Espaço Universidade O milagre leonino (artigo de José Antunes de Sousa, 88)
Já chega quase à dúzia e meia o número de pontos amealhados pelo Sporting nos últimos momentos de jogo. Mas porquê? Bem, o tempo, do ponto de vista cosmológico, é uniforme, mas, quando considerado no plano psicológico, ele é variável e multiforme - depende do modo como é vivido e experienciado. Assim, o tempo do fim enquanto para uns é um tempo que passa depressa de mais, para outros é um tempo que nunca mais passa: em ambos os casos, porém, o mesmo medo de perder a tonificar a vivência deste tempo tão especial - há até na Teologia um capítulo com o nome de Escatologia (tratado do fim dos tempos).
Mas dá para ver que o Sporting tem um modo especial de viver este tempo apertado dos últimos instantes: o grupo está firmemente instalado na crença de que o tempo da expiração é o tempo privilegiado da inspiração. Enquanto que para os rivais o tempo do fim se exprime em conformidade com a lógica do kronos (o tempo que passa), para o grupo de trabalho do Sporting Clube de Portugal esse tempo, intensificando-se, como que se imobiliza e se lhes oferece como o tempo favorável- é a oportunidade para executar a vítima com o soco na nuca, como se faz aos coelhos, é, enfim, o tempo do milagre ao qual o seu estado mental e emocional se adequou, fundado na coerência subjectiva da cadeia dos factos.
Razões para esta teimosa persistência do milagre dos últimos instantes, quando já ninguém acredita senão eles? Vejamos algumas:
1. A memória replicativa do precedente bem-sucedido. O nosso cérebro está configurado para acolher os impulsos veiculados pelo sulco sináptico e repetir o que de agradável sucedeu no passado - é isso que explica sequências vitoriosas de certas equipas, como se de um vício se tratasse.
2. Uma motivação endógena: a força motriz da instituição ancora-se no lastro das virtudes internas e não depende do movimento oscilatório das circunstâncias externas (exemplo: a desculpa da covid-19).
3. A unidade mental e emocional do grupo: todos os seus membros incondicionalmente instalados na crença do sucesso: a congregação proposital de um grupo liberta uma força inexpugnável.
4. Há duas vias cognitivas: a mente (cabeça) e a intuição (coração): estes jogos decididos in extremis é o coração que os ganha, não é um qualquer raciocínio lógico da cabeça. Por isso e mui avisadamente o treinador atribui essas vitórias ao coração e não a uma qualquer competência táctica.
5. À luz dos mais recentes contributos da mecânica quântica, não é real a dimensão espacio-temporal, constituindo apenas o modo como percepcionamos as coisas na sua sucessividade e discorremos, supondo, em clima fenomenológico, um discursivo nexo de causalidade entre elas e os eventos - porque, a um nível mais subtil, tudo acontece de uma vez e em simultâneo: o grupo não pensa que é feliz, mas, simplesmente, sente-se feliz. E bem sabemos que as equipas felizes ganham mais vezes! Ter crença é sentir e dar por adquirido aquilo que pela vontade se busca. Unidade na fé, isto é, na presença do que, à luz da razão, parecia ausente- eis a mecânica da reincidência do milagre leonino.
6. O treinador, a partir de um estado de inabalável auto-convicção pessoal, irradia confiança através de uma liderança endógena e magnética, conseguindo, deste modo, a socialização da crença (estrutura, grupo de trabalho, sócios, adeptos), crença que, no dizer de Norman Cousins, “gera biologia”, que o mesmo é afirmar que a fé constrói a nossa própria realidade.
José Antunes de Sousa
Doutor em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa