30 anos de Premier League (I)
Como fico triste, face à qualidade dos nossos jogadores e treinadores, por ver jogos de qualidade deprimente, em que pouco se joga
S ABENDO da minha paixão pelo futebol inglês, mão amiga fez-me chegar um artigo no Financial Times da autoria de Simon Kuper sobre os 30 anos da Premier League, questionada como uma história de sucesso inglesa. Antes de alguns apontamentos sobre esse artigo, cumpre-me esclarecer que a minha paixão é antiga, mas atingiu o seu auge agora, neste início dos anos 20, muito por culpa da pandemia que nos confinou dos estádios durante praticamente época e meia desportiva. Essa antiguidade reporta aos anos 70 e 80, mas dizia respeito, fundamentalmente, à final da Taça de Inglaterra, que não perdia seguir pela televisão, sempre com a ambição de assistir ao vivo a uma final no mítico Wembley. Já aqui escrevi sobre esse sonho, concretizado pelo meu grande amigo - um dos maiores que ganhei no futebol -, o Senhor Fernando Pedrosa, felizmente ainda vivo e com quem, diversas vezes, recordo bons tempos vividos no futebol português enquanto dirigente.
Na verdade, durante muitos e muitos anos, para mim ver futebol era ir ao estádio, fosse ao José Alvalade (antigo e novo) fosse a qualquer outro estádio, em Portugal ou no estrangeiro, em particular, seguindo o Sporting Clube de Portugal, o clube da minha paixão, hoje um amor ainda mais forte, mas mais tranquilo. Pouco antes da pandemia cortei com a ida ao estádio, por não conseguir suportar a divisão na massa associativa: incomodavam-me sobremaneira aqueles insultos e até cenas de pancadaria entre aqueles que até então conviviam nas tristezas e nas alegrias que o Sporting nos proporciona.
O Covid-19 apanhou-nos, e a mim em particular, logo em Março de 2020, e foi neste estado de espírito e saúde que fui obrigado a ver futebol pela televisão, tanto ao nível nacional como internacional. Verdade se diga que algum tempo antes substituíra uma velha televisão, com um ecrã já muito antiquado por uma nova que me permite uma visão quase real do jogo.
Tenho assistido a jogos fantásticos da Premier League e ainda não esqueci a final da Taça da Liga de Inglaterra entre o Liverpool e o Chelsea - duas horas de jogo intenso e a Taça a ser decidida ao 11.º penálti pelos guarda-redes: o do Liverpool que marcou e o do Chelsea que falhou. Que espetáculo!
Mas, indo agora ao artigo, por ele fiquei a saber que foi numa semana de Fevereiro, há 30 anos, que os clubes da primeira divisão inglesa se demitiram da Liga de Futebol para criar a Premier League, tendo-a tornado, segundo o articulista, na liga mais vista mundialmente da história do desporto, designadamente a partir de 2017, ano em que ultrapassou a Espanha como a liga mais forte da Europa e, portanto, do mundo. E isto aconteceu numa nação de média dimensão que produz poucos grandes futebolistas.
Depois de período negro, Premier League tornou-se o melhor campeonato do mundo
Observa o autor do artigo que os clubes ingleses dominaram as competições europeias no final da década de 1970 e início dos anos 80, ajudados por uma excelente geração de jogadores escoceses, galeses e irlandeses. O futebol inglês, porém, entrou na década de 90 a recuperar de três desastres com multidões: a morte de 56 espectadores num incêndio numa antiquada bancada em Brandford City; 39 pessoas esmagadas até à morte no estádio Heysel, quando os adeptos da Juventus fugiam dos adeptos do Liverpool e, quatro anos depois (1989), 97 pessoas foram mortas por esmagamento, em Hillsborough, devido a um mau policiamento.
As esperanças de recuperação não estavam muito altas em Outubro de 1990, quando Greg Dike, chefe da ITVSport, o canal que exibia os jogos da primeira divisão, organizou um jantar para os presidentes dos autoproclamados clubes Big Five da Inglaterra, pode ler-se no artigo. Certo - digo eu - é que da ementa não constava o leitão à Bairrada, como é uso entre os nossos dirigentes, para, de lá, saírem apenas...satisfeitos com as fofocas que provocam e as audiências que geram!
Os presidentes dos clubes haviam-se deslocado ao jantar, não com o objetivo de degustar, mas de decidir e, por isso, decidiram criar a Premier League. Um jantar, portanto, de fácil digestão e com grande decisão!...
