Para um Mundo global, soluções globais (artigo de Pedro Caixinha)

A BOLA É MINHA Para um Mundo global, soluções globais (artigo de Pedro Caixinha)

NACIONAL28.04.202011:06

Isolados mas não sozinhos, confinados mas não alheados. Num momento único na história mundial, a capacidade de refletir sobre as nossas experiências e o que nos rodeia é, também, uma forma de liberdade. A BOLA dá voz aos grandes protagonistas do desporto em crónicas assinadas na primeira pessoa sob o título ‘A bola é minha’. Sem filtros.


Aprender com o passado

1 Muitas vezes olhamos para a história como algo que faz parte do passado sem lhe darmos o real valor, que sabemos estar sempre disponível, em locais como museus, enciclopédias ou até mesmo canais televisivos, mas que de uma outra maneira apenas faz parte do nosso conhecimento, da nossa cultura geral. Esquecemo-nos que seremos sempre parte da mesma e que aquela que estudámos nos ajuda a melhor entendermos aquela que vivemos e que um dia mais tarde fará também parte… da história.
Embora em períodos distintos (e também distantes… um século decorrido), já passámos e superámos a Gripe Espanhola (janeiro de 1918 a dezembro de 1920), em termos de saúde pública, e a Grande Depressão (teve início em 1929 e persistiu ao longo da década de 1930), a nível sócio-económico.
Foram questões, tal como agora, de caráter transversal e global que afetaram todo o Mundo, e como tal também as soluções encontradas foram globais.
Não se conhece um só estudo de caso na história que descreva que se tenha saído de uma crise só por uma boa gestão, todas elas contaram com um líder. É o que se pede neste momento aos líderes, que reconheçam a importância de se centrarem na sua gente. Este coronavírus, que parece tratar-se de uma seleção natural, na forma como ataca mais seletivamente os mais idosos e os mais débeis, requer, por parte dos líderes de hoje, igualdade e justiça na proteção, cuidados e recuperação dos mais afetados.
Somos animais sociais

2 Somos animais sociais, e ser social era tão importante para nós há milhares de anos como o é hoje em dia. Era uma maneira importante de criar e manter a confiança e o modo como nos conhecíamos uns aos outros. O tempo que dedicamos a conhecer as pessoas forma parte do que faz falta para estabelecer vínculos de confiança. Os nossos sistemas internos que nos protegem dos perigos e nos induzem a repetir condutas que redundam no nosso benefício reagem perante o contexto em que vivemos. Se detetamos o perigo ativamos as nossas defesas. Se nos sentimos seguros entre os nossos, relaxamos e estamos mais abertos à confiança e à cooperação. É uma mera questão de biologia e antropologia. Estes sistemas internos dirigem a nossa conduta e decisões e continuam a funcionar como desde há dezenas de milhares de anos. As nossas mentes primitivas seguem percebendo o mundo que nos rodeia dividindo-o em ameaça para o nosso bem-estar e em oportunidade para encontrar a segurança.
Mas como seres sociais, também temos educações sociais diferenciadas com o decorrer do tempo e a evolução das mesmas. Veja-se por exemplo a minha geração (hoje entre os 45-50 anos) e a dos meus filhos (hoje entre os 16-20 anos). No nosso tempo, na nossa geração vivia-se muito mais do contacto direto, presencial, mais de convívio, mais de amigos fixos a uma determinada zona, bairro ou cidade. As gerações de hoje são muito mais globalizadas, muito mais de interações à distância e virtuais, vivem e são claramente cidadãos do mundo. No entanto, neste tempo de ficar em casa existe como um regresso às origens, um regresso à unidade base  - a Família. A que vive debaixo do mesmo teto, partilhando 24/7 todas as atividades, ajudando a reforçar laços de confiança nunca antes (pelo menos naquela que é a nossa experiência de vida) possíveis de alcançar, porque todos estariam vivendo as suas vidas. Este é sem dúvida um reforço de confiança excecional para encarar as eventuais adversidades que se avizinham.

Família - o círculo de segurança

3 Uma cultura firme com valores partilhados, que entende a importância do trabalho em equipa, ajuda a criar confiança entre os seus membros, mantém uma visão e, o mais importante, entende e reconhece a importância que têm as pessoas e as suas relações para o êxito das suas missões. Esta sensação de pertença, de valores partilhados e de profunda empatia, fomenta enormemente a confiança, a cooperação e a resolução de problemas. O círculo de segurança (Família) reforça a capacidade de que levar um grupo de pessoas a fazer coisas notáveis depende do grau de coesão que exista entre elas como equipa.
Criar um círculo de segurança significa que as pessoas se sentem parte de um todo, que partilham uma cultura sólida baseada num conjunto claro de valores humanos e crenças. Sem um círculo de segurança, as pessoas veem-se obrigadas a dedicar demasiado tempo e energia a proteger-se com os perigos exteriores.
Só quando percebemos que estamos dentro de um círculo de segurança avançamos como uma equipa unificada, mais capazes de sobreviver e de progredir independentemente das condições externas que enfrentemos, porque estamos mais dispostos a correr riscos, a ser mais criativos e a inovar.

Por uma mudança de paradigma

4 Os espartanos, sociedade guerreira da antiga Grécia, eram reconhecidos pela sua força, tenacidade, valor e resistência. No entanto, o seu principal poder como exército derivava dos seus escudos. Perder um escudo durante uma batalha era o crime mais grave que podia cometer um espartano. «Os espartanos perdoavam sem qualquer castigo um guerreiro que perdesse o seu capacete ou couraça na batalha, mas castigavam com a perda de direitos de cidadania o guerreiro que perdia o seu escudo. Um guerreiro leva o capacete e a couraça para sua própria proteção, mas leva o seu escudo para proteger todos os seus.»
O exemplo dos espartanos é fantástico e elucida muito bem os princípios com os quais teremos de passar a viver as nossas vidas até que se torne uma normalidade. Para tal teremos de mudar o paradigma das nossas vidas quotidianas, alterar os nossos hábitos, reforçar a nossa educação higiénica e de saúde, a nossa criatividade e inovação. Nada melhor que estes momentos de pausa para analisar e refletir qual o caminho que queremos seguir, não para voltar a ser tudo como era, mas sim para regressarmos num estado diferente, superiormente diferente e melhor.

Crise sempre foi sinónimo de oportunidade

5 Oportunidade não no sentido de oportunismo, mas sim de nos reinventarmos, de procurarmos soluções para continuarmos a crescer e a dar cada vez mais respostas aos sinais dos tempos que nos confrontam e continuarão a confrontar.
Oportunidade para criar e lidar com novos desafios. Por exemplo, depois dos últimos jogos terem sido realizados no fim de semana de 7 e 8 de março, como se irão organizar as equipas para fazer face a uma pausa com o dobro do período temporal habitual e jogar com maior densidade competitiva? Como será a reorganização de períodos de pausa mais curtos e regresso a uma pré-temporada mais curta para a temporada seguinte? Como será a formação dos plantéis e o próprio período de transferências? A organização das competições nacionais e internacionais? De onde irão surgir novas formas de gestão e financiamento dos clubes?
É tempo para nos focarmos não naquilo que eventualmente perdemos, mas sim naquilo em nos podemos transformar para melhor… simplesmente na procura daquilo que todos e ao longo da história da humanidade perseguimos… A FELICIDADE.