Pelos caminhos do futebol CIF: o primeiro 'grande' do futebol português que sonha voltar à ribalta
No Pelos Caminhos do Futebol desta semana, A BOLA foi até ao Parque Florestal de Monsanto conhecer a história de um dos clubes mais importantes nos primórdios do futebol português, que rivalizou com Benfica e Sporting e que chegou a vencer... o Real Madrid
Se perguntarmos a qualquer pessoa quais são os «grandes» do futebol português, muito provavelmente, as respostas recairiam sobre os mesmos três clubes. No entanto, se a mesma pergunta fosse feita no início do século XX, entre as respostas possíveis, estaria certamente o nome do Club Internacional de Foot-ball.
Entre a paisagem verdejante do oásis lisboeta que é o Parque Florestal de Monsanto, está um clube centenário, com uma história riquíssima, recheada de troféus, e que chegou a bater o pé ao Sporting, ao Benfica... e ao Real Madrid.
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Fundado em 1902, a história do Club Internacional de Foot-ball, ou CIF, como é conhecido, inicia-se em 1892, ano em que nasceu o Club Lisbonense, como conta o ex-presidente do clube, Ernesto Teixeira: «O CIF nasceu em 1902, mas, na realidade, a história começa muito mais atrás, no Club Lisbonense, que foi fundado em 1892, pelos irmãos Pinto Basto, Guilherme Pinto Basto, o Eduardo Pinto Basto e o Frederico Pinto Basto, o Carlos Villar, o comandante João Costa e outros.»
«Em 1902, quando o Club Lisbonense sentia que não tinha capacidade para ombrear com o Carcavelos Club, que dominava tudo em Portugal, quem estava à frente do Lisbonense decidiu criar um clube para integrar estrangeiros também. Com isso, acabou o Lisbonense e começou o CIF, que nasce no dia 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição. O clube nasce com vários ingleses e elementos de outras nacionalidades. Por isso é que tem o nome Internacional», disse o ex-líder CIFista.
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Um clube pioneiro
A partir daí, o CIF esteve sempre na vanguarda do futebol luso. Para além de ter estado entre os clubes fundadores dos dois primeiros campeonatos nacionais que existiram, o CIF foi também um dos emblemas que esteve na génese da Associação de Futebol de Lisboa (AFL) e do Campeonato de Lisboa.
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«A primeira liga de futebol [Liga de Foot-ball Association], em 1906, é o CIF quem a funda. Um outro campeonato mais tarde [Liga Portuguesa de Foot-ball], que teve uma liga norte e uma liga sul, em 1908, é um outro CIFista que está na sua génese. E depois mais tarde, a Associação de Futebol de Lisboa, que é fundada em 1910, e onde o CIF está.... Aliás, o CIF é um dos três fundadores que ainda estão em atividade. É o CIF, o Benfica e o Sporting, os outros já desapareceram», contou o antigo dirigente, que nunca escondeu o orgulho ao falar da imensa história do «seu» clube.
Mas não foi só estar nos grandes momentos dos primórdios do desporto-rei em Portugal. O CIF assumia-se como uma verdadeira potência futebolística. Com os irmãos Pinto Basto e Carlos Villar (ambos ligados à introdução do futebol em Portugal) como grandes figuras da equipa, o CIF conquistou o primeiro Campeonato de Lisboa, em 1910/11, ficando à frente de Benfica – com quem empatou os dois jogos – e Sporting, que ficou em terceiro lugar e perdeu os dois encontros com os campeões lisboetas.
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Um fenómeno... em Espanha
E a grandeza do CIF não se restringia às fronteiras portuguesas. Corria o ano de 1907 quando os o emblema de Lisboa se tornou no primeiro clube português a jogar no estrangeiro. No Hipódromo da Castelhana, o CIF venceu por 2-0 o Madrid Foot-ball Club, conhecido hoje como... Real Madrid.
«O CIF foi jogar a Madrid, a convite Madrid Foot-ball Club. Jogaram na Castelhana, teve uma assistência de cerca de 10 mil pessoas e o CIF fez uma exibição muito boa, ficaram todos espantados lá em Espanha com a capacidade futebolística do CIF», começa por contar Ernesto Teixeira.
