Entrevista A BOLA A história de quem foi para Manchester cozinhar para Rúben Dias
Diogo Prego mudou a vida no ano passado, quando aceitou o desafio do internacional português de se tornar no chefe pessoal do ex-jogador do Benfica, clube que o cozinheiro apoia
O que é que Rúben Dias come ao almoço? Num dia, pode ser salmão com feijão verde e um puré de batata doce e coco. E ao jantar? Bife tomahawk com arroz de forno, espargos e maionese de alho negro. Entre refeições, ainda pode haver bolachas de aveia caseiras ou bolo de mel e azeite. Desde março de 2024, o responsável por esta dieta é Diogo Prego.
«Fui contactado por alguém da equipa dele, que me perguntou se estaria interessado em trabalhar como chefe privado a tempo inteiro para um jogador de futebol, em Manchester. Mas não me disseram logo quem era», conta o chefe profissional a A BOLA, que ainda questionou quem seria o cliente mistério.
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«Havia uma série de hipóteses, temos alguns portugueses a jogarem aqui, o Bruno Fernandes ou o Diogo Dalot no Manchester United, e o Bernardo Silva, o Matheus Nunes e o Rúben no City.»
«Estive dois dias a cozinhar na casa dos pais do Rúben»
Diogo fundou uma empresa de chefes privados há pouco mais de cinco anos, a Golden Chefs, cujas responsabilidades adiaram a revelação do futebolista em causa: «No final do verão [de 2023], voltaram-me a ligar e aí já me disseram que o jogador era o Rúben Dias, que depois me ligou diretamente.»
O próximo passo foi o chefe fazer uma entrevista de emprego, no mínimo, peculiar. «O que ficou combinado foi eu ir a casa dele e fazer uma espécie de um teste, uma entrevista com a família dele, com os pais e o irmão, porque ele nessa altura não estava em Portugal, estava a jogar o início de época em Manchester. E estive dois dias a cozinhar lá em casa.»
Claro que o teste foi passado com sucesso, e olhando para os pratos que Diogo publica na sua conta de Instagram – tais como salmão teriaky com vegetais e arroz nori ou raviolis com recheio de abóbora e queijo gorgonzola –, onde já tem mais de 100 mil seguidores, não é difícil perceber porquê.
Também ajudou o facto de Diogo ser natural de Évora: «Foi uma das coisas importantes que ele teve em conta. O pai dele tem raízes alentejanas também e acho que se criou aqui uma ligação ainda mais forte por esse aspecto. Além de que a cozinha alentejana é a melhor cozinha de Portugal.»
O acordo entre os dois ficou praticamente selado quando Rúben aproveitou uma pausa para os jogos de seleções para conhecer a cozinha de Diogo em primeira mão. «Ele voltou-me a ligar para eu cozinhar para ele, e cozinhei, para ele para os pais e para o irmão também. Criou-se logo ali uma dinâmica muito engraçada e vimos os dois que isto podia ser uma parceria de sucesso e que resultaria. Fechámos as coisas aí e depois foi só o tempo de tratar das burocracias e ver quando é que se iria começar efetivamente a trabalhar aqui.»
«Passo mais tempo com ele do que com a minha mulher»
Diogo vive então há pouco mais de um ano em Manchester, aproveitando o verão para continuar o trabalho na Golden Chefs, e neste curto espaço de tempo, os dois já «criaram uma amizade engraçada». E ainda bem, porque ao início, Diogo nem com a mulher foi e estava prestes a ter uma pequena surpresa.
«Quando recebi a proposta do Rúben, soube também umas semanas antes que a minha mulher estava grávida. Então foi aqui um misto de emoções. O que é que vamos fazer? Vamos mudar de país? Vamos ser pais? Vai ser tudo ao mesmo tempo? E foi uma aventura engraçada.»
Agora, Diogo já vive com a família em Inglaterra, mas mudou-se inicialmente sozinho para lá, acabando por aproveitar a companhia de Rúben Dias... e vice-versa. «Acabávamos por ser só nós os dois aqui. Ele também estava sozinho, eu estava sozinho e fazíamos companhia um ao outro. Eu faço as refeições todas com ele. Acabo por almoçar e jantar sempre com ele. Até passo mais tempo com ele do que com a minha mulher.»
O dia a dia depende de Pep Guardiola
Um chefe privado tem de fazer muito mais do que somente preparar a comida (o que, por si só, também não é fácil, desde guardar as cascas de vegetais ou restos de carne para fazer caldos, a cozinhar granola caseira ou a fazer esparguete de raiz). Antes disso, é preciso esperar pelo plano de treinos de Pep Guardiola.
«Entre sábado e domingo o Rúben envia-me o plano de treinos da semana, eu pego nele e faço um plano de refeições semanal», explica Diogo, «qual é a sopa que vou fazer, os snacks, que sumos é que vou fazer também, almoço, jantar, com acompanhamentos sempre diferentes, tentar sempre equilibrar entre frango, bife e algum tipo de peixe ou marisco, as barrinhas de proteína, bolachas de proteína, uma série de coisas».
Feito o plano, Diogo faz algo que, há uns anos, parecer-lhe-ia surreal: ir às compras com o central tetracampeão da Premier League, o chefe que até é adepto do Benfica.
