A confiança!

OPINIÃO26.08.202206:30

O benfiquista Gilberto é o mesmo de sempre mas por agora é aplaudido como nunca!

Aconfiança, no futebol, é realmente decisiva. Veja-se o caso do benfiquista Gilberto. Corre, luta, entrega-se, de alma e coração, como sempre fez desde que chegou à Luz, mas agora, sempre que tira um cruzamento para trás da baliza - já lhes perdi a conta -, em vez de se ver criticado, recebe aplausos. E ele ainda se entrega mais no lance imediatamente a seguir. Claro!
Com Jorge Jesus, que o trouxe do Brasil, presumo, exatamente pela alma, pelo coração e pelo pulmão que tem Gilberto, o lateral-direito passou a vida a ser olhado como patinho feio da equipa. Hoje, representa tudo o que os adeptos querem ver no relvado. Não importa se cruza mal ou falha o passe. Não importa se Alexander Bah parece tecnicamente melhor do que ele. O que importa é que Roger Schmidt não abdica do brasileiro e se Roger Schmidt acha que deve ser assim - no estado de graça em que está - então é porque acha bem.
Gilberto, se repararmos com indispensável clarividência, nunca é brilhante. Ou melhor, não exibe atributos técnicos de encher o olho, nem é um daqueles laterais de mão cheia. Mas ataca e defende tanto, morde a língua com tal determinação, corre para cima e para baixo com tal fulgor, que bem merece as vénias que lhe dispensa a plateia da Luz.
Quando as coisas correm bem, tudo parece único. É o que faz o estado de graça. Há quem pareça jurar a pés juntos que só agora, com Roger Schmidt, Gilberto é capaz de aparecer na área para fazer golo, como o que fez, e bem, de cabeça, ao Arouca (o primeiro dos 4-0) na jornada inaugural desta Liga, na Luz, no início deste querido mês de agosto. Mas a verdade é que isso não foi realmente nada de novo.
Lembro, apenas como exemplos, o que Gilberto fez, em dezembro de 2021, a este mesmo Dínamo de Kiev (o 2-0 final, com um golo cheio de oportunidade e remate colocado, já na grande área), e o que também conseguiu no 3-0 do Benfica ao Barcelona, da mesma fase de grupos da Champions da época passada, fará um ano em setembro. Perto do minuto 80, Gilberto surgiu à entrada da pequena área a cabecear, levando a bola a bater no braço direito de Sergino Dest, para indiscutível grande penalidade. Estão recordados?
Bem sei que, no futebol, a memória (escrevo-o muitas vezes para eu próprio não o esquecer) terá no máximo uns três dias. Mas quem julga, ao ver a renovada alegria de Rafa, que ele já não sorria há um par de épocas, está redondamente enganado, e não tem a mínima memória do que foi, por exemplo, toda a primeira metade da última época. Lanço o desafio: revejam, por exemplo, jogos como o já referido Benfica-Barcelona (e o sorriso de Rafa após um fantástico golo), em setembro de 2021, ou o 6-1 do Benfica ao SC Braga, também na Luz, em novembro (não foi há anos, foi há nove meses!) e a alegria (menos exuberante, porque era o Braga...) de Rafa, autor então de dois extraordinários golos.

