Pelos caminhos do futebol Jogou com Ruben Amorim, mais tarde derrotou-o e hoje quer pôr o Alentejo no mapa

NACIONAL16.04.202510:00

Rubrica d'A BOLA foi até ao Alentejo conhecer Pedro Russiano, líder de um dos candidatos a subir à Liga 3. Na Taça, eborenses eliminaram três equipas profissionais e fizeram o SC Braga tremer. Ainda assim, objetivo ainda não foi alcançado...

No verão de 2024, à entrada para a terceira época consecutiva no Campeonato de Portugal, os responsáveis do Lusitano de Évora procuraram o timoneiro ideal para concretizar o objetivo da subida à Liga 3 e encontraram-no... no outro lado da cidade. 

Após três temporadas no comando técnico do Juventude de Évora, a última das quais que culminou com a descida do clube aos escalões distritais, Pedro Russiano foi apresentado como o novo treinador do Lusitano.

Mesmo afastados da elite do futebol português, a rivalidade entre os dois corações futebolísticos de Évora continua aguerrida, como conta Russiano a A BOLA, destacando a naturalidade da mudança: «Não vivem um sem o outro, porque essa rivalidade é que faz os dois ainda existirem. Faz parte da vida de treinador estar sempre preparado e com as malas sempre feitas.» 

Pedro Russiano é um dos faróis do clube Foto: Lusitano Ginásio Clube.

Inspirado pelo histórico jogador e técnico eborense Dinis Vital, que teve passagens pelos dois clubes, Russiano transferiu-se para o Lusitano e os resultados dificilmente poderiam ser mais satisfatórios.

Se no Campeonato de Portugal (CP) os verde e brancos selaram o primeiro lugar que garantiu a qualificação para a fase de subida à Liga 3, na Taça o sonho comandou um percurso que apenas terminou em Braga, nos oitavos de final. Para trás ficaram Académico de Viseu, Estoril e AVS, todos vergados no velhinho Campo Estrela.

Lusitano de Évora tem sido uma das histórias da temporada (Foto Nuno Veiga/Lusa)

Para Pedro Russiano, a exigência dos adeptos é o combustível para uma temporada com apenas duas derrotas nos 16 jogos disputados em casa:«Esta época eliminámos três equipas das ligas profissionais, ainda fomos jogar a Braga, e exigiram sempre que nós ganhássemos esses jogos, mesmo contra equipas da Primeira Liga. Reviveram momentos de glória do clube.»

Por Évora, ainda muitos adeptos têm na memória o período mais dourado da história do Lusitano que registou 14 presenças consecutivas na Liga entre 1952/53 e 1965/1966.

Adeptos do Lusitano são braço armado do clube (Lusitano de Évora)

Esta época, os 14 golos sofridos pela turma de Pedro Russiano apenas são superados pelos registos de Fátima (12) e O Elvas (10), na série C. Ofensivamente, o Lusitano é a equipa mais concretizadora de todas as séries, com 57 golos marcados.

Ao analisar a campanha rubricada até ao momento pelos pupilos, Russiano frisa a importância das condições oferecidas pela direcção do Lusitano: «Cerca de 70% do plantel vive só daquilo que faz no clube e isso tem sido um dos grandes segredos, não haver muito mais distrações. Podemos treinar de manhã. Há poucos jogadores que trabalham e jogam ao mesmo tempo.» 

Uma das exceções é Miguel Lopes, melhor marcador da equipa e jogador com mais contribuições para golo do Campeonato de Portugal. O extremo que festejou a promoção à Liga 3 no final das duas últimas épocas, em Lourosa e em Santarém, divide-se entre os golos e a empresa de confeção e distribuição de pastelaria detida pela esposa.

«Como treinamos de manhã, a seguir ao treino venho e ajudo-a nas entregas, no que houver para fazer. Quando terminamos no final do dia vamos treinar. Só no clube não chega.»contou a A BOLA Miguel, que, mesmo neste ritmo, soma 13 golos marcados e 13 assistências esta época. 

Miguel Lopes e Pedro Russiano (Lusitano Ginásio Clube)

À semelhança de Pedro Russiano, Miguel Lopes também não esconde o objetivo do grupo de trabalho: «Subir e, se possível de ir, ao Jamor ser campeão. Este clube está perfeitamente preparado para ir à Liga 3, está a mais neste campeonato.»

Ainda assim, as condições de topo oferecidas ao plantel não evitam que de quando em vez surjam obstáculos inesperados no caminho. A três jornadas do final, na véspera da receção ao então terceiro classificado Louletano, 14 jogadores do Lusitano ficaram bastante debilitados devido a uma virose. Miguel Lopes foi um dos afetados, desmaiou e teve mesmo de receber assistência hospitalar. Mesmo assim cumpriu os 90 minutos na receção aos alarvios.

