Espaço Universidade O basquetebol português – Que comunicação em tempo de crise? (artigo de António Pereira)
O basquetebol português já passou por algumas crises na sua história, mas esta crise tem características próprias, o que nos leva a pensar que as consequências que podem vir a ter, na Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB), Clubes, jogadores, treinadores, juízes e nas competições nacionais, pode ter o impacto que nenhuma teve.
Os clubes de basquetebol em Portugal dependem de orçamentos que são ajustados anualmente, andando para cima ou para baixo em função da capacidade de atrair patrocinadores, e de outros fatores. Os atletas, na maioria dos casos, têm contrato por 9 ou 10 meses. Raros são os que têm contratos anuais ou por mais do que um ano.
O número de adeptos que veem um jogo ao vivo é em média de 585 pessoas, ao fim da 1ª volta do Campeonato da Liga Placard. Pela positiva temos que alguns clubes apresentam números interessantes de adeptos nas suas bancadas e a Taça da Liga, em Sines, também apresentou uma moldura humana de relevo.
Com a suspensão das diversas competições, o basquetebol desapareceu da televisão, que tem sido o meio preferencial da comunicação da FPB. A comunicação social escrita fala mais da NBA do que o basquetebol nacional, sendo que este não produz factos relevantes que permitam criar noticias.
Já se percebeu que o impacto desta pandemia vai ter um choque enorme no mundo empresarial, sendo ele de maior ou menor peso em função do tempo de duração que necessitarmos de nos manter em isolamento social, sendo que no desporto as consequências são de certa forma imprevisíveis.
Vender o jogo de basquetebol não é o mesmo que vender um produto e ter margens de venda. Os adeptos vão ver um jogo de basquetebol se o jogo lhes proporcionar emoção, alegria, entusiasmo, espetáculo, e para muitos que o seu clube ganhe. Isto não é algo que uma empresa comum possa fazer.
O desporto sempre proporcionou uma forma de escape e de descanso em momentos de crise e dificuldade. É preciso que jogadores e treinadores inspirem os seus adeptos mais do que nunca.
Assim, a questão que se coloca é: como vamos comunicar com os adeptos em tempos de crise?
Comunicar num cenário em que não há competições, ou seja, em que não há jogos, obriga a comunicar 100% através dos meios digitais, lutando pela atenção dos adeptos, alvos de milhares de mensagens que procuram a sua atenção.
Comunicar digitalmente é compreender os desejos e as necessidades dos adeptos, principalmente dos mais novos, os nativos digitais que nem conhecem outra realidade que não seja a da internet. Estes estão dependentes dos seus smarthphones, e passam cada vez mais tempo a consumir informação ilimitada e a experimentar novas sensações.
É natural que as pessoas estejam indecisas sobre como ocupar o seu tempo. Daí, o aumento de consumo de dados, refletindo o aumento do tempo despendido nas redes sociais, nos jogos online (gaming), visualização de pequenos vídeos e leitura de notícias procurando responder à necessidade das pessoas se entreterem.
Com o passar do tempo, é natural que a ansiedade aumente de dia para dia. Os adeptos estão desejosos de comunicarem com os atletas e estes, consumidos pelo seu tédio, devem estar disponíveis para criar uma relação com os seus fans. É preciso alimentar os adeptos famintos de ver a bola a entrar no cesto.
E como é que os jogadores podem comunicar com os adeptos enquanto não voltam ao campo de jogo? Os adeptos gostam de saber o que é que eles fazem, como ocupam o seu dia, que jogos de vídeo jogam, que tipo de refeição cozinham, que programas de televisão veem. Estes conteúdos são conteúdos de divertimento e ajudam o atleta a criar uma relação de empatia com os adeptos.
Neste momento, começamos a habituarmo-nos a estar em casa e a trabalhar a partir dela, gerindo o receio que é o de viver num ambiente de pandemia, sendo preciso um plano de comunicação que desenvolva histórias com que nos identifiquemos; histórias inspiradoras; historias coerentes com o momento que estamos a viver; histórias que contribuam para o bem comum; histórias que mostrem o melhor das marcas patrocinadoras da FPB e clubes; entrevistas com atletas; momentos de vitórias; momentos que reflitam recordes (mais triplos num jogo, mais ressaltos num jogo, numa época, por exemplo); emoção; que inspirem; com humor; vídeos do passado; imagens dos bastidores; campanhas de sensibilização que mostrem um compromisso social, que acrescentem uma dimensão humana de quem comunica e que podem estar associadas a programas de responsabilidade social.
Agora, é o tempo da imaginação e do bom senso de quem produz conteúdos e de quem gere as redes sociais da FPB e clubes. As organizações que não investirem no digital poderão vir a arrepender-se porque a melhor maneira de chegar aos adeptos durante esta crise é mesmo através das redes sociais e da comunicação digital.
Até porque a comunicação com os adeptos não pode nem deve parar quando a pandemia passar. As relações que conseguirmos criar nesta fase, ajudarão a criar uma relação forte e duradoura com os adeptos, tornando o basquetebol um desporto de referência.
Sempre defendi que o Basquetebol Português devia ser gerido como uma marca inserida na indústria desportiva. Essa seria agora uma mais-valia em vez de termos quase desaparecido do mapa de notícias e da televisão.
A FPB, para além da sua missão e visão, precisa de um propósito e tem de ter em consideração que há diversos basquetes (basquetebol masculino, feminino, formação masculina, formação feminina, masters, basquete em cadeiras de rodas, minibasquete, 3x3) e dentro de cada sector existe ainda subsetores, daí haver necessidade de ter diversos planos estratégicos e diversos planos de marketing e comunicação. Cada sector tem os seus adeptos e não podemos comunicar da mesma forma, sendo, assim, essencial criar conteúdos relevantes para cada sector e por cada competição.
O basquetebol parou por agora, deixando um vazio nos adeptos que apreciam e vivem o basquetebol com paixão e são, por natureza, «sedentos» de conteúdos. O basquetebol português necessita de cumprir com um dos maiores princípios do desporto; “proporcionar momentos de escape, de descanso, de emoção”, adotando uma atitude proativa e solidária neste momento de dificuldade e crise como o que vivemos.
A única coisa mais contagiosa do que o COVID-19 é a esperança de que o basquetebol se pode reinventar e tornar-se numa modalidade relevante, através de uma comunicação inovadora e pertinente, indo ao encontro dos desejos, necessidades e ambições dos adeptos, agradecer aos seus patrocinadores e parceiros e prestar um serviço a todos os restantes stakeholders do basquetebol.
António Pereira
António Pereira, é um ex-jogador e ex-treinador de basquetebol, tendo desenvolvido a função de scouting durante vários anos. É licenciado em Comunicação Organizacional com as especialidades de Comunicação de Marketing e Comunicação de Relações Públicas, Mestre em Marketing e Comunicação e escreve sobre Gestão do Desporto, Marketing e Comunicação do Desporto no blog https://apbasketball.blogspot.com/ , https://ideiasparaobasquetebol.blogspot.com/ entre outros.