Renato Paiva: «Rapidamente percebi que o Toluca era um projeto extraordinário»
Renato Paiva assinou pelo Toluca a 1 de dezembro de 2023. Foto: IMAGO

ENTREVISTA A BOLA Renato Paiva: «Rapidamente percebi que o Toluca era um projeto extraordinário»

INTERNACIONAL26.04.202410:00

Treinador do líder do torneio Clausura não poupa elogios ao seu atual projeto e aos adeptos, apesar a desconfiança inicial da parte deles; relata o que correu mal na eliminação precoce da Concacaf Champions Cup e diz ter uma estratégia específica para o sucesso na cobrança de penáltis... do seu guarda-redes

- As camisolas do clube na loja online estão esgotadas. Isso é tudo entusiasmo pelo seu trabalho e pelo que o seu clube pode alcançar?

- É um pouco o reflexo. Os adeptos funcionam sempre de dentro para fora, não é? É especial o que a equipa está a fazer dentro de campo e eu acho que nós estamos a fazer um trabalho notável. E porquê notável? Porque esta equipa ficou, no último turno, em 12.º lugar, fora dos play-offs; nós contratámos só três jogadores, ou seja, a equipa é praticamente a mesma. Havia um descrédito muito grande em relação à última campanha. Em relação ao tema de não ser campeão há muitos anos- 11 anos salvo erro-, que não era campeão e é normal que em poucos meses- nós chegámos em dezembro para fazer um mês de pré-época- de competição e ainda contra colossos como o América e o Monterrey, que têm planteis altamente superiores ao nosso. Posso-te dizer que, praticamente, todos os jogadores que estão no banco de suplentes do América e do Monterrey seriam titulares do Toluca ou de todas as equipas do México.

- O próprio nome do América e do Monterrey fala por si…

- Exato. São potências, apesar do Toluca ser, atrás do América e do Chivas de Guadalajara, o 3.º clube com mais títulos no México, só que esses já não acontecem há muito tempo. No contexto atual, o poderio é das equipas de Monterrey- o Tigres e o Monterrey- e o poderio do América, que demostram ter plantéis muitíssimo superiores em quantidade e qualidade. Só para teres uma ideia, contra o Monterrey, a meio da 2.ª parte entraram três jogadores: um internacional mexicano, um internacional argentino e o Jesús Corona, que jogou no FC Porto. Hoje somos o melhor ataque do campeonato, somos a 5.ª melhor defesa, quando fomos, nas primeiras jornadas, umas das piores. É um facto. Somos das equipas que mais passes faz dentro da área adversária, das que mais probabilidade no xG de golo temos, no xG contra também, portanto é um trabalho que ilude os adeptos, porque sabem do contexto do campeonato mexicano e o contexto do clube. Questionaram as poucas contratações, pois sabiam que manter o plantel, para quem ficou de fora dos play-offs, seria arriscado. O trabalho está a ser notável e, também, acredito que vem daí a crescente onda de crença por parte dos adeptos. Tem de se ver ao vivo. Isso ajuda-nos bastante.

- Como surgiu a hipótese Toluca? A dívida de gratidão que diz ter falou mais alto no momento da decisão?

- A questão do León já foi mais que falada. Era uma questão de eu não sentir que tinha condições para fazer o meu trabalho e não queria ficar agarrado a contratos. Não sou assim. Quando me levanto e faço o que mais amo, que é treinar, quando o faço e não sinto prazer, alguma coisa está errada e uma decisão tenho de tomar. Eu já tinha sido o terceiro treinador seguido a pedir alterações no plantel, e não eram jogadores a entrar, eram jogadores a sair, tal como os meus dois anteriores colegas. O problema do León é conhecido no México, é algo a nível nacional. O convite do Toluca surgiu porque foram meus adversários e como tenho um conhecimento muito forte da realidade do México, imediatamente percebi que era um projeto extraordinário. É um clube bastante estruturado em termos de condições de trabalho, direção, sendo esta uma direção que não despede treinadores com facilidade e que tem um histórico de ter paciência e de acreditar no trabalho. Depois de um projeto como o León e o Bahia, isso também era importante para mim. A equipa com quem joguei contra, em 2022, mantinha-se praticamente toda. A forma de jogar que o anterior treinador deixou tinha pontos de contacto com a nossa forma de ver o jogo, em especial a nível ofensivo. E a possibilidade de poderes ganhar títulos, que é uma coisa que o Toluca te oferece, com uma das massas adeptas mais incríveis do México e num estádio que te gera um ambiente absolutamente fantástico.Portanto, foi o conjugar de situações, num momento em que eu, desde que deixei o Bahia, estive, sensivelmente, quase dois meses sem trabalhar. Algo que não acontecia desde o Benfica. Eu saí do León e passado dois dias estava no Bahia. Senti que, ao sair do clube, eu queria parar para refletir sobre muita coisa. Refletir sobre o meu futuro e a minha carreira e que o meu próximo passo teria de ser, sobretudo, para um projeto sustentado. Recebi convites de Portugal, por exemplo…

