A cor do dinheiro e do cabelo
No futebol, gestos como o de Enzo Fernández valem pouco, mas tudo indica que a família Schmidt tem razões para celebrar
EM apenas pouco mais de meia época Roger Schmidt ganhou o mérito de uma boa franja de adeptos do Benfica, para não dizer a maioria (e provavelmente também os adeptos dos clubes rivais), acreditar que mesmo perdendo Enzo Fernández o treinador alemão conseguiria reagrupar a equipa e chegar ao final da época com a conquista do tão desejado título, que foge desde 2019. Os encarnados têm exibido na atual temporada desportiva uma capacidade de aproveitar valor que estava perdido (Florentino), elevar qualidades de quem já exibia potencial (Gonçalo Ramos) e descobrir novo talento (António Silva). A isto deve acrescentar-se um acerto muito maior nos reforços comparativamente aos dez anos anteriores, em que só um em cada quatro novos jogadores conseguiu entrar no onze habitual - agora parece que os que chegam vêm mesmo para somar no campo e não apenas na folha de pagamentos.
Mas por muito boas que pareçam ser as capacidades de Schmidt, nenhuma notícia é melhor para o germânico que a permanência de Enzo Fernández. A forma como o argentino festejou o golo marcado na Póvoa de Varzim não deixa dúvidas de que a novela parece ter acabado e a saída para o Chelsea (ou para outro gigante europeu) pode ter ficado definitivamente adiada. Simbolicamente falando, só falta mesmo o cabelo platinado voltar à cor original para tudo voltar a ser como antes, mesmo que saibamos todos que no futebol gestos como aqueles de Enzo a bater no peito valem tanto como as promessas dos dirigentes de que não vão voltar a falar de arbitragens. Ao Benfica resta desfrutar, nem que seja por mais uns meses, de um jogador extraordinário que também empresta uma projeção internacional ainda maior às águias. E assim o filho de Schmidt poderá continuar a usar a camisola n.º 13 nas bancadas.
Enzo voltou a jogar pelo Benfica e marcou o segundo golo da vitória sobre o Varzim
Acontratação de Roberto Martínez para selecionador nacional só terá surpreendido quem imaginava que Fernando Gomes, um institucionalista convicto e praticante, optasse por uma solução de risco, fosse isso corporizar num treinador demasiado jovem, um treinador desconhecido ou mesmo alguém com o perfil de Luis Enrique, de quem os balneários gostam, mas cujo espírito livre (e, para muitos, libertino) talvez não se enquadrasse nos costumes vigentes deste gostoso pedaço da Península Ibérica . Martínez é um daqueles técnicos de quem se sabe o que esperar, sem muitas surpresas. Criou, com o passar dos anos, um perfil de treinador de seleções, o que cada vez mais se afasta do treinador de equipas - um político que de vez em quando troca o fato e a gravata pelo fato de treino.
Parece ter sido uma boa escolha face ao enquadramento. Martínez tem experiência em lidar com jogadores de classe mundial e ganhou estofo e mundo ao gerir, além dos egos, culturas e línguas diferentes numa seleção belga que representa a história de um país de choques internos. Apesar de nada ter ganhado com a geração de ouro, os diabos vermelhos deram sempre a imagem de uma equipa que gostava de assumir o jogo, o que por si só já será algo diferente face ao legado de Fernando Santos.
Onovo selecionador já sabe que terá dois tipos de pressão. Um, do ponto de vista desportivo: chegar às meias finais do Euro-2024 e do Mundial-2026, bitola nunca antes assumida por um presidente da FPF; o outro, relacionado com a gestão de Cristiano Ronaldo. O peso que o avançado tem na Seleção, até do ponto de vista financeiro, ainda é gigantesco, mas será necessário um grande spin para que regresse a harmonia. Porque é isto que teremos nos próximos meses: o capitão da seleção de um país que tenta ganhar uma candidatura ao Mundial-2030 vai estar, de forma mais ou menos assumida, a promover, para a Arábia Saudita, uma candidatura concorrente (o Al Nassr até pode desmentir que essa prerrogativa esteja prevista no contrato, mas é por demais evidente que há muito de marca Ronaldo a jogar no campo das instituições ao lado do jogador Cristiano). Diga-se o que se disser, são interesses conflituantes. Daí a importância de haver um treinador que pareça ser também um diplomata.