Entrevista A BOLA: «Fui campeão em 1974 e despedido na véspera da final da Taça»

Sporting Entrevista A BOLA: «Fui campeão em 1974 e despedido na véspera da final da Taça»

NACIONAL23.06.202318:52

Em entrevista a A BOLA, Mário Lino falou sobre a passagem pelo banco do Sporting como treinador,  depois de várias épocas nos leões como jogador.


Para um jovem de 19/20 anos, como foram os primeiros tempos de Sporting, com a mudança para Lisboa?
- Era um mundo totalmente novo. Bastava sair dos Açores e vir para o Continente para sentir a alteração. O meu primeiro contacto com o Sporting foi em 1956, a 10 de  Junho no dia da inauguração do antigo Estádio José Alvalade. Já estava no Lusitânia, que é filial do Sporting,  e vim representá-lo, com outro colega. Era o porta-estandarte e estava longe de imaginar que dois anos depois viria para o Sporting através daquela exposição que tive oportunidade de explanar.


- Lembra-se do seu primeiro jogo pelos leões?
- Foi um jogo particular contra o Ericeirense. Estava no serviço militar, havia a seleção militar, participava no campeonato das Forças Armadas e os primeiros tempos de Sporting foi no convívio, também, com essa realidade.


-Fez agora 59 anos da conquista da Taça das Taças. Como foi essa caminhada?
- Não foi fácil. Foi um êxito extraordinário. Naquela altura havia um espírito de grupo muito forte mas também havia capacidade técnica da maioria dos jogadores para se puder fazer aquilo que se fez.


- Foi a sua maior conquista como jogador?
- Tenho várias conquistas de bom nível mas essa é marcante. Tive a felicidade de mais tarde, como treinador não sendo vencedor ter sido afastado,  na mesma prova, pelo Magdeburgo. Nessa altura, em 1973/1974, podíamos muito bem ter ido à final da Taça das Taças e repetir o êxito como treinador.


- Nessa caminhada, a seguir ao jogo com o Apoel, saiu da equipa. Porquê?
- Opções técnicas. Fazia parte do plantel mas não estava nas primeiras opções. Mais tarde, dei valor a essas decisões porque, como treinador, tem de se arranjar soluções para ganhar. Mas quando me perguntam se joguei na Taças das Taças, respondo: ‘se fores à maior goleada da prova [16-1 ao Apoel], vais ver se joguei ou não’.


- Como viveu os 5-0 ao Manchester United?
- Isso foi espetacular porque o Man. United da época era de grande nível. Tinha três Bolas de Ouro: George Best, Bobby Charlton e Dennis Law.


- Osvaldo Silva, que fez exibição majestática diante do Man. United, foi o melhor com quem jogou?
- As épocas têm as suas distâncias e o melhor com quem joguei foi José Travassos. Estive dois anos com ele, já no final da sua carreira mas ainda era fora de série. Não foi por acaso que foi à seleção da Europa. Dos Cinco Violinos joguei com o Vasques e com o Travassos e um deles foi meu selecionador: Fernando Peyroteo.


- Como viveu, ainda que fora de campo, a finalíssima com o MTK Budapeste?
- Os nervos nos jogadores ou nos ex-jogadores é só no início, depois passa. Vivi com expectativa, na incerteza de quem poderia ganhar, ganhou o Sporting e ainda contribui com qualquer coisa para que isso fosse possível.


- É a maior conquista da história do Sporting?
- Infelizmente é, poderia ter repetido em 1974 porque teve hipóteses para isso.


- Lembra-se do seu primeiro jogo como treinador principal?
- Não porque estive três vezes como interino e só à quarta vez me entregaram a equipa em definitivo. Fui jogador de Fernando Vaz, fui adjunto de Fernando Vaz, fui adversário de Fernando Vaz…


- Como foi criar aquelas equipazinhas que eram orientadas por jogadores profissionais ?
- Houve ordem do dr. Braz Medeiros que queria reativar o futebol juvenil no Sporting . Ele deu-me a instrução e eu pus mão à obra. Fazia-se um apelo aos miúdos para virem a Alvalade inscreverem-se na porta 10-A. Nós fazíamos o retorno através de postais. O secretário do departamento de futebol era o sr. Abílio, com o Vieira como ajudante, mais tarde o Vítor Costa como moço de recados. Convocávamos os jogadores por idades; como eram muitos, conseguiu-se sensibilizar os jogadores da equipa principal para que cada um deles tivesse um grupo, fazendo um campeonato interno. E da primeira equipa de iniciados foi o Hilário o treinador, isto após ter deixado a carreira de jogador. Tudo nos pelados, uns no de lá de cima [onde hoje é o estádio], outros no de baixo, onde hoje é a estação de metro do Campo Grande.


- Fernando Vaz foi o seu mestre?  
- Foi o mestre de rosto humano porque treinava jogadores, orientava equipas e formava homens. Essa é a razão que o distinguia dos outros de quem também recolhi ensinamentos sobre futebol. Estava avançado para a época. Era colaborador na área desportiva através de A BOLA e por isso tinha uma visão diferente. Também teve na altura influência na criação do sindicato de treinadores de futebol, isto numa altura em que era muito difícil a parte sindical.