«Eu levanto-me sempre cedo para ir às compras. Tenho um talho aqui ao lado de casa, tenho uma peixaria, temos um supermercado português também que usamos bastante, de vez em quando pega-se no carro e vamos lá, até costumamos ir os dois para fazer algumas compras, comprar alguns produtos típicos portugueses que fazem falta.»
Em casa do jogador, Diogo admira a vista do 34.º andar sobre a cidade e faz sempre o almoço, a servir entre o meio-dia e as 14.30 horas, e o jantar, normalmente marcado para as 19.30 horas.
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«Uma pergunta que me fazem muito é se eu conto os macronutrientes e as calorias. Não, não é necessário», revela: «Uma pessoa, um atleta do nível do Rúben, com o metabolismo que ele tem, com a quantidade calórica que ele gasta, achámos que não era necessário contar os macronutrientes.»
Ainda assim, o cozinheiro «está sempre em contacto com o clube, a nível nutricional», fazendo inclusive uma análise sanguínea: «O Rúben envia-me as análises que fazem ao sangue para vermos que vitaminas estão em alta, em baixo, os suplementos que é preciso tomar, sempre naturais. Tentamos sempre ir buscar à alimentação e nunca tomar grandes suplementações que não sejam naturais.»
Até porque o jogador de 27 anos «não é aquela pessoa que toma um batido de proteína todos os dias. É melhor fazer um sumo de frutas com alguns ingredientes-chave».
Ligação estende-se ao Estádio Etihad
Os dias de jogo são sempre diferentes para Diogo Prego. Desde logo, a alimentação de Rúben Dias tem de ser diferente - «tentamos que não coma legumes e que a dieta seja rica em hidratos de carbono. Isso é uma das informações que o clube passa» - e Diogo aproveita para ver todos os jogos caseiros do Manchester City ao vivo.
«O Rúben faz questão que nós, eu, a minha mulher e a minha filha, que vamos todos aos jogos para apoiar. São ali mais três pessoas... duas e meia que ela ainda é muito pequenina, mas tem ali mais três apoiantes», conta Diogo, com um sorriso na cara, «o Rúben tem sido um anfitrião espetacular».
O caminho para o estádio é pedonal e Diogo afirma que «o pessoal vai todo a pé, é uma cidade plana e é uma caminhada engraçada aqui por um dos canais de Manchester». À vinda, a viagem já é feita na companhia de Rúben Dias, até porque os dois moram no mesmo prédio, estando o chefe 15 andares abaixo do jogador.
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«Em dias de jogos cruzamo-nos muitas vezes com o resto da equipa», continua, ele que ainda não conheceu Guardiola, mas que já teve oportunidade de conviver várias vezes com os outros portugueses da equipa. «Já fomos jantar a casa do Bernardo Silva e ele e o Matheus Nunes já vieram cá a casa também.»
De Jan Vertonghen a defesa do Liverpool
O mundo do futebol é enorme e a fama de Diogo Prego já se estende pelo mesmo, ele que já teve clientes ligados ao maior rival do Manchester City na Premier League nos últimos anos, o Liverpool.
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«Já cozinhei para o Andy Robertson e neste verão vou fazê-lo outra vez», revela: «Como é fora da temporada, ele está de férias, é uma mentalidade diferente, está muito mais relaxado. O que ele quer é manter a boa alimentação também nas férias. Ele é uma pessoa muito simples e a família é espetacular. Eles têm casa no Algarve e passam ali boa parte das férias.»
Diogo também já conheceu quase toda a família de Van Dijk... exceto o próprio jogador: «Eles também estavam de férias, mas acabei por não apanhá-lo, porque ele estava numa corrida de Fórmula 1.»
Para fechar o trio de defesas, Rúben Dias não é o único ex-Benfica para quem Diogo já cozinhou: «Trabalhei muito e cozinhei muito para o Verthongen quando ele estava no Benfica. Ia muitas vezes de propósito a Lisboa cozinhar para ele.»
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Sabe qual é a comida que Rúben Dias menos gosta?
Com a conversa a findar, não se pôde deixar de falar das comidas que Rúben Dias gosta mais e menos, algo que Diogo Prego revelou numa série de respostas rápidas.
— Qual é o prato favorito de Rúben Dias?
— Bacalhau à brás.
— E qual é o alimento que ele menos gosta?
— Ervilhas, já tentei e não dá.
— Qual é a comida que o Rúben mais gosta, mas que não devia comer?
— Talvez aquelas bolachinhas banhadas a chocolate de um lado, mas como sou eu que vou às compras, raramente ele as apanha cá em casa.
— Qual é a sobremesa favorita dele?
— Um bolo de banana que eu faço.
Por fim, o chefe não tem dúvidas: ao juntar a paixão profissional ao amor que tem pelo futebol, sente-se um sortudo. «Às vezes estou lá no 34.º andar, olho assim pela janela e penso como é que eu consegui aqui chegar? Estou a cozinhar para um dos melhores jogadores de futebol do mundo, na melhor equipa do mundo, na melhor liga do mundo. Às vezes faço assim uma chamada à terra.»