José Mourinho

José Mourinho

OPINIÃO14.04.202306:30

Já repararam onde está a Roma ao cabo de 29 jornadas de campeonato italiano?

Éincontornável e já se tornou até um lugar-comum: José Mourinho não ficará apenas na história do futebol como um dos mais bem-sucedidos treinadores de sempre; ficará como um dos melhores treinadores de sempre. Como um dos maiores, quase tudo em Mourinho se discute. Mas o carisma, a liderança e o conhecimento do jogo de Mourinho não creio que devam estar alguma vez em equação. Nunca. Especialmente porque tendo o futebol muitos treinadores que um dia vencem, tem poucos que vencem muitas vezes e ainda menos que vencem muitas vezes em muitos lugares diferentes e sempre ao mais alto nível.

Pode, evidentemente, continuar a discutir-se se o futebol das equipas e José Mourinho dão hoje o espetáculo de outros tempos. Por mim, creio que podemos perguntar quantas equipas jogam hoje o futebol espetacular de outros tempos? Serão hoje os jogadores os jogadores espetaculares, virtuosos e criativos de outros tempos?

José Mourinho é, acima de qualquer outra coisa, um vencedor. Acredite o leitor que ao vê-lo ser despedido do Manchester United, em 2019, questionei: ‘Veremos quanto tempo vai estar o Manchester United para voltar a ganhar alguma coisa?!...’

Sabe o leitor quanto tempo esteve o United para voltar a um título? Seis anos! Seis anos!!!

Quando José Mourinho chegou a Manchester, em 2016, tinha missão dificílima: reconstruir a equipa do Manchester United. Da herança de Alex Ferguson restava praticamente nada. Referências do clube, as maiores, eram dois garotos à época, Marcus Rashford e Jess Lingard. O primeiro permanece no clube, mas está longe, muito longe, do peso e da influência de um Ryan Giggs; o segundo já nem está lá. É verdade que tinha (e teve) José Mourinho realmente dinheiro para gastar, mas bem sabemos que uma equipa de futebol, sobretudo a equipa de futebol de um clube de topo, não se constrói com varinha mágica e milhões. Podem contratar-se estrelas, podem contratar-se jogadores aparentemente fantásticos, mas não se faz uma equipa apenas com isso. É preciso muito mais. E sobretudo é preciso muito mais para se ganhar. E é preciso ainda mais para se ganhar, não uma vez, mas vezes suficientes para se ser grande! Guardiola que o diga, ele que está farto de gastar dinheiro e de trabalhar para chegar à Taça dos Campeões Europeus pelo Manchester City e ainda não o conseguiu.

Pois bem, mesmo com o bico-de-obra de fazer regressar o United a um plano próximo do United de Ferguson, a verdade é que com José Mourinho a equipa conseguiu, logo na primeira época com o treinador português, chegar ao sucesso na Liga Europa (2-0 ao Ajax, na final), vencer a Taça da Liga inglesa (3-2 ao Southampton) e a Comunity Shield, a supertaça inglesa (2-1 ao Leicester, que fora campeão inglês na época anterior).

Na segunda época com Mourinho, o Manchester foi vice-campeão inglês, vice da Taça de Inglaterra e chegou aos oitavos de final da Liga dos Campeões. Ou seja, discutiu os títulos nacionais, e caiu onde caíram oito grandes equipas na maior prova continental de clubes.
 

TALVEZ José Mourinho tivesse avaliado mal o contexto que o rodeou em Manchester. Conta-se que se sentiu fortemente traído pelo diretor desportivo de então, Ed Woodward. Talvez tenha avaliado mal, e certamente avaliou, alguns dos craques em que apostou, nomeadamente no francês Paul Pogba, que deve ter tanto de potencial como jogador como de complexo e menos recomendável como profissional. Depois de, apesar de tudo, ganhar alguma coisa com Mourinho, o que mais conseguiu Pogba a nível de clubes? Nada!

