180 minutos
Este artigo é um testemunho pessoal. Não vou analisar, hoje, o pleno dos clubes portugueses nas competições europeias nem antecipar as dramáticas consequências de um novo e bem específico confinamento que os números da pandemia determinam. Nem vou sequer suscitar as graves decisões, e suas consequências, bem em cima da hora , de cancelamento de quase toda a atividade desportiva neste fim de semana e suscitar as ações, ditas musculadas, das forças policiais nestes dias que antecipam os Finados com a recordação, sempre saudosa, dos nossos entes queridos. Nem vou abordar a crise diretiva, bem profunda, que atravessa o Barcelona nem sequer abordar a dita criação de uma Superliga europeia anunciada no momento em que o presidente do Barcelona resolveu, por antecipação bater com a porta, demitir-se e provocar eleições antecipadas. Nem sequer vou abordar a arbitragem da passada sexta feira em Paços de Ferreira e a indevida e desastrosa articulação entre o árbitro e o VAR, o que não deixará de merecer toda a atenção e a necessária repreensão por parte do Conselho de Arbitragem.
O que lhes vou transmitir são os largos minutos - dois jogos de futebol sem tempo extra! - que vivi, bem solitário, na passada quarta feira ao redor e no Estádio da Luz. Como poderia ter acontecido nas proximidades de qualquer Casa do Benfica, fosse, por exemplo, em Viseu ou em Algueirão Mem Martins, em Oliveira de Azeméis ou no Seixal, em Santarém ou em Bragança. Foi um impressionante exercício democrático que importa registar neste tempo e nestas circunstâncias concretas que dolorosamente atravessamos. Sim, fui votar nas eleições mais concorridas do desporto português e numa das mais concorridas em clubes de todo o mundo. Fui votar por paixão e movido pela razão da estabilidade e da prudência como aqui expressei e expliquei no passado domingo. Cheguei à fila, ali bem perto da sede do Correio da Manhã, perto das cinco da tarde. Não era nem prioritário nem profissional urgente e, por isso, cheguei ao final da fila, cumprindo as orientações de simpáticos agentes da PSP e vi chegar centenas de adeptos(as) movidos pela mesma vontade e pela mesma generosidade. E, aqui, desde já registo a exemplar organização do Benfica e cumprimento toda a sua estrutura pelo cuidado, pela competência e pela excelência da preparação e acompanhamento da votação. E só bem perto das 20 horas entrei no pavilhão para exercer o meu legítimo direito de voto.
Durante as três horas vivi um silêncio que arrepiava e uma força associativa que entusiasmava. Ninguém desistia. O telemóvel era a nossa companhia e o nosso parceiro. E as pequenas conversas que se trocavam, num respeito pela opinião contrária, perturbariam muitas consciências e, até, algumas audiências! Ali estávamos todos por amor ao Benfica e com um sentimento de pertença que claramente se assumia . Ali , no frio que o cair da noite trazia, estava o calor e a paixão, a fé e a pujança que se iria expressar num voto eletrónico e na sua confirmação em papel, que logo se depositava na urna. Ali estive por amor ao Benfica e sentindo que os(as) que comigo ali estavam comungavam da mesma essência e assumiam idêntica existência. Ali estavam, entre milhares de seres que não se repetem, o Luís e a Ana, o Miguel e a Matilde, o João, a Isabel e o Nuno, o Zé Luís, a Paula e o Armando. Ali estava quem há muito militava no Benfica e quem há menos tempo se assumira como sócio efetivo. Ali cada um sabia que a sua voz, diferente em número, seria importante, determinante, para o futuro próximo do Benfica. Ali , naquelas três horas, se afirmava, uma vez mais, um clube singular, uma extraordinária comunhão associativa, uma fraternidade única. Ali, mais do que os minutos de dois jogos de futebol, estava a força da nossa mão que, mesmo com luvas, não queria deixar de votar, de ajudar a construir os próximos anos do clube a que, com orgulho e honra, pertencemos. Sim, o voto de cada um de nós, dos milhares que bateram um recorde de votação, foi um voto sentido, assumido, livre e responsável. Cada um de nós , nas diferenças registadas, votou com sentido de responsabilidade. E as opções de cada um e de cada uma devem ser respeitadas. Luís Filipe Vieira ganhou e ganhou inequivocamente . Ganhou nos diferentes tipos de associados - dos mais recentes aos mais antigos - e conquistou uma acrescida legitimidade. E, logo, uma renovada responsabilidade. Mas, e para além da generosidade de cada um(a), fica um manifestação de vitalidade associativa que os mais de trinta e oito mil votantes expressaram.
O Benfica ganhou. Mostrou força e mostrou fé. Mostrou raça e convicção. Mostrou que é uma comunidade e sendo-o está para além das diferenças necessárias e das divergências que, no respeito democrático, se manifestam e se expressam. E a comunidade Benfica mostrou à sociedade - a toda ela - que o tecido associativo, mesmo em tempo de pandemia, resiste e se afirma, e que não pode, nem deve, ser ignorado por todos os poderes. E escrevo no plural em plena consciência, já que sinto que não há reconhecimento da força do associativismo e que nele, sem ondas e marés altas, há respeito e há distância , há cumprimento de regras e há sentido de responsabilidade. Como se viu, logo no dia imediato, no regresso, bem limitado, dos fiéis adeptos ao Estádio da Luz para uma nova e saborosa vitória para a Liga Europa. E este testemunho, aqui registado, é também ele um momento de liberdade. Aqui, neste jornal de resistência e que resiste, lemos sentimentos diferentes, e na sua A BOLA TV escutamos, e bem, opiniões divergentes. Assim também se constrói, mesmo com instantes de muita paixão, a democracia. E , assim, o Benfica está de parabéns. Cada benfiquista o está e, naturalmente, o vencedor das eleições, o presidente Luís Filipe Vieira. Aqui e daqui lhe reenvio um abraço e vivas felicitações. Com a consciência da renovada responsabilidade. O meu testemunho aqui fica registado. Este, como o de muitos(as) milhares de benfiquistas, é a expressão de uma dedicação e de uma satisfação, de uma verdade e de uma vontade, de liberdade e de maturidade, de diversidade e de vitalidade. Sempre com a certa confiança e renovada esperança num futuro de acrescido prazer e de ambicionadas vitórias deste Benfica de a que nos orgulhamos de pertencer.