A Bsports Academy ‘aconteceu’

A Bsports Academy ‘aconteceu’

OPINIÃO24.06.202306:35

O comportamento do ex-presidente da Assembleia Geral, Mário Costa, ‘aconteceu’ perante a surpresa (e, claro, o repúdio!) de todos!

TENHO defendido ultimamente que o comportamento acontece-nos. O que justificou que por vezes me interpelem através da manifestação de algumas dúvidas. O que não deixa de ser curioso. Então não foi assim com Mário Costa, ex-presidente da Assembleia Geral da Liga? Subitamente, aconteceu como que vindo do nada que a empresa de Mário Costa, a Bsports Academy, passou de uma oferta de «um completo programa de educação através do futebol de jogadores entre os 6 e os 14 anos» para a demarcação do presidente da Liga, Pedro Proença. «Temos de melhorar os mecanismos de escrutínio prévio da idoneidade de todos os membros dos órgãos sociais da Liga Portugal», disse. Ou seja, o comportamento do ex-presidente da Assembleia Geral aconteceu perante a surpresa (e, claro, o repúdio!) de todos!
 

SEGUNDO o filósofo francês Merleau-Ponty, somos organismos biológicos dotados de estruturas fisiológicas que vivemos totalmente inseridos no meio ambiente envolvente como seres ativos, cujas necessidades justificam os respetivos comportamentos. Através do nosso comportamento, buscamos assim sentido e significado em tudo o que nos envolve; e a nossa perceção significa assim uma experiência e uma relação humana em que o nosso corpo fenomenal convive e experimenta tudo o que o rodeia, sempre com um marcado propósito humano. 

Abrimo-nos assim para o que nos envolve através da nossa experiência percetiva; e somos um corpo vivido, próprio, que através da perceção estabelece relações e vive experiências diversas. Como corpo fenomenal que percebe, completamo-nos nas coisas e naqueles com quem nos relacionamos. Corpo cuja experiência subjetiva torna significativo tudo aquilo que o mundo da ciência vai investigando, assentando no nosso corpo fenoménico tudo o que se refere à nossa experiência de existir. Um corpo que em relação a tudo o que o rodeia experimenta em simultâneo através dos sentidos e da sua motricidade (sistema sensorial e sistema motor), age e intervém das formas mais variadas, práticas, emocionais, sensuais, etc.

Ao vivermos o conjunto de experiências sociais a que estamos sujeitos, fazemo-lo sempre antes de propriamente termos um pensamento consciente acerca dessas nossas ações, pois todas as nossas experiências básicas são pré-reflexivas, (inconscientes). O que significa que o nosso comportamento nos acontece antes dele termos consciência. Melhor dizendo, o nosso comportamento não é ditado exteriormente, mas sim internamente dirigido, uma forma de nos relacionarmos com tudo o que nos envolve e cujo significado dita a intencionalidade com que nos comportamos. Intencionalidade essa expressa no modo como nos dirigimos em relação a algo, pois somos seres incorporados que só refletimos após o pré-reflexivamente adquirido. O que nos permite reafirmar que o nosso comportamento não é o resultado estrito de processos neurobiológicos, mas antes uma relação e uma experiência vivida através do nosso corpo como um todo.

Como seres humanos, estamos perante uma verdadeira circularidade entre processos corporais e processos sociais e culturais, centrada na complementaridade dos nossos sentidos e de todo o meio envolvente, em que o corpo, a experiência do movimento e a perceção emergem da nossa motricidade numa profunda relação circular entre o corpo como um todo e a totalidade do meio.
 

Mário Costa, ex-presidente da AG da Liga

INSISTO, o comportamento é uma capacidade experiencial que tem na sua base um corpo vivido: um sistema sensório motor (visual, vestibular, propriocetivo, cinestésico), regulado inconscientemente e sobre o qual se estrutura a nossa corporeidade. 

O ato de viver significa assim sermos coniventes, comprometermo-nos, coexistirmos com tudo o que nos rodeia. Somos verdadeiros centros de ação da nossa existência, através de um comportamento aberto ao mundo em continuado debate com o mundo físico e social. Um meio ambiente que não é nunca uma pura exterioridade, pois o nosso comportamento é sempre intencional, através de um dinamismo do corpo que se completa nas interpelações práticas de tudo o que nos envolve. Quando vemos, vemos sempre alguma coisa, quando cheiramos, cheiramos sempre alguma coisa, quando pensamos, pensamos sempre alguma coisa, quando tocamos, tocamos sempre alguma coisa, etc.
 

SENDO o comportamento um dinamismo que está sempre a mudar através da respetiva interação subjetiva, automática e inconsciente entre os membros de uma equipa, estamos perante uma enorme dificuldade quando procuramos antecipar ou prever o que pode acontecer a nível comportamental em determinadas circunstâncias e contextos da vida coletiva dessa equipa. No fundo e tal como já aqui o dissemos, ao treinar o comportamento, trata-se de recuperar uma espécie de familiaridade fundamental que permita, por exemplo, a um atleta de basquetebol treinar e jogar dentro do próprio corpo, não se preocupando nem com o campo ou a bola, nem com o equipamento que está a usar, mas única e exclusivamente com o seu corpo vivido e os seus hábitos previamente adquiridos. Deste modo, joga com o corpo que incorpora, corpo que, consoante as necessidades, vai buscar de forma pré-reflexiva os hábitos que lhe permitem fazer coisas inesperadas sem ter de pensar.