«O CIF ganhou 2-0, mas a história não acaba aí, porque o Real Madrid, mais tarde, em 1913, quis a desforra e dirigiu-se às instalações nas Laranjeiras, onde era o campo de futebol do CIF nessa altura. E o Real Madrid veio cá, mas não ganhou, empataram 1-1, pelo que o CIF continua a ter vantagem sobre o Real Madrid», acrescentou.
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Mas há mais. Dois anos depois de brilhar em Madrid, o CIF foi novamente convidado para voltar ao país vizinho para um torneio, desta feita em Badajoz. Com as tradicionais camisolas de listas pretas e brancas, o CIF apresentou uma equipa composta por jogadores portugueses e ingleses.
Perante cerca de quatro mil espectadores, a formação portuguesa dominou o Sport Club Bacense vencendo por 3-0, naquele que foi o primeiro troféu internacional conquistado por um clube português e mais uma página dourada na história do CIF.
A decisão que chocou Portugal
Contudo, na década de 20, tudo mudou. Com as equipas a ficarem cada vez mais profissionalizadas, o CIF tomou uma decisão que provocou um terramoto no mundo do futebol luso. Fiel aos ideais do amadorismo e do desporto pelo desporto, o clube lisboeta optou por retirar-se das competições oficiais. Uma escolha que perdura até hoje.
«O Benfica, o Sporting e outros clubes na altura começaram a ter outra filosofia do desporto. Começou a haver pagamentos. Primeiro começou com o pagamento dos bilhetes do elétrico, depois eram os lanchezinhos, depois paga-se o almoço. E os jogadores começaram a ser aliciados a mudarem de clube. E o CIF começa a ter uma sangria. Começa a ver os seus jogadores irem para outros clubes e começa a enfraquecer a sua atividade», referiu Ernesto Teixeira.
«Enquanto a competição foi amadora, o CIF foi-se mantendo. Mas chegou uma determinada altura em que a competição ganhou outro cariz. A situação já não era igual. E o CIF disse: 'Acabou, isto não pode continuar. Nós não podemos continuar por esta via’. É nessa fase que o CIF abandona as competições oficiais, em 1924», acrescentou o ex-presidente, que nem quer ouvir falar em profissionalizar o clube.
«Nunca. Impossível. Nós somos um clube dos sócios para os sócios, em que defendemos os ideais olímpicos e o desporto por desporto. Dentro do princípio do amadorismo puro» afirmou, apesar de admitir que o emblema lisboeta podia rivalizar ainda hoje com os «grandes» lusos, se tivesse optado por seguir outro caminho.
«Se o CIF tem optado por começar a pagar aos jogadores e entrar no profissionalismo, não sei se seria maior que o Benfica e que o Sporting, mas na altura, o CIF até era maior. O CIF simplesmente ficou pelo caminho porque não quis seguir essa via. É uma via diferente. Optou pelo amadorismo e o Benfica e o Sporting optaram pelo profissionalismo. São vias totalmente diferentes», afirmou.
O CIF de hoje
A história do CIF mudou, mas não acabou. Assente no apoio incansável dos sócios, dos anos 20 para cá, o clube tem superado todos os obstáculos para se manter vivo e continuar a ter sucesso em várias modalidades, nomeadamente, no ténis - tendo uma das maiores escolas do país -, no basquetebol – onde conquistou inúmeros títulos nas décadas de 60 e 70 – e no atletismo – tendo sido um dos principais emblemas da modalidade, até meados do século XX.
O museu do clube, repleto de taças, galardões e todo o tipo de títulos e conquistas, sob o olhar atento de todos os presidentes que fizeram parte da história do clube, espelha bem essa natureza eclética e vencedora do CIF, que tanto orgulha os sócios.
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Quanto ao futebol, hoje o CIF é um clube que aposta seriamente na formação das estrelas do amanhã, nas palavras do presidente Fernando Magarreiro: «O CIF é hoje um clube de formação. Temos benjamins, infantis e juvenis. São nesses escalões que nós damos a formação às crianças sócias do CIF, porque todas são sócias do CIF. Aqui fazem-se homens, fazem-se jogadores, e sempre dentro dos princípios do CIF, do fair play, do olimpismo, da amizade, é isso que nós tentamos preservar e cultivar.»
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«Temos uma academia com cerca de 500 alunos. A jogar futebol federado temos cerca de 200 alunos. Temos o gosto de formar crianças, jovens e queremos que joguem com todo o fair play, que é isso que nós queremos. É o nosso intuito», começou por dizer.
