Obrigado a Pepe e Jurgen, o futebol pode mesmo ser uma lição de vida
Guardiola foi o maior rival de Klopp em Inglaterra (IMAGO)

OPINIÃO Obrigado a Pepe e Jurgen, o futebol pode mesmo ser uma lição de vida

OPINIÃO23.05.202410:07

Gardiola e Klopp são a resposta a Millôr Fernandes: «Ser génio não é difícil. Difícil é haver quem o reconheça». Uma crónica do Livro do Desassossego, numa gargalhada para Ukra, um repto para Neto e a cadeira de Sérgio Conceição que pode ser tudo menos de conforto.

As despedidas podem até ser dolorosas, mas não têm de ser tristes. A de Jurgen Klopp no Liverpool foi bonita. E a mais comovente nem partiu dos adeptos do Liverpool, que garantiram, em cântico que brotou não da voz mas da alma, que o treinador nunca mais caminharia sozinho. A mais comovente chegou da voz embargada e olhar marejado de Pep Guardiola, rival do Manchester City: «Obrigou-me a ser melhor cada dia», resumiu o espanhol num testemunho de dois minutos que faz arrepiar a pele só de ouvir… Só mesmo alguém tão grande como Guardiola para prestar à grandeza de Klopp o tributo que é devido. Um momento em que quem presta e é alvo de homenagem surgem em igual esplendor de humanidade.

Rivalidade é o genuíno desejo de me vencer a mim mesmo e não a ânsia de vencer o meu oponente. Rivalidade é saber que o melhor tributo que posso prestar ao meu rival é querer ser cada dia melhor e ultrapassar todos os meus limites. Não porque o temo, muito menos porque o quero ver derrotado, mas porque ele me inspira a ser cada vez melhor. Na rivalidade entre os grandes, nunca há contas de dividir, apenas de multiplicar. O trono não se divide por dois, multiplica-se por quatro. O Universo, na sua incomensurável capacidade de expansão, acomoda sempre o génio em gloriosas constelações. O verdadeiro génio é também a onda que agradece à rocha o esplendor da rebentação.

O escritor brasileiro Millôr Fernandes até brinca com as palavras ao considerar que «ser génio não é difícil. difícil é encontrar quem reconheça isso.» Por norma, outro génio. E eis como, no mesmo domingo, o futebol coroou em Inglaterra dois verdadeiros campeões.

Ukra: ser grande sem jogar num 'grande'

As despedidas podem até ser dolorosas, mas não têm de ser tristes. Após 17 anos como jogador profissional, no passado dia 17 de maio, corria o minuto 17 do Rio Ave-Benfica quando o jogo parou para todos aplaudirem em emocionante homenagem o número… 17 dos vilacondenses: Ukra.

Para quem, como eu, considera o sentido de humor como manifestação superior de inteligência, Ukra foi então dos jogadores mais inteligentes que alguma vez conheci. Corrijo, Ukra é das pessoas mais inteligentes que já conheci. Muitas das suas brincadeiras, partidas ou tomadas de posição tornaram-se virais e épicas pelo sentido de humor. O jogador que todos os treinadores adorariam ter pela força positiva que acrescentam a qualquer balneário. UKra não precisou de jogar num grande para ser grande. E vai continuar a sê-lo, seja qual o destino que dê à carreira não deixará de nos maravilhar em explosão de gargalhadas…

Escolhia Neto para suceder a Rúben Amorim

As despedidas podem até ser dolorosas, mas não têm de ser tristes. Luís Neto deixa do Sporting, resta saber o que será o seu futuro no futebol. Se eu fosse Frederico Varandas tudo faria para o manter no Sporting, noutras funções. E, não sabendo qual o desejo de Luís Neto para o futuro, tenho para mim a convicção que já deveria estar a ser preparado, e a preparar-se, para ser o substituto de Rúben Amorim como treinador do Sporting. Talvez o jogador mais culto e arguto que já ouvi falar sobre futebol. Um comunicador que pode não ser expansivo, mas é cativante. E um líder de balneário, um adjunto de Amorim no plantel, alguém que, assumindo realisticamente a realidade de ausência de protagonismo no onze, entendeu o seu papel no grupo como o de inspirador e conselheiro dos mais jovens. Um homem que demonstra ser muito bem formado e que merece um especial agradecimento. Os campeões por vezes são coroados na sombra.

Sérgio Conceição sai da zona de (des)conforto?

As despedidas podem até ser dolorosas, mas não têm de ser tristes. A de Sérgio Conceição deverá estar por dias. No lavar dos cestos as contas a uma vindima com altos e baixos. De glória (muitas) e derrotas (algumas). De gargalhadas e de descontrolo emocional. Dizer-se que vai deixar a zona de conforto é uma tremenda injustiça. As condições em que teve de comandar a equipa, reconstruindo-a ano após ano, limitado pelo fair-play financeiro, necessidade de vendas e até alguns boicotes internos, tornaram aquele cadeirão num permanente desconforto.

Critiquei aos seus destemperos, elogiei o trabalho brilhante que fez. Se sair mesmo, acho que vou sentir saudades de o ver naquele posto de comando. Há relações que não se escolhem à la carte. É tudo ou nada. No caso de Sérgio Conceição... compro.