- As palestras dele eram especiais?
- Eram. Em todas elas não deixava de alertar os jogadores para aquilo que o futebol poderia não lhes dar.
- Em 1972/1973 substituiu Ronnie Allen e venceu a Taça de Portugal. Foi o seu primeiro grande título?
- Pode-se considerar isso, embora como treinador de juniores tenha sido campeão distrital. Sou o rosto da minha carreira mas a minha carreira são milhares de pessoas, desde treinadores, colegas, direções, postos médicos, massagistas. Estive sempre envolvido com muitas pessoas contribuindo muito para o sucesso, como disse agora quando fui distinguido pela carreira na Gala dos Açores. Não quero dizer um nome porque posso melindrar os outros todos.


- Ganhou praticamente tudo como treinador principal…do Sporting mas andou por muitos lados…
- Como dizia Fernando Vaz, nós somos treinadores nem de I divisão, nem de II divisão; somos treinadores. Segui esse conselho e houve um ano que, pelo Portimonense, desci de escalão em Alvalade, tinha um compromisso com o Boavista, só faltava o sim, chego a Portimão e tenho uma receção que me surpreendeu e me satisfez e essa manifestação da massa associativa obrigou-me a não ir para o Boavista e permaneci no Portimonense. Ganhei a Zona Sul da e acabei por ser campeão nacional da II Divisão e fui para o Boavista, como tinha prometido um ano antes. Não é por acaso que estive nos três clubes mais representativos do Algarve; não é por acaso que fiz quatro anos entre Boavista-Braga e Braga-Boavista.


- Em 1973/1974, ano de campeonato nacional, Yazalde, marcador de 46 golos, foi determinante?
- O Yazalde deu muito à equipa mas a equipa também soube dar muito a Yazalde. Nessa altura, quando peguei na equipa, houve um choque entre o Yazalde e outro colega o que criava dois blocos. Tive de tomar decisões e no momento que tomei a decisão o sacrificado foi Yazalde. O outro colega continuou, mas também tinha mais soluções para pontas de lança do que para a outra posição, mas também comecei automaticamente a trabalhar para que se desse o regresso de Yazalde e ele foi decisivo para os êxitos do Sporting beneficiando da colaboração da equipa. Entretanto, ingressou no Sporting um jogador chamado Dé e foi-lhe comunicado o caminho que tinha de percorrer para ser titular numa equipa que funcionava e jogava o futebol que jogava; o Dé integrou-se e foi na Taça de Portugal que foi o jogador mais decisivo.


- Yazalde foi o melhor jogador que orientou?
- Tive grandes jogadores mas Yazalde está num lote de cinco elementos dos melhores. Este lote poderia ter sido mais alargado.


- Também coloca nesse grupo Dinis?
- O Dinis faz parte do lote de grandes jogadores.


-Como viveu aquele 5-3 do Benfica ao Sporting?
- Tive um período de dúvidas de como iria jogar. O Benfica estava forte e fiz uma pergunta à equipa: ‘vamos alterar o esquema ou não?’. Eu estava com a tendência de jogar um pouco mais fechado e em 4x4x2. A equipa foi de opinião de jogar no 4x3x3 habitual. O Benfica passou por nós com grande nível, foi mais feliz no aproveitamento das oportunidades.


- Como foi o regresso a Lisboa de Magdeburgo no dia 25 de abril?
- Foi uma aventura total depois da desilusão de Magdeburgo. Não foi um desastre como muitos dizem porque o Magdeburgo poderia ter sido goleado em Alvalade e lá teve a sorte do jogo. O Sporting foi bastante superior. Foi mais preocupante o regresso a Lisboa do que o resultado em si porque houve uma revolução e, na altura, não se sabia o que se passava. A caminho da fronteira, de autocarro, tivemos conhecimento de que tinha havido uma revolução, criando uma situação de incerteza. Tivemos de alterar o percurso, de ir para Madrid e depois arranjar transportes para vir para Lisboa por Badajoz. Houve essa incerteza e ainda um jogo à porta porque o Belenenses não aceitou o adiamento, pelo que não fomos ter com as famílias mas sim entrámos em estágio para ser esse jogo da Taça de Portugal, mas o Belenenses foi castigado [2-1].


- Porque saiu do comando técnico da equipa?
- Depois da campanha que fizemos, na qual fomos campeões nacionais, não havia razões. Tivemos lesões graves do Laranjeira e do Fraguito e no final de época até já tinha ideia das aquisições que o Sporting precisava de fazer; ainda longe da conclusão de me afastarem da equipa. A minha ideia era acabar a época, prolongar as férias e começar a outra com antecedência. Isto para podermos corresponder ao que tínhamos feito em 1973/1974. Houve um desencontro porque eu queria férias imediatas e repouso mais prolongado e esta foi uma ideia contrária à da Direção,  que queria ir aos aos Estados Unidos,  como acabou por ir. Dispensaram os meus serviços mas acompanhei a equipa aos EUA a convite da organização.


- Ficou magoado com a saída?
- Magoado com as decisões que não me agradaram. Tinha de ser claro e não podia assumir responsabilidades daquilo que considerava um crime aqueles jogadores. Não estava de acordo nem quis assumir responsabilidades duma decisão dessas.


- Mas isso aconteceu na noite da véspera da Taça de Portugal…
- Alguns jogadores já estavam a dormir e só tomaram conhecimento de que Osvaldo Silva ia assumir a equipa quando acordaram. A decisão foi tomada na véspera da final da Taça de Portugal com o Benfica; estávamos em estágio em Colares. O Osvaldo Silva queria acompanhar-me mas eu fiz questão que ele ficasse.