Oestado de graça e a confiança podem não ser tudo, mas são, por si só, grande parte do que distingue os bons dos maus momentos das equipas de futebol. Outro alemão, Thomas Tuchel, por exemplo, que já levou o Chelsea ao título na Liga dos Campeões, parece estar em muito menor estado de graça, e depois da tristíssima figura que fez com o italiano Antonio Conte, no 2-2 entre Chelsea e Tottenham, há duas semanas, que lhe valeu uma multa de 50 mil euros (sim, leu bem, 50 MIL EUROS!!!) e um jogo de castigo, viu o seu elogiado Chelsea levar três no campo do Leeds United. Agora, já poucos se lembram que foi campeão europeu e cobram-lhe tudo: a dispensa de Lukaku, que ele próprio pediu, há um ano, para ser contratado por 110 milhões de euros, e a ordem para a saída de Timo Werner, um atacante que há dois anos custou aos londrinos 50 milhões de euros, e voltou agora à casa de partida, no RB Leipzig, por 20 milhões. O senhor Tuchel, apesar de alemão, não tem nada a ver com a personalidade do compatriota Roger Schmidt. O treinador alemão do Chelsea passa, por exemplo, todo o jogo a gritar, a gesticular, a atirar-se para o chão, a mandar vir com os árbitros, a provocar adversários e a desafiá-los. O treinador alemão do Benfica passa o jogo impávido e sereno e só sai da casca quando, enfim, a equipa chega a um golo.
Sim, Roger Schmidt ainda não mostrou, naturalmente, se consegue ou não gerir bem o plantel de um clube com a grandeza e a pressão do Benfica, ao longo de uma época tão exigente como esta e, sobretudo, com a exigência que nesta colocam os adeptos. Ainda a procissão acaba de sair do adro. Mas a personalidade do treinador alemão é a que é, e realmente Roger Schmidt será quase sempre um treinador impávido e sereno no banco, um bocadinho a fazer-me lembrar o sueco Sven-Goran Eriksson, de tão boas e gratas memórias para os benfiquistas. Para o bem e para o mal, conseguiam manter-se geralmente frios.
Recordo-me, aliás, de ver Roger Schmidt, a época passada, no comando do PSV, tão impávido e sereno a vencer como, um dia, a ver a sua equipa a levar quatro, em casa, dominada pelo Feyenoord, e com os adeptos absolutamente fora deles a contestar o treinador alemão. Impávido e sereno Schmidt estava, impávido e sereno se manteve até ao fim.
O estado de graça e a confiança são, em suma, essenciais para o sucesso no futebol. Quando a coisa corre bem, fica tudo tão brilhante que se esquecem até os cruzamentos para trás da baliza. E é nesse clima de ar mais respirável que o Benfica arranca para uma nova época já com um primeiro objetivo cumprido, à semelhança do que sucedeu a época passada - a entrada na fase de grupos da Liga dos Campeões, cujo sorteio de ontem coloca as águias na competição direta com os poderosos e ricos PSG e Juventus, e ainda o novato Maccabi Haifa, segunda equipa israelita a chegar à fase de grupos, depois do Hapoel Tel-Aviv o ter alcançado na época de 2010/2011, curiosamente também no grupo dos encarnados (que venceram 2-0, na Luz, e perderam 0-3, em Israel).
Enquanto não vemos, pois, melhor todas as capacidades de Roger Schmidt para governar o infernal e gigantesco Titanic da Luz, podemos, pelo menos, concluir, já, que um dos méritos da sua contratação estará na condição de treinador verdadeiramente desintoxicado que o alemão representa, relativamente às atmosferas, por vezes, tão poluídas deste nosso futebol, também dentro das quatro linhas, mas, sobretudo, fora delas. Valerá de muito? Talvez não, como as experiências com Eriksson, naquele sentido, também não valeram de muito ao futebol português porque os comportamentos no futebol português não mudaram, afinal, assim tanto. Mas enquanto Eriksson esteve em Portugal, foi sempre um bom exemplo. E um bom exemplo promete vir a ser Schmidt. Já não será mau!

JAVI GARCÍA, antigo jogador das águias e agora adjunto de Roger Schmidt recrutado pelo Benfica, no Boavista, a uma carreira de futebolista destinada a terminar no último campeonato, resolveu conceder uma entrevista a uma rádio espanhola e não se limitou a falar dele próprio. A pensar certamente nos muitos adeptos do Benfica de Madrid (!!!), Javi García aceitou tecer comentários até sobre alguns jogadores da Luz, como Gonçalo Ramos ou Enzo Fernández - com a agravante, no caso deste, de prever que daqui a um ano o argentino estará numa equipa grande de um clube grande!… Entrevista surpreendente, sobretudo se pensarmos que o mais provável é Javi García, enquanto adjunto do Benfica, nunca vir a dar uma entrevista em Portugal, como acontece, aliás, com os jogadores dos nossos clubes grandes, que quase só falam em Portugal nos canais oficiais dos clubes, e só dão entrevistas aos jornalistas dos seus países de origem, passando (com a bênção dos nossos grandes clubes) atestado de menoridade aos profissionais de comunicação e aos adeptos portugueses.
Tem, porém, razão Javi García, pelo menos num ponto: Enzo Fernández não estará por cá muito tempo, porque, como lembra García, tem 21 anos, mas joga como se tivesse 30. O que os adeptos do Benfica não precisam é que García o diga aos espanhóis e muito menos que fale em clubes grandes como representante de um clube grande como o Benfica. Só lhe fica mal. Resta saber se o Benfica o autorizou a falar. Se autorizou, também não fica bem ao clube. Se não autorizou, então é pior. Muito pior!

PS: «Para o melhor jogador do mundo, estamos sempre de braços abertos», era o que esperava, com franqueza, ter ouvido do treinador do Sporting sobre a eventual (e improvável) possibilidade de Cristiano Ronaldo optar por voltar a casa já esta época. Teria caído bem. As imprudências, porém, atingem até os melhores comunicadores. E na ‘história de Matheus Nunes’, Rúben Amorim foi tão imprudente que até pareceu estar a pôr publicamente em xeque quem lhe paga. Uma coisa é ficar chateado - legítima e compreensivelmente - por perder um grande jogador como Matheus Nunes; outra é parecer questionar quem decide e tem a obrigação de gerir o clube. Talvez Rúben Amorim precise mesmo, mais do que ninguém, de ganhar o próximo jogo para, como ele próprio diz, ficar tudo bem. Ou, pelo menos, parecer que está tudo bem!