114 anos depois… temos tanta esperança quanto dificuldades
Rúben Amorim é o menino querido do Sporting - com mérito. Pela forma como organiza as equipas e as põe a jogar, mas também por outro aspeto: o modo descontraído como está na vida desportiva, a ausência de arrogância ou vedetismo. O que disse de Bruno Lage mostra essa grandeza. No que respeita a Amorim, só me preocupa o aspeto financeiro do Sporting, porque se é verdade que se deve todo aquele dinheiro ao Braga, isso pode ter algum efeito perverso.
Mas quando afirmo que Rúben tem a garra que o Sporting andava à procura, vejo isso na constituição das equipas e na forma de estas jogarem. Por exemplo, ontem à noite faltava-nos Vietto, Acuña, Jovane e o há mais tempo lesionado Luiz Phellype, além do nosso querido Mathieu. Isto há dois meses era um desastre, mas agora, mesmo com estrelas fora de campo, temos Camacho, que parece um valor seguro, Plata, o melhor em campo e que está dia-a-dia a afirmar-se, Matheus, Eduardo Quaresma, Nuno Mendes, Joelson, Tiago Tomás, Geraldes… parece uma equipa nova. No fundo, é uma nova equipa e, assim sendo, não podemos esperar só vitórias ou o mirífico segundo lugar. Como, mais uma vez bem disse Rúben, se como motivação jogar no 11 inicial não chega, temos um problema.
Ao fim de quase dois anos, por sorte, por estratégia ou por qualquer outro motivo, o Sporting parece estar a acertar o passo no que é decisivo para resolver alguns dos seus problemas prementes. Sabe-se que Rúben Amorim, desde que se estreou como treinador principal com o Braga, e contando com os jogos que fez no Sporting, conseguiu mais pontos do que qualquer outra equipa. Mais: se contarmos desde a interrupção (antes Rúben só tinha um jogo no Sporting, contra o Desportivo das Aves), verificamos que o Sporting é, claramente, o melhor dos quatro primeiros, quando na altura ia em quarto. Tanto assim é que conseguiu mais 13 pontos, ao passo que o Porto apenas 10, o Benfica 5 e o Braga, de onde Rúben saiu, apenas 4. Acresce que a equipa de Alvalade conseguiu o recorde esta época de quatro vitórias seguidas e seis jogos sem perder.
Vieira e o Sr. Lage
Sempre elogiei a atitude de Lage como treinador. Nestas páginas ressaltei a sua humildade, a sua forma de saber ganhar (mais recentemente, de perder) e o modo como se relacionava com os jogadores.
Só na derrota com o Santa Clara o seu discurso descarrilou. Mas retratou-se, coisa de grandeza invulgar nos senhores muito importantes do nosso futebol. O senhor Bruno Lage pode ser vítima de expectativas demasiado elevadas, ou de excesso de submissão aos ditames de um presidente cujas características me dispenso de caracterizar, mas soube sempre, e retirando o deslize, respeitar todos. O clube e os adversários.
Cito a propósito outra pessoa - felizmente não é o único - que consegue ser alegre, divertido e simultaneamente sério e respeitador: Rúben Amorim. Este, quando disse, referindo-se ao Benfica, «um dia é Bruno Lage… outro dia serei eu», mostrou uma maturidade rara para quem tem 35 anos. Não pode haver verdade mais certeira. Mesmo os grandes, os inultrapassáveis, como Mourinho, têm as suas fases de desgraça. Jogadores como Ronaldo não escaparam a momentos desses. Muitas vezes é na reação a estas adversidades que se vê a fibra de uma pessoa.
Desejo ao Sr. Bruno Lage (ou mister, se ele preferir) as melhores felicidades - se for possível acrescentar, sem borrar a pintura - menos contra o Sporting, melhor ainda.
Já o Vieira podia ter aprendido com estes jovens. A jogada que fez no final do jogo do Funchal, e que todos perceberam, foi muito lamentável. Se ele, quando viu o ex-presidente do Sporting cair com 71% dos votos tivesse a calma de Rúben e dissesse: «Um dia é Bruno de Carvalho… outro dia serei eu», perceberia melhor o que lhe pode acontecer.
O seu currículo nos últimos tempos dos seus 17 anos como presidente do Benfica é verdadeiramente assustador. Não só nos resultados desportivos, mas também nas suspeitas que recaem sobre o clube; nos comportamentos de claques que a Direção do SLB vergonhosamente afirma não existir; no episódio recente em que lançou as mãos ao pescoço de um sócio em plena Assembleia Geral… em tudo o que tem feito, no que tem dito e desdito. Vieira pensa que é o Benfica, mas eu, que conheço e sou amigo de benfiquistas, presumo que o Benfica não pensa que é Vieira. Já se percebeu que se recandidata, mas também que, mesmo ganhando, já não é o Luís Filipe Vieira que foi. Um pouco assim como o pai de todos estes presidentes de clubes, que é Jorge Nuno Pinto da Costa, imprescindível no clube até vir a mulher da fava rica, como se dizia quando eu (e até ele) era novo.
E o Sporting?
Apesar da mudança de atitude da equipa, que é notória, seria necessária, do meu ponto de vista (e julgo que na de muitos sportinguistas), uma mudança semelhante na instituição. Ou seja, numa altura em que a equipa pode voltar a unir os sócios (refiro-me à esmagadora parte saudável dos sócios e não aos que têm por missão destruir qualquer iniciativa que não exalte o anterior presidente), o Sporting Clube de Portugal deveria encetar trabalhos para rever o que há a rever (insisto sempre nos estatutos, mas não são a única questão) no sentido de envolver toda a massa associativa.
Num debate Sporting com Rumo, sócios provenientes de áreas distintas sublinharam bastante que a cultura organizacional do clube tem de ser alterada. Todos concordaram com a redução de custos e com a aposta na formação, que aliás neste momento está a ser feita; e ainda numa estratégia mais global do Sporting, que também está em marcha; numa maior angariação de sócios e numa ação (nomeadamente na renumeração do número de sócios) que não penalizasse aqueles que foram prejudicados pela terrível pandemia que nos assola.
Em suma, para além da discussão sobre se a propriedade da SAD deve ser ou não do Sporting Clube de Portugal, será necessário que os sócios tenham uma palavra efetiva a dizer no clube. E essa palavra pode ser tomada através de várias iniciativas e órgãos, e não apenas numa organização que passa de uma AG (tantas vezes tumultuosa) para uma Direção (por vezes distante).
Esperamos que tudo melhore. Para já, andamos menos preocupados, mas a pandemia, a falta de dinheiro e a própria instabilidade de uma equipa que tem de vender jogadores e promover outros, não são de molde a que possamos considerar-nos descansados.