A (anunciada) queda do VFC
A queda do Vitória FC para os campeonatos profissionais provocou enorme onda de choque em Setúbal, uma cidade que sempre viveu o clube com a mesma intensidade com que vive a vida. Como muitos nesta casa também eu passei - ainda miúdo, na idade e no jornalismo - muitas horas no Estádio do Bonfim, à conversa com os vários adeptos que por lá passavam a manhã ou a tarde a discutir os problemas do seu Vitórrria. Que sorriam e pagavam cafés quando A BOLA escrevia algo que lhes agradava e que cerravam os dentes - sem fechar a boca, porque em Setúbal não há cá essa modernidade de não se poder dizer uns impropérios - quando o que se escrevia não lhes caía no goto. E, naquela altura, ai de mim (de nós, a quem nos calhasse o Setúbal em agenda) que não trouxesse para a redação alguma história do Bonfim, porque o Vitória era o Vitória e nunca, mas nunca, se podia voltar de lá a dizer «não há nada» - sob risco de ver o Fernando Guerra (que também nunca foi de modas) a cerrar os dentes e a chamar-nos mais nomes do que nos chamavam os vitorianos.
É, também por isso, que posso hoje dizer que o que aconteceu ao Vitória FC não me surpreende. Duvido, aliás, que surpreenda alguém que acompanhe de perto (e nem precisa ser de muito perto) a realidade do clube. Mais: a única coisa que pode, de facto, causar alguma surpresa será, porventura, só ter acontecido agora. Porque a verdade é que há pelo menos 20 anos que o tema é recorrente. Páginas e páginas escrevi eu (e outras tantas muitos dos meus colegas) sobre salários em atraso, dívidas às finanças e dificuldades para inscrever a equipa no campeonato. Não sei mesmo se nestes 20 anos alguma época terá havido em que o Vitória não fosse notícia por esses motivos.
Claro que quando íamos ao Bonfim no dia seguinte ouvíamos das boas. Não havia sorrisos nem cafés à nossa espera. Mas sempre respondi a quem me abordava, de modo mais ou menos irascível, que estava a disparar na direção errada. Tal como me parece que estão hoje (como estavam então) os adeptos do Vitória a canalizar a sua ira para quem não tem culpa absolutamente nenhuma do que aconteceu ao clube. Claro que custa descer de divisão por questões administrativas depois de, com tanto suor e sofrimento, se ter conseguido a manutenção no campo. Mas, compreenda-se, regras são regras. E as regras da Liga no que toca aos critérios financeiros, além de terem sido aprovadas pelos clubes (Vitória incluído), têm uma razão de ser: impedir que, todos os anos, se assista ao que se assistiu ao longo de épocas a fio, em que clubes, vivendo muito acima das suas possibilidades, deixavam de pagar a meio (bem, muitos deixavam de pagar logo no início...), respaldados na garantia de que, no próximo ano, com um jeitinho de um amigo aqui e a permissividade de outro amigo ali, acabariam por resolver as coisas e fazer exatamente o mesmo. Era não só dramático para quem não recebia como injusto para os que na tentativa de cumprirem as suas obrigações optavam por ter plantéis mais fracos e desciam. Hoje isso acabou. E, digo eu e dirão quase todos os que gostam de futebol, felizmente que acabou.
Claro que aos vitorianos dói. Não tinha como não doer. Mas nesta hora devem, em vez de disparar insultos à toa, olhar e pedir explicações a todos aqueles que deixaram que um clube como o Vitória chegasse onde chegou. Talvez se naqueles tempos o tivessem feito pudessem ter impedido o que lhe aconteceu agora. Mas como o tempo não anda para trás, a única forma é olhar para a frente. Que, no caso do Vitória, passa por reconhecer os erros e recomeçar do zero, de forma a fazer o clube regressar o mais depressa possível ao lugar onde merece estar. É hora de os sócios e adeptos se unirem e mostrarem, de facto, que o seu Vitória é enorme. Porque ao longo destes anos foi só de aparência...