Como parceiro nesta missão, o CIF conta com o apoio do Sporting, numa parceria que dura há mais de 15 anos, como informou Fernando Magarreiro: «É uma parceria que existiu, que existe e que funciona para as duas partes. E temos todo o gosto em ser parceiros do Sporting. O Sporting, como uma equipa grande do futebol português, também tem os princípios dos quais nós nos revemos. E o Sporting também se revê certamente nos princípios do CIF. Daí surgiu esta parceria.»
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Eusébio, Manuel Fernandes e muitos mais
Além da formação, o CIF também se orgulha de ter o torneio amador mais antigo do país, onde participam 17 equipas compostas por sócios do clube (498 jogadores) e que este ano celebra a centésima edição.
Para o vice-presidente, Nuno Teixeira, esta prova é o que distingue o CIF dos restantes clubes: «O que diferencia o nosso clube é este torneio. Não existe outro torneio com estas características, com esta longevidade e com todo o enquadramento que este torneio tem. Por exemplo, o primeiro critério de desempate, que pode determinar o título de campeão, e que já aconteceu várias vezes, não é a diferença de golos entre as equipas, mas sim a disciplina. Ou seja, é uma vertente que se dá imenso valor aqui no torneio é a questão da disciplina, do comportamento dos jogadores em campo. É um torneio único.»
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Uma competição que conta com a disputa de um campeonato (com 34 jornadas), de setembro a junho, uma Taça e uma Supertaça, para além da Taça Disciplina, atribuída à equipa mais bem-comportada, e que, ao longo dos anos, já contou com a participação de algumas das grandes figuras do futebol nacional: «Havia uma equipa que participava aqui no torneio, que era a SOV, que em 10 campeonatos ganhava 9 e era fundamentalmente composta por ex-jogadores de Benfica e Sporting.»
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«Passaram por aqui jogadores como o Eusébio, o Manuel Fernandes, como o Humberto Coelho, por exemplo, como o Paulo Bento, o Dani, o Sá Pinto, como o Boa Morte, o Silas, o Dimas, o Rebelo, que ainda hoje está muitas vezes connosco nos encontros que fazemos aqui no final da época, é uma presença regular. É um torneio que tem uma grande história e que teve a honra de ter também esses ex-jogadores que fizeram parte da história do futebol português», lembrou.
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O futuro, sem esquecer o passado
Com um relvado sintético novinho em folha a adornar o Estádio Pinto Basto, vários courts de ténis prontos a ser utilizados, inúmeros espaços de lazer e condições de fazer inveja a clubes da primeira Liga, os planos do presidente Fernando Magarreiro e da atual direção passam por melhorar ainda mais as instalações do clube, consolidá-lo no panorama nacional e dar a conhecer o CIF.
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«Objetivo é consolidar a posição do CIF no desporto local, municipal e nacional. As pessoas vão conhecer o que é o CIF. Há muito interesse no CIF, que esteve sempre na vanguarda do desporto e é isso que queremos manter. Cerca de 20 mil pessoas frequentam o CIF por mês. É muita gente, é muito desporto aqui praticado. Muitos pais cá vêm, é um clube de gente jovem, e os pais frequentam muito o clube porque também se sentem bem em ficar aqui. O CIF é para ficar, dinamizar e pôr o CIF um pouco maior do que já é», afirmou o líder CIFista, sem esquecer os ideais do clube.
«O profissionalismo leva a muita competição. A competição leva a muito fervor, a muitas confusões, querelas, e os meus antecessores não se reviam nesse tipo de querelas, nesse tipo de guerrilhas. O amadorismo leva a que as pessoas se deem todas bem com amizade, e joguem o futebol pelo futebol, o ténis pelo ténis, o desporto pelo desporto, e não haver aqui outros interesses fora do desporto», considerou.
«É isso que nós queremos manter, foi decidido pelos meus antecessores e acho que é para ficar. Pelo menos, não vejo aqui outro rumo num futuro próximo», terminou Fernando Magarreiro.
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Um centenário a olhar para o futuro, sem esquecer um passado glorioso, em que teve uma preponderância enorme no início da prática futebolística em Portugal, chegando a tocar o Olimpo do futebol luso, como afirmou Ernesto Teixeira: «O CIF foi o primeiro grande do futebol português, disso não há dúvida.»