A arma do povo
1 - Este jornal é de desporto. Bem o sabemos, de todos os desportos. Como bem conhecemos. Mas só há desporto, com relativa ou total autonomia, em sociedades livres. Em sociedades e em comunidades em que o voto é livre e secreto, periódico e universal. E, por vezes, em certos sistemas eleitorais até é obrigatório. Em razão de lei expressa e não, apenas, em virtude, de impulso de cidadania. Votei pela primeira vez em 1975. Sei bem que o voto é a arma do povo. Escutei tal expressão, em e com sentidos contrários, ao longo dos primeiros tempos após o 25 de Abril. Nunca deixei de votar. Em todas as eleições. Presidenciais e legislativas. Municipais e europeias. E, também, em referendos! Fui, com toda a honra, deputado à Assembleia da República e fui, igualmente, com imenso orgulho, presidente da Câmara Municipal de Sintra. Votei em todas as eleições e fui eleito com o voto do povo concreto, e territorialmente diferente, em quatro eleições. Hoje, uma vez mais, irei votar. Sabendo que, tal como em 1975, o voto é a arma do povo. E a minha geração, que ainda viveu em ditadura - e com a angústia da guerra colonial -, tem uma vinculação especial. Contar a alegria do primeiro voto e dar conta da singularidade do voto como arma. E sendo este jornal de desporto, de desportos, é, igualmente, de cidadania. De cidadania responsável e plural. Em que se respeita o outro! Na sua diferença, na sua autonomia e na sua identidade. E a cidadania contemporânea tem como um dos marcos de afirmação - que não exclusivo - o direito ao sufrágio. E este deve exercer-se, mesmo que tenhamos legítimas dores. Por mim em cada instante de votação sinto o prazer intenso do primeiro momento. Daquele dia 25 de Abril de 1975 em que votei para a Assembleia Constituinte, na minha cidade natal, em Viseu. E nesse dia marcante, a participação eleitoral dos mais de 6 milhões de inscritos ultrapassou os 90%! Sei bem que os tempos mudaram e que a crise de representação é uma realidade. Mas o que sei é que o voto é a essência da representação. Em momentos em que, alguns, num silêncio que perturba a minimizam com uma pretensa supremacia da participação! Hoje irei votar. Com a consciência que o voto é mesmo a arma do povo!
2 - Tenho a consciência que, em certo sentido, já sou um senador eleitoral. Mas também sei, como me advertem amigos que respeito, que não me posso silenciar acerca de realidades vividas e sentidas e de situações complexas ocorridas. Sei bem, desde o sábio e profundo ensinamento do Professor Adriano Moreira, que «os cemitérios estão cheios de pessoas que se julgavam insubstituíveis» e que a tolerância face a graves ocorrências belisca a essência da cidadania. Não há o direito ao silêncio, assumo-o. Mas há o direito de escolher o momento da pronúncia ou o instante da denúncia. E esses momentos ou instantes não são concretizáveis em dia de dita reflexão - algo que já faz pouco sentido nas atuais circunstâncias - e, consequentemente, em domingo eleitoral. Sabendo nós todos que o desporto não foi tema desta campanha e que os diferentes programas eleitorais, salvo uma ou outra exceção, não suscitaram nem real novidade nem, acima de tudo, motivaram qualquer tipo de debate. O desporto esteve e passou ao lado da campanha, o que não deixa de ser pelo menos intrigante. Vivemos tempos de quase neo- mercantilismo no desporto, o que não deve deixar de suscitar alguma perplexidade e, até, preocupação. Ficamos à espera do que o futuro programa de Governo nos reservará para o desporto, sua estrutura e sua concreta e subjetiva responsabilidade. Com a consciência que vamos sentir, a curto prazo, as primeiras deliberações da recente criada Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência. Que tem a sua sede, relembro, em Viseu!
3 - Arrancou ontem o campeonato nacional de basquetebol, denominado como Liga Placard. São catorze os emblemas participantes e a grande novidade é o regresso do Sporting e logo com uma vitória com números impressionantes (119-58). Tal como no andebol e no hóquei os três grandes do desporto português vão defrontar-se nesta modalidade cuja atratividade global é protagonizada pela NBA! É, no entanto, uma liga totalmente litoral. Com algumas particularidades. Aveiro tem quatro representantes e entre eles está o campeão em título, Oliveirense. Depois o Barreiro tem dois clubes e lá está o emblemático Barreirense, agora com uma lutadora liderança feminina. A Ilha Terceira tem dois clubes e lá está, por exemplo, o Lusitânia. E a Madeira marca presença com o CAB Madeira. E em Lisboa são, tão só, Benfica e Sporting. Benfica que ontem derrotou, com extrema dificuldade, um audaz Vitória de Guimarães, o único representante do Minho. Tal como o Porto também só com dois clubes. Permitam-me uma nota pessoal: o regresso à nossa principal Liga de basquetebol de um grande senhor da modalidade, Alberto Babo. Agora liderando o Maia Basket. Foi campeão nacional e não esqueço a sua liderança vitoriosa no Queluz. É um grande senhor do desporto e do basquetebol. E um cidadão empenhado e exemplar. Bom regresso meu caro amigo!
4 - Bernardo Silva está a ser vítima de um fundamentalismo terrível que abala o nosso tempo. E que tem de ser combatido! Brincou com um colega e em razão da raça diferente surgem indícios de conduta imprópria, dizem com intuitos racistas. Acredito que haverá, em terras inglesas, bom senso e capacidade de resistir a vestes fundamentalistas destes tempos que se dizem modernos. E Bernardo Silva que não seja um exemplo fácil. E espero que o seu clube o defenda até ao limite. Algo que sei que o Benfica faria. Faria mesmo!
5 - Duas notas finais. Uma para deixar uma sentida palavra de pêsames para a Família de um grande senhor, um extraordinário professor e um exemplar cidadão que nos deixou, o professor Diogo Freitas do Amaral. A segunda para enaltecer a elevação a cardeal de José Tolentino de Mendonça. O rapaz do Machico, filho de um pescador, após um percurso em que todas as semanas nos iluminava com o seu saber e nos motivava com as suas palavras - muitas delas vertidas em poemas que nos embalam para a vida! - é um dos novos cardeais de uma Igreja Católica em necessário processo de renovação. Num caso coragem na vida e coragem perante a morte. No outro o sentido contemporâneo da iluminação. Principalmente da necessária iluminação interior. Que nos faz abraçar a vida e sentir que ela é para ser vivida! E com sua eminência aprendemos que ela, a vida, deve ser assumida com tolerância, onde entra, aqui, a arte de escutar! Dos seus múltiplos escritos deixo-lhes um delicioso pedaço de um texto, no seu livro O Hipopótamo de Deus, acerca da maratona: «De que a maratona é uma parábola da vida, não restam dúvidas, quando ouvimos um maratonista descrever a sua experiência»! E nele se conjugam e combinam o teólogo e o poeta, o padre e o professor, o bibliotecário e, agora, o novo cardeal! E, daqui, deste jornal, neste dia em que o voto é uma arma de responsabilidade lhe envio, Dom Tolentino de Mendonça, uma especial saudação!