O gesto natural
Vem de muito longe, e de há muito tempo, o conceito de gesto natural no desporto
A GORA que acabou o campeonato, dou por mim a pensar em temas mais filosóficos - acontece-me bastante, lamento. Vejo estes adventos do VAR de forma tecnologicamente inevitável, assim como já não se pode comer a sopa com garfo a partir do momento em que inventam a colher, mesmo que a sopa nunca mais nos tenha sabido ao mesmo; está passada, como se fosse para dar a bebés, e tem pouco sal.
Enfim, mas não foi nisso que pensei - filosoficamente, recordo -, antes sobre a questão da «naturalidade do gesto», como lhe chamam quando os jogadores saltam com os braços abertos, ou se deitam com eles fechados, ou correm com eles um ao lado do outro, o que por norma acontece em corridas, tenho reparado. Em respeito pela «naturalidade do gesto» os jogadores já se treinam, e assim os vemos em campo, a jogar com as mãos atrás das costas, por eles próprios simbolicamente algemados ainda antes do crime cometido. Uma bizarria a que nos vamos acostumando, esse medo da naturalidade, contrariada à força do apito.
Ademais, é uma naturalidade desportiva que vem de longe. Atribuem-se aos Gregos antigos - já que filosoficamente falamos, algo que eu já não lembrava há quase vinte linhas - os grandes avanços nas representações artísticas desportivas, sobretudo na escultura. E as obras dos atletas - que os Gregos queriam representar como divindades; afinal foi para elas que inventaram os Jogos - eram essencialmente naturais. Isto é, retratavam os desportistas com a posição mais natural que conseguissem, numa corrida, num lançamento, numa luta. Jamais em pose, de braços cruzados, a olhar para cima, altivos ou nalgum gesto que pudesse ser não natural.
«Já se passaram quase três mil anos desde a primeira olimpíada!» - parece eu que estou a ouvir o caríssimo leitor a contrariar-me. Eu sei, mas o natural, três mil anos depois, persiste em ser, muito estranhamente, o natural.