A dopagem como comportamento desviante (artigo de Vítor Rosa, 160)

Espaço Universidade A dopagem como comportamento desviante (artigo de Vítor Rosa, 160)

ESPAÇO UNIVERSIDADE29.07.202120:25

“Escrever sobre doping é correr o risco de pisar terrenos lamacentos, nos quais os pés se afundam a cada passo” e “é mergulhar num mar de questões que ficam, muitas delas, sem resposta”, advertem Melo e Azevedo (2004, pp. 11 e 137). A dopagem (doping, em inglês) é um fenómeno social de grande escala. O dicionário on-line da Cambridge refere que é “o ato de dar a uma pessoa ou animal medicamentos para que tenham um melhor ou pior desempenho numa competição”. Prejudicial para a saúde e infração à regra, é considerada um “mal” do século XXI. Atualmente, a dopagem tem um significado bastante mais abrangente do que há alguns anos.
 

Como prática “desviante”, diria Becker (1995), a questão da dopagem coloca às ciências sociais dificuldades acrescidas. Basta, para isso, recensear a fraqueza dos métodos habituais mobilizados pelo sociólogo para apreender as práticas sociais (entrevistas, inquérito por questionário, observação direta e participante). No caso do atleta, a apreensão da dopagem passa, essencialmente, pelo corpo (produto injetado, absorvido, consumido, etc.). O corpo passa a ser o “testemunho”.
 

As estatísticas sobre a dopagem apresentam forças e fraquezas, simultaneamente, pois funcionam pela totalização ou pela redução da realidade. Se aceitarmos que possa haver “interesse no desinteresse”, como sublinhava Bourdieu (1997, p. 148), para se analisar a dopagem convém partir dos interesses e das posições dos diferentes atores sociais. O contexto da dopagem nos atletas desenvolve-se no contexto de uma sociedade dopada, acostumada ao consumo generalizado de medicamentos, suplementos alimentares, vitaminas e outras substâncias, estimulando a performance quotidiana. E é preciso não esquecer que a competição desportiva, exprime a possibilidade de uma harmonia entre o corpo e o espírito, entre o jogo e o rigor moral, entre a competição e a solidariedade, entre a cultura e o povo. O desporto de alto rendimento é apenas uma faceta; a mais mediática. Inserida no comportamento desviante, a dopagem solicita uma reflexão ética. O termo “desviante” possui um sentido mais abrangente do que o de delinquência. São qualificados de “desviantes” os comportamentos que transgridem as normas aceites por um determinado grupo social ou por uma determinada instituição. Esta categoria inclui os atos sancionados pelo sistema jurídico-policial. É preciso ter sempre em atenção à questão: quem dita as regras? Sabemos que as normas sociais são influenciadas pelas divisões de classe e de poder.
 

Segundo Durkheim (1984 [1893]) e Giddens (2004), o desvio é necessário para a sociedade. Ele tem uma função adaptativa, isto é, é uma força inovadora, que impulsiona a mudança através de novas ideias e desafios na sociedade, e promove a manutenção de limites entre comportamentos “maus” e “bons” na sociedade. 
 

Muitos textos apoiam-se sobre o pressuposto que é preciso erradicar a dopagem. Para isso, muitos projetos oscilam entre a educação e a repressão. A repressão assenta como ação amplamente representada, dado que a dopagem constitui uma infração, um ato delituoso, mas também uma falta de ética desportiva. Assim, os dopados são explicita e sistematicamente considerados como os batoteiros e que sanções exemplares devem ser tomadas. A dopagem é apresentada como uma prática capaz de destruir o desporto, o que permite explicar a razão de se afirmar nos textos que os atletas arriscam a sua vida, recorrendo aos produtos proibidos. A mensagem implícita do “desporto puro”, o das “origens”, trufado de valores paradisíacos e idealizados do olimpismo, não pode contemplar tais práticas.
 

A dopagem não é uma ação puramente pessoal. Existem fatores sociais externos que exercem uma influência fundamental no comportamento dos atletas. Por outro lado, a atitude dopante traduz-se numa relação liberal relativamente ao corpo. O recurso aos produtos dopantes pode ser considerado como um uso social de drogas. Neste caso, em particular, o indivíduo não procura escapar à realidade do mundo social, mas, sim, integrar-se numa sociedade considerada concorrencial, constituída de provas a ultrapassar.

Referências

Becker, H. (1995). Outsiders. Métaillié.

Bourdieu, P. (1997). Méditations pascaliennes. Seuil.

Durkheim, É. (1984 [1893]). The division of labour in society. Macmillan.

Giddens, A. (2004). Sociologia. Fundação Calouste Gulbenkian.

Melo, A., & Azevedo, R. (2004). Doping: a triste vida do super-homem. Publicações Dom Quixote.

Vítor Rosa

Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa

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