Tudo na mesma!...

OPINIÃO11.06.202207:00

Vieira sempre soube controlar quem se apresentava como possível alternativa [...] para manter um poder quase absoluto

P OR mais que se possam valorizar as vitórias da Selecção Nacional na semana passada, sem dúvida que o mediatismo, por mais que custe à nossa inteligência, foi para a entrevista à CMTV, na segunda-feira, de Luís Filipe Vieira, e a painelice deste, na terça-feira, na mesma estação, com João Malheiro, Diamantino Miranda e um outro, cujo papel agora desconheço, porquanto, apesar do seu volume, é demasiado versátil do ponto de vista da coluna vertebral. Penso, logo existo, dizia Descartes, mas há certos cartilheiros que, apesar de existirem, não pensam, e, portanto, acabam por ser descartilhados.
Aquela entrevista, e o sketch do dia seguinte, merecem ser vistos dos ângulos de Luís Filipe Vieira e de Rui Costa, isto é, do ex e do actual presidente do Sport Lisboa e Benfica, sem prejuízo do ângulo de Jorge Nuno Pinto da Costa, já que espero, de qualquer sportinguista, alguma atenção ao que por aí anda e não achar que é para o lado que se dorme melhor. As piruetas têm graça quando feitas por cavalos, mas a inconstância e a versatilidade nos princípios, nas ideias e, sobretudo, no carácter, devem-nos manter atentos, porque são tão perigosos quanto são as armas de fogo nas mãos de crianças inocentes. E aqui não há crianças e, muito menos, inocentes...
Na verdade, quando Luís Filipe Vieira acha normal deixar Pinto da Costa fazer filmagens e entrevistas no Estádio da Luz e, praticamente, o aperto de mão a Pinto da Costa, ter sido o único gesto que aplaudiu a Rui Costa, e sabendo nós, que o que vimos e ouvimos, não é propriamente circo ou teatro de revista, o melhor é mesmo estarmos atentos, e bem atentos, porque assim o ataque ao Apito Dourado ou aos emails cheira-nos a farsa para enganar tolos!...
Como é possível ter assistido, ao longo de vários anos, à troca de palavras, em que os mimos estiveram ausentes, entre um e outro, agora elevadas à categoria de amizade pessoal, em nome do interesse do futebol português e das suas vidas pessoais? Nunca pensei que a emergência do Sporting tivesse tal resultado, embora o compreenda. Mas estou seguro que esta procissão de cinismo e hipocrisia ainda vai no adro, e, por isso, o melhor mesmo é estar atento, porque não se trata de farsa, nem os seus intérpretes são farsantes. Não é por acaso que dois homens, experientes nos mais diversos aspectos da vida, digam, sem se rir, tão amigos que nós fomos e tão amigos que continuamos a ser: o sinal é mesmo de perigo!...
Mas voltando à entrevista e ao sketch que se seguiu, para além das conclusões que são externas ao universo benfiquista, tiro esta conclusão: Vieira está magoado - e com razão do seu ponto de vista - porque sempre controlou a oposição que lhe foi surgindo, dentro e fora (mas que trouxe para dentro), mas não percebeu o que poderia acontecer quando ele próprio decidiu escolher o seu sucessor. Na verdade, foi um verdadeiro abraço de urso, para imobilizar Rui Costa, quando não lhe passava pela cabeça que, pouco tempo depois, por acção da justiça, o urso baixasse os braços e voltasse a respirar como solução para o choque dos benfiquistas (nem de todos...)!
Filipe Vieira foi claro: nunca esperou que Rui Costa lesse o que leu, tal como eu nunca acreditei que Filipe Vieira, alguma vez, tenha escrito aquilo que leu no seu consulado. Vieira sabe bem que, dentro da sua equipa directiva, tinha quem soubesse mais de comunicação a dormir do que eu acordado, mas não percebeu que, uma vez detido, o discurso tinha de ser contra o criador, mas também não favorável à criatura!
Vieira sempre soube controlar quem se apresentava como possível alternativa, não porque tivesse medo de os enfrentar, mas para manter um poder quase absoluto. Dava-lhes palco para os descredibilizar, isto é, chamava-os para junto de si, por vezes prometendo-lhes mais do que palco.
Gomes da Silva foi o único que saiu de dentro para fora para enfrentar Vieira. Não teve bom resultado, mas a sua análise, que expôs várias vezes, julgo que será a correcta e vamos ver se se concretizará a sua profecia no momento em que terminou o último acto eleitoral, em que, de resto, não participou. Algo me diz que o caminho se começa a desenhar.
 