Para Pedro Russiano, a resposta dada pelo plantel desencadeou a maior história da época, superando o percurso do clube na Taça de Portugal: «Não tínhamos as mínimas condições, tentámos alterar o jogo e não conseguimos. Na manhã anterior, tivemos de suspender o treino e no dia seguinte, vários jogadores tiveram de levar soro. A equipa teve uma grande união e conseguiu vencer um jogo que era extremamente decisivo para as contas finais.»

O golo vitorioso a sete minutos do final pertenceu a Martim Águas, médio que carrega a pesada alcunha que outrora foi sinónimo de golos no Estádio da Luz, pelos pés do avô José, campeão europeu pelo Benfica, e do pai Rui, que festejou mais de 100 vezes pelos encarnados.

Terminada a fase regular, seguem-se seis jogos absolutamente decisivos para as contas da subida à Liga 3, frente a Fátima, O Elvas e Amora. Miguel Lopes não tem dúvidas que o Lusitano é a equipa «a abater», estatuto valorizado pelos jogadores. Já Pedro Russiano explica que a principal diferença para a segunda fase disputada pelos eborenses há duas épocas prende-se com o facto de, desta vez, todas as equipas terem como objectivo declarado a promoção.

«Vamos ter três equipas que apostaram muito para estar presentes no próximo ano na Liga 3. Perspetivo uma série muito mais competitiva do que há dois anos. Vai ser um campeonato à parte, sem nada a ver com a primeira fase» analisou, consciente que a história também vai entrar em campo. 

Pedro Russiano após o SC Braga-Lusitano de Évora (1-2) (Lusitano de Évora)

À semelhança do Lusitano, O Elvas representa o despertar de um Alentejo adormecido desde a descida do Campomaiorense da primeira divisão em 2001. As duas equipas investiram com a Liga 3 no horizonte, e pelo caminho surpreenderam o país com campanhas notáveis ​​na Taça de Portugal. 

Enquanto O Elvas apenas foi eliminado nos quartos de final frente ao Tirsense, o Lusitano caiu nos oitavos aos pés do SC Braga.  Pedro Russiano ficou com a sensação que podia ter feito ainda mais história: «Se fosse na nossa casa, podia ter sido diferente, mas foi um jogo bonito. Nos últimos 10 minutos encostámo-los às cordas.»

Rúben Amorim: de amigo a adversário especial

Depois de ter colocado Évora no mapa com a prestação na Taça, o Lusitano procura agora subir um degrau na pirâmide do futebol português. Para o fazer é necessário ultrapassar não só O Elvas, mas também o Amora, o primeiro clube de Pedro Russiano como treinador, que lhe proporcionou vários encontros com o futuro... do Sporting.

A 6 de janeiro de 2019, o duelo entre Amora e Casa Pia na jornada 16 da da Série D do Campeonato de Portugal proporcionou o reencontro entre Pedro Russiano e Ruben Amorim, companheiros das camadas jovens no Benfica durante sete épocas.

21 anos depois de terem seguido caminhos diferentes fora da Luz,- Russiano foi para o Vitória de Setúbal, enquanto Amorim foi para o CAC da Pontinha-, os dois defrontaram-se, já como treinadores principais. Um golo solitário de Joca aos 90+3 permitiu que Russiano conquistasse a primeira vitória no comando do Amora, por 1-0, naquele que seria o último jogo de Ruben Amorim no comando dos gansos.

Pedro Russiano permeneceu na margem sul do Tejo e na mesma época, viria a estrear outra peça fundamental no futuro leonino: Geny Catamo.

Seis anos depois, o atual treinador do Lusitano elogiou percurso ascendente do técnico do Manchester United: «Está numa tarefa extremamente difícil e decisiva para a carreira como treinador. Não tem de mostrar nada a ninguém porque fez um enorme trabalho no Sporting

Atualmente com 40 anos, Russiano dividiu anos de formação de jogador entre o Benfica, o Vitória de Setúbal e o FC Porto, onde foi treinado pela "referência" Vítor Pereira.

Pedro Russiano em Braga

Após oito temporadas, abrilhantadas por quatro jogos disputados na Liga, a aterroizar defesas adversárias, mas assolado por lesões, o antigo avançado adquriu formação superior em treino desportivo e começou a nova carreira em 2014/15 na Amora, como preparador físico.

Já depois de ter passado por todas as divisões como preparador físico, treinador principal ou adjunto, Pedro prioriza o hoje em relação ao amanhã, com os pés bem assentes na terra: «A vida de treinador é uma prova de resistência, não é uma prova de velocidade. Não é ao chegar o mais rápido possível lá acima que vais ter sucesso. Se puder fazer isso com as cores que represento agora, melhor.» 

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