‘In dubio pro reo’
A expressão latina que dá título à crónica de hoje significa, em português, qualquer coisa como: «Na dúvida, a favor do réu». Se transpusermos esta máxima para as leis do futebol, poderíamos traduzi-la assim: «Caso não existam provas claras de que o árbitro errou, é justo suportar a decisão inicial que este tomou». Parece-vos justo? A mim, sim.
Dito isto, tenho um desafio para vos lançar. Um desafio que não será fácil nem consensual e que não será, garantidamente, para quem prefere usar gasolina (em vez de água) para apagar incêndios. Então vamos lá.
Pensem comigo: parte significativa dos lances não são objetivos, não são absolutamente claros ou factuais. Certo? Claro que há uns quantos em que a decisão só pode ser uma: uma agressão nítida será sempre uma agressão nítida, uma mão que evita um golo será sempre uma mão que evita um golo, um fora de jogo de dois metros será sempre um fora de jogo de dois metros. Obviamente. Mas depois, bem... depois vem tudo o resto. Depois vem, por exemplo, aquele contacto manhoso do defesa no avançado, que logo lança a dúvida: «Caíste porque foste empurrado ou apenas porque sentiste o toque e o que realmente quiseste foi aproveitar-te da situação? Simulaste a falta arrastando o pé à perna dele ou foi ele que fez mesmo falta? Foste tocado na cara como te queixas ou o braço dele só atingiu, de leve, o teu ombro? Jogaste a bola com volumetria desnecessária ou esta bateu-te face ao teu normal movimento defensivo?». Pois é.
Mas além destas, acreditem, há centenas de outras jogadas em que nem cem imagens ajudam a dissipar as dúvidas. São, como nós, comentadores, dizemos... lances de zona cinzenta. Aqueles em que metade das pessoas terá uma opinião e a outra metade terá outra. Aqueles que geram confusão, polémica, discussão. Eu sei que a opinião pública em geral (tal como parte dos responsáveis dos clubes, em particular) acha que os ex-árbitros, agora analistas, têm atitude corporativista. Que em cada intervenção procuram «proteger-se uns aos outros», evitando falar de erros e valorizando boas decisões.
Acreditem, não é de todo a intenção. Um erro será sempre um erro e, para um árbitro, perceber e aceitar isso é meio caminho andado para evitá-lo de futuro. Eles não são nem podem ser imunes à crítica, porque essa é a maior premissa da sua evolução qualitativa. Do seu crescimento. O que nós, comentadores, tentamos fazer é apelar à vossa razoabilidade nas tais situações subjetivas. Ainda que só o consigam fazer muitas horas depois, quando as emoções já diluíram e a razão voltou.
E é aí que reside o desafio de que vos falei:
- Que tal termos todos a capacidade de, em lances futuros que dividam opiniões, darmos o benefício da dúvida aos árbitros? Aceitar a sua opção, mesmo que até nem concordemos com ela? Não acham que é o que faz mais sentido? Não acham justo? Pensem nisso. Enquanto meia dúzia de pirómanos - figurantes eternos deste espetáculo - se entretêm a disparar foguetes e a apanhar as canas, nós agarramos o desafio de pensar no futebol positivo. O desafio de mudar mentalidades e crescer culturalmente. Lenta mas gradualmente. Vamos a isso então...