Ninguém ganha sozinho (artigo de Vítor Manuel)

A BOLA É MINHA Ninguém ganha sozinho (artigo de Vítor Manuel)

NACIONAL30.04.202010:27

Isolados mas não sozinhos, confinados mas não alheados. Num momento único na história mundial, a capacidade de refletir sobre as nossas experiências e o que nos rodeia é, também, uma forma de liberdade. A BOLA dá voz aos grandes protagonistas do desporto em crónicas assinadas na primeira pessoa sob o título ‘A bola é minha’. Sem filtros.

Dentro de um grupo de trabalho, é de capital importância uma salutar relação interpessoal entre todos os seus componentes, concretizada muitas vezes em expressões tão caras aos desportistas e ao público em geral como sejam um bom espírito de grupo ou um bom balneário. É um facto incontroverso, aceite por todos, que o sucesso começa precisamente num espírito coletivo forte, onde todos se respeitem reciprocamente, fomentando solidariedades e fazendo germinar a semente do êxito. Só quem já alguma vez foi treinador e liderou um grupo de trabalho é capaz de aquilatar da relevância que a empatia entre os técnicos, médicos, massagistas, jogadores, pessoal auxiliar e até administrativo pode repercutir no êxito duma época desportiva, em competição. Ninguém, por mais letrado, competente e iluminado que seja, pode, sozinho, capitalizar em seu exclusivo proveito os louros da vitória. Daí ser de inegável utilidade, a um treinador, lograr criar um conjunto de condições que façam sentir a todos os componentes do grupo de trabalho a sua importância, a sua indispensabilidade, o seu contributo para o êxito, independentemente da função que exerçam.

Centralização dos direitos televisivos
Hoje, por via da pandemia que nos assola, é mais importante do que nunca retomar esta temática, pois existem muitas sociedades desportivas e clubes que passam por momentos angustiantes correndo o risco de falência ou até de desaparecimento. O fosso financeiro gigantesco resultante da negociação não centralizada dos direitos de transmissão gera uma aviltante desigualdade ente os emblemas mais fortes e os outros, que parecem entrar nesta luta como mero figurantes do filme e não como agentes intervenientes diretos nas pugnas desportivas, agarrados a migalhas para evitar o fim. Os grandes não jogam sozinhos, ninguém imagina um campeonato com 4 equipas a 12 voltas e 36 jornadas. Uma redistribuição mais equitativa das verbas da televisão permite um acréscimo de qualidade dos plantéis dos mais pequenos, um menor desequilíbrio, maior incerteza, mais competição e emoção, mais público no estádios e uma maior exigência aos clubes ditos grandes que só os robustece, pois quando jogam a nível internacional, fruto da menor exigência competitiva interna, afundam-se em fases precoces das competições europeias. Se os clubes não vão lá por via da autorregulação, alguém terá de meter mãos à obra, seja a Federação seja por via legislativa dimanada da secretaria de estado do Desporto.

Perda de público nos estádios
Não é preciso esperar pela contabilidade publicada semanalmente pela LPFP para se perceber uma realidade detetável a olho nu: a ocupação da generalidade dos Estádios é deveras preocupante. Se atentarmos a valores desta época, em 24 jornadas realizadas, na segunda liga 11 dos 17 emblemas tem média de espectadores inferiores a 1000, 4 entre 1000 e 2000 e apenas 3 ente 2000 e 3000. A média final é de 911 espectadores em 214 jogos realizados.


Na primeira liga, 11 emblemas têm média inferior a 5000 espectadores por jogo tendo já jogado com algum/alguns dos grandes.
Qual a razão para estes números preocupantes?
Falta de condições dos estádios, perda de competitividade e qualidade, horários dos jogos, excesso de oferta televisiva (agora toda a segunda liga é transmitida em streaming), outras formas de entretenimento?
Constitui tarefa primordial a criação de um grupo de trabalho que investigue as razões para o afastamento de modo a trazer de volta os adeptos desavindos e desiludidos. Têm a apalavra a FPF e a LPFP.

O sucesso dos treinadores portugueses no estrangeiro
A globalização e o acesso generalizado à informação forneceram ao treinador português das últimas décadas as ferramentas que outrora só se encontravam ao alcance dos treinadores dos países mais desenvolvidos e onde havia matéria de estudo mais do que suficiente para poderem exercer com qualidade e de uma forma sustentada e continuamente melhorada as suas aptidões.

Quando o treinador português pôde juntar à sua capacidade, talento e intuição, traços marcantes das características dos técnicos oriundos da Europa do Sul e Mediterrânica, à qualificação obtida pela informação que foi capaz de obter, quando se passou a rodear de colaboradores de diversas áreas e ciências anexas e conexas com o futebol oriundas das faculdades de desporto e da sociedade em geral, quando fez o aproveitamento massivo das novas tecnologias descodificadoras num ápice da realidade do jogo, quando retirou das interações com os seus colegas de outras origens as experiências inerentes a esses novos conhecimentos, esse treinador português pôde enfileirar sem problemas na lista dos grandes técnicos europeus, obtendo sucessos devidamente consubstanciados em resultados de todos conhecidos.

São hoje dezenas os portugueses que além fronteiras têm contribuído de modo indiscutível para o bom nome e a fama do nosso futebol. De treinadores de clube a treinadores de seleção, encontramos disseminados pelas quatro partidas do mundo treinadores portugueses com sucesso devida e reiteradamente comprovado e merecidamente aplaudido.

Por outro lado, o código genético do português, a sua capacidade de adaptação às mais variadas e inesperadas circunstâncias, fruto das dificuldades que preenchem o dia-a-dia da esmagadora maioria dos clubes portugueses, torna o treinador português mais capaz de superar as adversidades, galgando obstáculos, derrubando montanhas rumo ao êxito.


Ao treinar no estrangeiro o técnico português tem para além do seu talento e do seu saber, o know-how resultante da sua experiência nacional, o que aliado a um salutar espírito de aventura o torna mais facilmente adaptado à realidade sociocultural do país para onde vai. Por isso não é de estranhar os êxitos que têm obtido e a procura cada vez maior e a cobiça de que são alvo, eles que funcionam como embaixadores itinerantes da diáspora lusitana e privilegiados agentes que disseminam o prestígio do futebol português.