Renato Paiva chegou ao Toluca no ano passado e assinou um contrato válido por dois anos. Foto: Toluca

- Podia dizer-nos quais…

- Foi público. Falou-se no tema, mais até que um clube e foram três, neste caso. Com todo o respeito, senti que não era o momento de regressar, porque estava a avaliar o passo seguinte em relação à minha carreira. Tive convites do Egipto, também, mas não quis tomar decisões precipitadas, principalmente, como foi quando passei do León para o Bahia. Foram três dias em que me iludi com o nome do Grupo City e depois, sem analisar o contexto, tomei essa decisão, da qual não me arrependo, mas que poderia ter pensado de forma diferente. Quando apareceu o Toluca, reunia todas aquelas características que sentia que eram importantes para dar o passo seguinte na minha carreira.

- E como é o ambiente no Nemésio Diez? Na sua apresentação disse que parecia o ambiente do Estádio da Luz…

- Movo-me muito por intuição, por feeling, por sinais que acho que são sinais de Deus e o ter estado tanto tempo a representar os diabos vermelhos de Portugal e ser apresentado aqui nos diabos vermelhos do México, senti ali um ponto de conexão, um sinal muito interessante em relação àquilo que era o projeto e o aceitar do projeto. Não tenhas dúvidas. O Estádio da Luz é maior, mas também é mais aberto. O Nemésio Diez é mais pequeno, mas é à inglesa, por alguma coisa lhe chamam Bombonera aqui, porque está tudo em cima do relvado. Então, o que tu consegues ouvir no Estádio da Luz, com 65 mil, a sensação sonora quando tu estás ali em baixo, no Nemésio Diez, é exatamente parecida com isso, porque estão todos em cima de ti e os adversários sentem muito essa situação, e a nossa equipa também. Há um registo que me orgulha muito: neste momento nós temos sete vitórias em sete jogos em casa. A jogar em casa somos a melhor equipa do campeonato. E eu, quando fiz a minha apresentação, pedi aos adeptos e aos jogadores, que fizéssemos deste estádio um forte, e que fosse muito complicado jogar. Chamam-lhe inferno - apesar de eu não gostar desses termos bíblicos -, e disse que queria que, de facto, fosse um inferno, no bom sentido, para os nossos adversários jogarem aqui. E tem sido, com exceção da derrota para a Concacaf Champions Cup.

- Que Toluca é que encontrou depois do torneio Apertura, em que a equipa terminou num modesto 12.º lugar? O que é que a direção pediu com a sua contratação?

- Convém não esquecer de que seis em seis meses, existe um novo campeão. Na primeira volta, na apertura, existe um campeão, e na clausura, outro. Os dois têm a mesma validade, o que difere com o Equador, no qual o campeão da apertura e da clausura jogam uma final entre os dois para decidir quem seria o vencedor. Aqui não, portanto há quatro torneios atrás, sensivelmente há dois anos, o Toluca esteve numa final com uma equipa muito semelhante da atual. Não é fácil chegares a uma realidade, que é muito diferente para o próprio Toluca, clube que não está habituado a ficar de fora dos play-off's. Terem ficado de fora foi quase um desastre futebolístico nacional e não se falava de outra coisa. Quando tu chegas a esta realidade, tu tens um ponto positivo e um negativo: o positivo é tu chegares a uma realidade de descrença, de desconfiança por ter falhado os play-offs, num histórico como o Toluca; o ponto positivo é teres uma margem de crescimento fantástica, não só em termos do teu trabalho, como, também, de resgate emocional dos jogadores. Quando cheguei a primeira coisa que lhes disse foi: «90% dos jogadores que estão aqui tiveram na última final. Vocês são os mesmos. Quando se olham ao espelho são os mesmos, o que mudou aqui foi a vossa performance. Portanto, se já conseguiram estar uma vez é porque podem voltar a estar. Não vos exigiria nada que nunca tenham feito».Então foi nesse resgate que apostámos todas as fichas, além de meter a nossa ideia de jogo em prática. O desafio enorme aqui foi ver que estes rapazes estão, digamos, nas últimas e nós vamos daqui, no misto de habilidades emocionais e de crença/competência técnico-tática dentro do campo, fazê-los voltar a ser protagonistas neste campeonato.

O Toluca ocupa o 2.º lugar do Campeonato Clausura a três pontos do líder América. Foto: Toluca

- A eliminação caseira diante do Herediano, pela forma como aconteceu, deixou marcas?