Essa dimensão vivida do corpo permite uma experiência fundamental e irrefletida: estamos sempre a comunicar com o mundo exterior, articulando para isso de forma continuada o espaço corporal e particular com o espaço total e generalizado. Somos perceção, ou seja, somos primitivamente uma verdadeira consciência corporalizada aberta ao mundo. É como corpo que compreendemos o mundo: e essa compreensão é algo como que uma sabedoria comportamental irrefletida, anónima, vivida.

Enquanto seres humanos, quer no desporto, no desenho, na pintura, na música, no teatro, etc., expressamo-nos emocionalmente; uma capacidade expressiva assente numa centralidade - o nosso corpo vivido e experiencial.

Um pianista, mais do que dependente da função mecânica contida na sua execução através das teclas e dos pedais, centra a sua execução no seu corpo vivido. O modo diferente como vai pressionando, (mais ou menos), as teclas, produz diferentes sonoridades capazes de serem percecionadas por quem ouve com maior ou menor carga emocional. O mesmo quando um jogador de futebol quando sem olhar nessa direção e sem qualquer tipo de cálculos prévios realiza um passe milimétrico a trinta metros de distância; ou um jogador de basquetebol lança ao cesto com uma extraordinária eficácia, apesar de o estar a fazer a cerca de sete ou oito metros de distância e com a oposição de um defensor.

O corpo de quem toca um qualquer instrumento musical, ou joga futebol ou basquetebol, vai assim revelando através do seu comportamento diferentes tonalidades afetivas. Onde é fundamental registar que não estamos perante um simples conjunto de sons ou meros gestos mecânicos. Conforme a execução do desportista, do pianista, do guitarrista, do trompetista, etc., cria-se um determinado clima emocional mais ou menos envolvente, onde o corpo vivido e expressivo do executante representa um espaço expressivo primordial. Esse corpo humano possui uma capacidade expressiva que lhe permite adaptar-se ao meio que o envolve e adquirir hábitos relativos a tudo aquilo que executa; hábitos esses que no que respeita à expressão gestual e falante, ao desporto, à música, à pintura, ao canto, etc., nos permitem adquirir a partir do que pretendemos fazer (do propósito que nos move) uma memória corporal determinada.

Com esse propósito, (seja ele qual for!), adaptamo-nos/familiarizamo-nos com o meio envolvente. A corporalidade e o afeto são assim centrais no que respeita à capacidade expressiva que todos possuímos. Não somos (como durante tanto tempo imaginávamos!) uma mera entidade biológica obediente a um cérebro e a um sistema nervoso central em resposta aos designados estímulos ambientais. Muito menos a soma de um conjunto de órgãos que simplesmente se justapõem. Somos (sim!) um corpo vivido e expressivo que habita o meio ambiente e manifesta de forma continuada a sua intencionalidade corporal.

Razão mais do que suficiente para nos fazer assumir que corpo vivido, perceção e motricidade devem ser entendidas como um todo; onde o sistema sensorial e o sistema motor, bem como tudo o que é visual, vestibular, propriocetivo e cinestésico funcionam globalmente. Uma globalidade em interação e complementaridade constantes, que nos permite um comportamento que não é mais do que um modo de sintonização com tudo o que nos rodeia. Um comportamento expressivo, corporal, regulado inconscientemente e sobre o qual se estrutura uma corporeidade atual em que assentam as decisões fundamentais do nosso quotidiano; também dependente de experiências anteriores sedimentadas, muito além da simples destreza mental, técnica, morfológica ou fisiológica.
 

CONCLUSÃO, temos um corpo vivido com uma dimensão anónima e inconsciente, sujeito a continuadas experiências intersubjetivas e intercorporais e constantes partilhas de experiências e afetividades; e, através de uma corporeidade dinâmica e complexa capaz de incorporar todo o tipo de experiências entretanto decorrentes, criamos os designados hábitos. Habituação que não é mais do que uma forma de familiarização, um saber anónimo, vulgarmente designado como hábitos adquiridos por via de uma incorporação e anexação de tudo o que nos rodeia. Razão porque se torna decisivo insistir que o nosso corpo vivido e experiencial não é uma mera entidade biológica obediente a um cérebro e a um sistema nervoso central em resposta aos designados estímulos ambientais. Muito menos a soma de um conjunto de órgãos que simplesmente se justapõem. Somos, sim, um corpo vivido e expressivo que habita o meio ambiente e manifesta de forma continuada o seu propósito de vida. O que, aliás, ficou bem demonstrado através da experiência da Bsports Academy de Mário Costa, ex-presidente da Assembleia Geral da Liga Portugal. 

Era mesmo um propósito de vida!