito em particular no futebol, tem quase sempre um preço. E paga-se com a cabeça!
Muito infeliz, para não dizer outra coisa, foi há dias a mensagem de Rui Gomes da Silva, anunciado candidato a candidato à presidência do Benfica, ao comparar Luís Filipe Vieira a Vale e Azevedo.
Creio que qualquer benfiquista que se preze saberá muito bem o que representa um e outro para a história do Benfica.
E saberá muito bem que parte da história do Benfica gostaria de ver apagada.
Pode e deve, evidentemente, discordar-se, opor-se, combater-se eleitoralmente o atual presidente do clube. E é bom para o Benfica que se discuta o Benfica.
E, passe o lugar comum, será sempre bom para qualquer instituição (ainda mais com a grandeza do Benfica) que se revelem novas ideias, filosofias, estratégias, personalidades, diferentes tipos de liderança, para que os benfiquistas, no caso, melhor possam escolher o líder para um futuro que estará, nos próximos anos, profundamente marcado pelas consequências desta crise de pandemia que tanto, e tão assustadoramente, tem abalado o mundo.
SABE Luís Filipe Vieira que é, naturalmente, o maior responsável por tudo o que de bom e de mau aconteceu no Benfica nos últimos 17 anos, já para não falar no peso que naturalmente também teve em muitas das decisões no tempo da presidência de Manuel Vilarinho. E o trabalho de Vieira volta a ser escrutinado este ano, no sexto ato eleitoral a que concorrerá. É verdade, por todas as razões e mais uma, que não será assim tão difícil reconhecer que Vieira é já o maior presidente da história do Benfica. Apesar disso, Vieira também deve ser o primeiro a reconhecer ter cometido muitos erros.
Deve, assim, sublinhar-se a importância desse «combate político» seja de que clube for, mais ainda num clube que defende a tradição democrática como defende, e sempre defendeu, o Benfica - dominado, como se tem visto em muitas assembleias gerais, pelo chamado «povo benfiquista».
Mas outra coisa bem diferente é querer-se, seja de que modo for, comparar Luís Filipe Vieira com João Vale e Azevedo, mesmo que apenas quanto ao estilo de liderança, como pareceu querer há dias Rui Gomes da Silva, numa tentativa muito infeliz de chamar a atenção contra Vieira, após a derrota da equipa na Madeira, a saída de Bruno Lage e o (já estafado, é certo) pedido de Vieira para que os benfiquistas não esqueçam o passado.
Lembrar-me eu do que Rui Gomes da Silva dizia há quatro anos, quando Vieira foi pela última vez reeleito: «Não contem comigo para dizer mal, muito menos de uma pessoa com quem trabalhei e ajudei durante sete anos. Não tenho esses princípios». Vê-se!