Refere Simon Kuper que, muitos anos depois, o mencionado Dike lhe disse: «Quem poderia prever que acabaríamos com o futebol inglês a ser em grande parte propriedade de proprietários estrangeiros, gerido por gestores estrangeiros e desproporcionalmente jogado por jogadores estrangeiros.»
Depois, refere o jornalista, um novo emissor de satélite, a Sky Sports de Rupert Murdoch, superou a ITV, comprando os direitos televisivos da liga por 60,8 milhões de libras por temporada, limitando, no entanto, o visionamento dos jogos àquelas que compraram antenas parabólicas, de acordo com a permissão do governo que confiava no mercado livre, o que foi essencial para o sucesso da Premier League.
Entretanto, após a tragédia de Hillsborough, o governo britânico ordenou aos clubes a renovação, à sua custa, dos seus estádios, sendo que alguns se encontravam em ruínas. Os estádios ingleses tornaram-se locais seguros e perfeitos para o espectáculo de aplausos e canções, um espectáculo dentro de outro espectáculo, pois os adeptos consideram-se participantes, não estando fixados apenas no resultado final. E o articulista não deixa de referir o que Johan Cruyff - um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos - lhe disse em 2000: «Se olharmos para outros países, eles têm valores diferentes: ganhar é sagrado. Na Inglaterra pode-se dizer que o desporto em si é sagrado.» Daqui se pode concluir, como naquele artigo se conclui, que uma vez que as equipas da Premier League podem perder atrevem-se a jogar futebol aberto atraente.
E eu, adepto de futebol, como fico triste, face à qualidade dos nossos jogadores e treinadores, ver jogos de qualidade deprimente, em que pouco se joga, mal ou pessimamente se arbitra, e, depois, vividos e comentados da forma mais agressiva possível, numa discussão de pátio, malcriada e grosseira, em que perder parece ser o único drama do ser humano. Pobre futebol português, no dinheiro, mas, sobretudo, de espírito.
Hoje vou ficar por aqui, porque já não tenho muito mais espaço e quero ainda deixar duas notas. Mas a ele voltarei, porque o artigo do Financial Times, para além da história destes 30 anos de Premier League, pode - e deve - levar-nos a uma reflexão sobre o nosso futebol, lembrando aquela velha expressão popular, que dá Deus nozes a quem não tem dentes. Temos jogadores e treinadores, mas faltam os dirigentes. Rima e é verdade!
DUAS NOTAS
Aprimeira diz respeito a um juiz e a um árbitro. O ex-presidente do Conselho Fiscal do Sporting, Juiz-Conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, Baltazar Pinto, numa arrojada entrevista a um jornal desportivo, classificou Soares Dias como o pior árbitro de sempre, classificação essa que, em minha opinião, esse senhor não merece, pois nem sequer consegue ser o menos mau árbitro português da actualidade. Dono de uma pastelaria e presidente da Assembleia Geral da APAF, beneficia da benevolência corporativa do meio, o que o torna ainda mais vaidoso e arrogante - defeitos que tapam a incompetência que não tem, porque os erros são competentemente cometidos. Sabe o que faz e por que o faz!
A segunda nota vai para o Jornal do Sporting, que completou na passada quinta-feira, dia 31 de Março, a bonita idade de 100 anos. Tornou-se o jornal de clubes mais antigo do mundo, o que enche todos os sportinguistas de orgulho. Foi no Jornal do Sporting que escrevi o meu primeiro artigo em jornais e tive, em diversos períodos da minha vivência sportinguista, a honra e o privilégio de nele colaborar, tendo por ele um especial carinho por ter feito muita companhia à minha Mãe, que o lia de fio a pavio, sendo incapaz de ler qualquer outro jornal desportivo que não fosse o jornal do Sporting. E foi assim até morrer...
Parabéns ao Jornal que agora chega até nós por via electrónica: 100 anos com modernidade! Na pessoa do Dr. João Xara Brasil, meu querido amigo e companheiro Stromp, e meu colega na primeira Direcção em que participei (80/82), onde ele era vice-presidente e director do Jornal, saúdo todos os que até hoje o mantiveram de pé como um baluarte na defesa dos superiores interesses do Sporting Clube Portugal. Julgo que será o mais antigo director do Jornal ainda vivo e aquele que mais anos foi director: de 1976 a 1986.
Um abraço forte, pois, ao João Xara Brasil, de parabéns e pela felicidade que me dás de estares vivo e poderes assistir ao centenário do jornal a que deste o teu esforço, a tua dedicação e a tua devoção para glória do nosso clube e do seu jornal.