A cultura regional do futebol português
Ao longo de muitos anos, o futebol português viveu a realidade de um país pobrezinho e cinzento, fechado na sua prisão geográfica, entre todo um oceano de distância para o esplendor americano e um gigante terreno que o aberrante conservadorismo de Franco transformou num imenso congelador da História ibérica.
Portugal tinha o seu futebol típico, mesclado de uma assinalável habilidadezinha individual, que os incautos analistas traduziam por apurada técnica, e pela esperteza de homens do futebol que entendiam melhor o jogo no tabuleiro das táticas e das estratégias. Éramos, então, um país provinciano e, segundo Salazar, orgulhosamente solitário. A isso, o nosso futebol se acostumou, sem queixas, nem agonias.
No início dos anos 60, porém, o Benfica agitaria o país, com a sua versão inovadora e pouco expectável de um enorme sucesso internacional, que o levou a vencer por duas vezes consecutivas a Taça dos Campeões Europeus e a estar por diversas vezes nas grandes finais europeias da época. O Benfica era, então, o único clube português com uma cultura internacional, o único clube nacional capaz de passar a fronteira de Elvas para Badajoz e não se sentir pequeno, diminuído, desajustado à grandeza europeia. A própria Seleção, mesmo quando assente numa representação maioritária do Benfica, comportava-se como uma equipa sem mundo, pequena e incompetente na organização institucional, sem rasgo, sem visão. O momento excecional do Mundial de 1966, em Inglaterra, foi isso mesmo, uma exceção que não alterou conceitos, atitudes, comportamentos, organização, enfim, hábitos culturais.
Com o tempo, o Benfica foi perdendo o prestígio e essa cultura internacional que o diferenciava e lhe permitia estar para além da pequenina realidade social do país. Porém, o FC Porto e a Seleção Nacional sucederam-lhe. O FC Porto porque aproveitou bem a aceleração de mentalidade que a hegemonia no futebol nacional lhe trouxe, pela útil e inteligente transgressão de uma memória centralista; a Seleção Nacional porque com a saída dos melhores jogadores portugueses e dos melhores treinadores nacionais para o estrangeiro ganhou uma nova cultura de futebol universal e sem fronteiras que lhe permitiu desatar-se do bucólico e secular provincianismo português e afirmar-se no mundo como uma das seleções mais pujantes e mais valiosas do futebol internacional.
É verdade que o Benfica e, até, o próprio Sporting Clube de Braga têm tido, nos últimos anos, algumas manifestações de vontade em libertarem-se do histórico comprometimento com a ideia de que só em Portugal e no futebol português se sentem seguros e confortáveis. Porém, como ainda se viu esta semana no jogo de Zagreb e também como se viu esta época aos dois Sportingues (o de Portugal e o de Braga) as recaídas são muitas e a maleita persiste.
Daí que o FC Porto tenha chegado com mérito assinalável ao patamar das oito melhores equipas da Europa, mesmo sabendo-se que, de facto, a realidade teórica possa não ser essa. E daí, também, que o Benfica, depois de uma promessa aparentemente segura de uma nova construção de equipa sólida e competente tenha desabado, em Zagreb, onde voltou a ser, apenas, uma equipa regional.
O FC Porto parece continuar a ser, assim, o único clube português capaz de se reconhecer, do ponto de vista de uma cultura desportiva e competitiva, como uma equipa do mundo, mesmo que, um tanto ironicamente, não o consiga afirmar de forma institucional, onde continua sem desatar o nó regionalista e até mesmo provinciano que ainda o prende.