Semana ficou marcada por entrevista de Luís Filipe Vieira, de consequências ainda imprevisíveis - para o Benfica e para o ex-presidente


Tudo correu bem a Luís Filipe Vieira até que o inquérito parlamentar pôs na praça pública aquilo que já era do conhecimento de muitos. O presidente do Benfica não era mais que um peão de brega do Banco Espírito Santo, para interpretar correctamente aquilo que o próprio Luís declarou aos deputados. Durante os primeiros anos do seu mandato o Benfica precisou de Vieira como presidente, e este correspondeu, até pelas excelentes relações que mantinha com Ricardo Salgado. O pior foi quando os problemas começaram a surgir para Vieira, com a queda do banco, e Filipe Vieira começou a precisar de ser presidente do Benfica.
Para mim, quando Vieira afirmou que Rui Costa seria o próximo presidente do Benfica, pretendeu salvaguardar o seu próprio futuro, como presidente por interposta pessoa, que ainda por cima gozava de simpatia geral para o cargo. Por outro lado, o que interessava a Vieira era a OPA e o que dela resultaria quanto ao controlo da SAD.Com o que Vieira não contava era com a sua detenção enquanto presidente do Benfica, e após uma vitória nas urnas, nem com a reacção de Rui Costa, que não fustigou Vieira, mas que se demarcou dele, assumindo a presidência quando o lugar ainda estava morno. Vieira nunca engoliu, nem engolirá isto, porque ele tinha a ideia de continuar a governar o Benfica, através de rosto mais popular, e com carisma, e com características que Vieira vincava que Rui Costa tinha e convinham a esse tipo de governança.
Vieira, a meu ver, ficou desorientado a partir do momento em que altas esferas deixaram de frequentar a tribuna presidencial sendo substituídos por quem serviu o Benfica e que por vezes é esquecido pela arrogância do poder. Eles não eram convidados por acaso, e também não é por acaso que essas pessoas desaparecem quando o anfitrião tem problemas com os políticos e com a justiça. As comissões de honra têm, como as moedas, duas faces!...
E Vieira - acho eu - esquece-se que os muitos que lhe davam protecção com a sua presença na tribuna serão os primeiros, pela sua militância benfiquista, a não o quererem lá de novo. Vieira apresenta-se com nova imagem: bronzeado e sem bigode, até parece mais novo, apesar do cabelo branco. Mas esta imagem exterior não limpa a imagem do seu interior, e que a televisão mostrou ser a de sempre.
Há cerca de duas décadas que os rivais do Sporting dividem entre si o poder no sistema, com o fito de tornarem real o sonho deles de serem os representantes de Portugal nessa Europa dos clubes ricos, dentro da teoria de que o País não comporta mais de dois grandes clubes: um na capital e outro no Porto. A referência a Portugal, no nome do Sporting, sempre lhes causou alguma confusão. Temos pena: é a nossa vocação!
De repente, o Sporting emerge, no futebol, ao mesmo tempo que se mantém, ao nível das outras modalidades, como a maior potência desportiva nacional e isto perturba muito boa gente, mas sobretudo a má.
Compreendo assim que a amizade entre os presidentes (um ex e outro actual) dos rivais perdurem para além das ofensas e dos insultos que trocaram ao longo de anos. A sua aliança contra as escutas é normal e até natural, e nada tem a ver com a legalidade, mas com a transparência de procedimentos e de processos.
O futebol será a excepção àquela regra popular de que se zangam as comadres, descobrem-se as verdades?
Eu respondo, naturalmente, que não. No futebol, as comadres do sistema não se zangam, apenas fingem que estão zangadas, para tudo se manter na mesma, para defesa dos seus interesses. Mesmo que as comadres mudem...
E quando assim é, a palavra é da justiça, em que quase não acredito, entre outras coisas, pela sua morosidade! Tudo na mesma, como a lesma!...