Reportagem A BOLA: O 'chef' Guram vai torcer por Portugal

Europeu Sub-21 Reportagem A BOLA: O 'chef' Guram vai torcer por Portugal

INTERNACIONAL01.07.202300:28

«Passei em Portugal os melhores 20 anos da minha vida», diz, emocionado. Pede, de seguida, uns segundos para acalmar as emoções. Não quer chorar, até porque quer contar, já de sorriso rasgado, as muitas histórias que o ligam ao nosso País. Chama-se Guram Baghdoshvili. É o chef Guram, reconhecido cozinheiro georgiano que se apaixonou por Portugal no final da década de 90. Voltou à terra natal em 2016 para viver e é dono de seis restaurantes: cinco na capital Tbilissi e um em Batumi.


«Não era famoso aqui em Tbilissi, mas era o chef do restaurante mais caro do país. Nos anos 90 sofremos uma guerra civil, com a declaração da República Autónoma da Abecásia e não só. Os russos apoiaram e criaram um político sujo como eles sabem fazer. Sempre. Quando começou a guerra havia balas perdidas por todo o lado e passou a não haver restaurantes com esplanadas ou terraços. Era tudo em caves. Era chef de um restaurante onde se pagava 50 euros só para entrar. Então juntei um bom dinheiro e fiz uma viagem pela Europa. Quando cheguei a Portugal senti que tinha chegado à Geórgia. Era tão próximo de mim, tão igual…», conta-nos, orgulhoso.


Ficou por Lisboa os três meses que o visto de turista lhe permitiu. Conseguiu prolongar a estada por mais seis meses. Anos mais tarde apareceu uma viagem para o Porto para acompanhar o presidente da Canicultura de Leste a um evento: «Cheguei quando estava a anoitecer. Olhei para Gaia e pensei: ‘Que feio que isto é’. Depois virei-me e olhei para o Porto e pensei: ‘Quero viver ali’.»

Esteve 15 dias no Porto. Fez amizades. Voltou para Lisboa. Despediu-se do trabalho que tinha, fez a mala e foi viver para a Invicta. Ficou por lá mais de sete anos. Foi lá que ganhou gosto pelo futebol, mesmo dizendo que nada percebe: «Não sou especialista de bola. Aprendi a beber vinho em Portugal, apesar de ser da terra do vinho, e, por ter amigos jogadores de futebol, obviamente gosto de bola. Sendo o Porto a minha cidade obviamente tenho de ser portista. Propositadamente não vejo um jogo. Só via os Mundiais. Ia ver os jogos nas praças, sentava-me e torcia por Portugal.»


O chef Guram está a torcer pela Geórgia? «Não! Torço por Portugal e gosto de Portugal. A Geórgia perdeu muita qualidade no futebol nos anos 70. No râguebi, sim, torço pela Geórgia, sou o chef da seleção e gosto do desporto. Comecei a gostar do ambiente à volta do futebol por causa dos amigos com quem me dava em Portugal», assume, antes de projetar o jogo de domingo: «Adoraria ver os ingleses todos derrubados como baratas tontas. Portugal relaxou no primeiro jogo com a Geórgia e, se calhar, não esperava, porque quando és maior e vais para um país do terceiro mundo pensas que facilmente derrubas o teu adversário. Nunca o valorizas. E foi esse o caso. Gostava muito que Portugal e a Geórgia se encontrassem na final….»


Bem, esse desejo não será possível de concretizar Guram. Ambas as seleções só se conseguirão voltar a encontrar nas meias-finais, mas antes Portugal terá de vencer Inglaterra, em Kutaisi. E, na capital, hoje, a Geórgia tem de eliminar Israel.

Bacalhau fedorento e frango à Guia
«O meu primeiro Natal em Lisboa foi na casa da Elsa Gervásio na Ericeira. O pai dela era presidente do clube de lá. Foi um Natal com lareira e bacalhau fedorento, nem conhecia o produto», afirma o chef Guram, entre gargalhadas, reforçando:

«Depois conheci uma senhora numa noitada de Lisboa, no Bairro Alto, a dona Fátima, moçambicana, que me convidou para cozinhar num espaço que tinha junto ao Castelo de São Jorge. Mas não nos entendíamos a falar. Falávamos com as mãos… Pagava-me 400 contos [€2 mil] e só fazia jantares. Descobri o bacalhau e fiz khinkali [prato georgiano] de bacalhau. Uma espécie de bolsinhas tipo ravioli com um refogado de cebola e pimento e bacalhau no recheio. E a dona Fátima adorou. O bacalhau passou a ser uma paixão, não à primeira vista, mas à segunda colherada.» No Porto, cozinhou na Ribeira e na Foz.

Entregou refeições na prisão de Custóias e deu formação na ITAU, em Aveiro. Seguiu-se o Algarve, onde entre 2007 e 2016 cozinhou para «meio mundo». Voltou à Geórgia para chefiar o primeiro hotel Hilton do país, na zona turística de Batumi. Levou com ele o frango à guia do Algarve, que faz parte da ementa dos seis restaurantes que tem na Geórgia. «Na minha gastronomia é muito evidente a influência portuguesa. Converti muitos pratos que hoje fazem parte das nossas ementas.»


Chveni, significa 'nosso', foi o primeiro restaurante que abriu. Vai mantê-lo mesmo quando no final do ano voltar a viver em Portugal. O chef Guram quer cozinhar no Alentejo no projeto que é o sonho de uma vida.