- Mais do que doer, é a incredibilidade sobre aquilo que aconteceu. Tive amigos, colegas treinadores, que viram os dois jogos e que me disseram: «Renato, não conseguimos explicar porquê que tu estás a ganhar 2-0, contra dez, na Costa Rica, e do nada, no pontapé para a frente, fazem-te o golo, após teres criado várias oportunidades para fazeres o 3-0.» Nós jogamos o segundo jogo em casa e aos 20 minutos está 2-0, portanto a eliminatória está 4-1, a 30 minutos do fim. Nós jogávamos com o Monterrey no fim de semana seguinte fora, e, obviamente, como a maior parte dos treinadores que jogam à quarta-feira e ao sábado, olhei para o contexto e olhei para os sinais que o jogo te dá e esses até ao momento eram de incapacidade do adversário em fazer golos. Vou dizer mais, ao intervalo o treinador adversário mete um terceiro central e o indicador para os laterais era para não subirem para não serem goleados. Portanto, como sei que o jogo tem vida e vai-me dando sinais, eu vou tomar decisões em função disso e nada percebia aquilo. De repente, eles fazem o 2-1, na primeira vez que chegam à baliza, na segunda marcam o 2-2 e depois o 3-2 e, curiosamente, todos os golos do adversário resultam de um remate só, pois o resto são desvios. Com isto, tu pensas se foram as substituições que fizeste, mas não pode ter sido porque a equipa manteve os seus níveis de jogo, com o indicador a ser nós próximos de fazer o 3-0 a qualquer momento.  A equipa quando sofreu o primeiro, não posso dizer que se intranquilizou, nem que o Herediano nos encostou lá atrás na iminência da reviravolta. Desafio quem quiser a ir ver o jogo e que perceba que o adversário foi lá três vezes e fez três golos.Fico triste porque queríamos ir longe nesta competição, não queríamos ser eliminados imediato, mas, mais que triste, incrédulo porque a minha equipa técnica dá voltas ao assunto e não conseguimos explicar a não ser eficácia. Como os golos fora contam, o 4-4 na eliminatória permitiu que fossemos eliminados, algo que não acontecia se o encontro acontecesse na Europa.

Apesar do empate na eliminatória (4-4), o Herediano eliminou o Toluca pela vantagem dos golos fora. Foto: Herediano

- E como é que foi a reação do balneário? Houve algum sentimento de frustração ou compreenderam a perplexidade do que aconteceu em campo?

- Duas coisas que adorei na minha equipa: uma, foi os jogadores terem assumido a responsabilidade e dizer que não foi culpa minha e da minha equipa técnica. Foi culpa nossa, porque diziam que facilitaram com o 2-0 e até o assumiram perante a direção, numa reunião pacifica que aconteceu no dia seguinte; e a segunda parte foi a reação que nos faz estar onde nós estamos e isso mostra muito do carácter deles. Eles sentiram a injustiça- se é que se pode chamar injustiça-, mas também sentiram quando dizem que tiveram responsabilidade nisto, que nós temos de dar a volta à situação. Isso foi outra notícia da atualidade. Eu disse que esses jogos já estavam para trás e que a responsabilidade era dar respostas a isto e o grupo, de facto, está a dar respostas continuas em relação ao bater no fundo, porque foi bater no fundo, mas eu digo sempre: cair vamos cair todos e como respondemos é que conta, e isso está à vista.

- O Tiago Volpi, guarda-redes da sua equipa, é quem bate as grandes penalidades, algo que não é muito comum. Consegue explicar essa decisão?

- Costumo dizer que a grande capacidade do treinador português é a adaptabilidade a um determinado contexto. O Tiago já batia grandes penalidade antes de eu chegar, obviamente quando eu fui convidado estudei o Toluca e ele ainda não falhou nenhum penálti, desde que chegou ao México. Eu vejo pelos treinos e não vou mexer no que está bem. Posso-te contar que a primeira pergunta por parte dos órgãos de comunicação mexicanos quando cheguei foi: «O Volpi ainda vai continuar a bater penáltis?». Eu disse-lhe que vai (risos), porque não vou mexer no que está bem, se fosse o contrário eu mudaria, ainda para mais um guarda-redes. Agora, o Volpi tem uma característica que para mim é extraordinária, pois ele é capaz de colocar uma bola no ângulo superior direito e depois no canto inferior esquerdo, depois no meio, ou seja, ele bate de muitas formas variadas e isso ajuda muito para o sucesso que tem. Então, tive uma conversa com ele e disse-lhe: 'Olha Tiago, por mim vais continuar a bater penáltis, sem problema nenhum, porque com estas taxas não vou mexer'. A única coisa que fiz foi preparar os 10 jogadores que sobram, estrategicamente no campo, para não ser golo adversário, caso falhe. Criei alguns treinos e disse-lhe que sabia que ele não ia falhar, mas eu tenho de fazer isto, no sentido em que pior que ele falhar é ser golo na nossa baliza. Assim sendo, vamos criar uma estratégia, que não é infalível, atenção, mas que menorize a possibilidade do adversário. Tenho os 10 estrategicamente espalhados pelo campo, alguns no ressalto, outros no equilíbrio e um dos centrais fica na baliza. Quando mostrámos esta estratégia, ele confessou-me que nunca lhe tinham feito isto e eu disse-lhe que 'não quero que isto seja uma pressão para ti' e respondeu-me que isso ia-lhe gerar boa pressão, uma pressão que não sentia num treino. Se tu treinas isto, desta forma, vai ajudá-lo a melhorar.

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