A passagem pelo Tottenham não seria, propriamente, grande ajuda para voltar a erguer Mourinho como um vencedor, mas o Tottenham, está mais do que provado, não é propriamente um exemplo de um clube capaz de levar um treinador a ganhar, simplesmente - como ainda recentemente acusou o italiano Antonio Conte - porque o Tottenham sente-se confortável no espírito de clube que não ganha nem tem a pressão e exigência de ganhar.

Mas enquanto José Mourinho se debatia com a dificuldade de regressar a um projeto vencedor, a verdade é que o Manchester United, já sem Mourinho, debatia-se com algo muito pior: levantar-se de sucessivas quedas, durante três épocas e meia com o bem-intencionado, generoso, elegante, tão afável e outrora campeão como jogador, o norueguês Ole Gunnar Solskjaer.

Teve o United de se decidir, por fim, pela contratação ao Ajax de um dos treinadores de maior notoriedade na Europa nos últimos anos, o holandês Erik ten Hag, para voltar, ao cabo de seis anos, a ganhar alguma coisa, devolvendo à equipa a conquista da Taça da Liga (2-0 ao Newcastle na final, no fim de fevereiro) que tinha ganho com José Mourinho em 2017.
 

ADMITO que o futebol tenha passado a olhar para José Mourinho com alguma inveja, diria, por se tratar de um treinador português, portanto, de um treinador de um país tão pequeno como o nosso e de um futebol tão pouco habituado a ganhar internacionalmente antes dele. Admito ainda, como é natural, que nem todos tenham apreciado sempre o estilo e os métodos de José Mourinho, que foi dando a ideia, ao longo dos anos, de se aplicar a fundo para ganhar, mesmo que, aqui e ali, tivesse de dar um ou outro pontapé na ética ou de se converter à sempre desgastante guerra de palavras - os ainda hoje famosos mind games - se esse espírito servisse a indispensável estratégia.

Admito ainda que alguns apreciassem ver José Mourinho em declínio, pagando o preço de algumas decisões porventura menos bem tomadas (a ida para o Tottenham talvez tenha sido uma delas) ou de ter deixado, por razões que presumo diferentes, de poder contar com a equipa técnica que o ajudou a chegar ao topo do mundo e que se foi desfazendo, creio, a partir do trabalho em Manchester. Rui Faria, por exemplo, que trabalhou 17 anos com Mourinho, deu início a carreira a solo em 2018.

Fizeram-se análises, debateram-se previsões, definiram-se probabilidades, tudo, na verdade, parecia jogar contra José Mourinho nos últimos anos, e talvez poucos, muito poucos acreditassem que no sábado, 8 de abril, ao levar a atual equipa a vencer em Turim, no campo do Torino, para o campeonato italiano, José Mourinho voltasse a ser capaz de cometer uma espécie de milagre: colocar a Roma no 3.º lugar da Serie A, isolada, uma Roma com muito sentido e carisma, mas tão pouca história (apenas três vitórias no campeonato), e ainda sem estrelas suficientes para aspirar a repetir o scudetto (o título) ganho pela última vez em… 2001. 

ESCREVO estas linhas no momento em que a Roma de José Mourinho joga, e perde, em Roterdão (Países Baixos), com o Feyenoord, na 1.ª mão dos quartos de final da Liga Europa, e penso nas recentes palavras do treinador português, que, apesar do surpreendente e bem-sucedido percurso até agora, não deixa de avisar, sobretudo os adeptos: «A Roma não é a melhor equipa de Itália, nem a melhor equipa da Liga Europa.»

Ninguém pode, evidentemente, saber como vai terminar a época para a Roma, mas se vier a fixar-se num dos lugares de acesso à Liga dos Campeões - onde, de momento, está -, então vamos ter de tirar, mais uma vez, o chapéu a Mourinho. Para a Roma, de tão poucas estrelas (o argentino Dybala será, ainda assim, a mais cintilante, sem lugar, porém, no onze da seleção campeã do mundo) e muito jogador sem lugar nas equipas de primeira linha, quase valerá como ser campeão de Itália. Aos 60 anos, a sentir-se, como ele próprio diz, apenas um pouco mais cansado fisicamente, aposto que Mourinho (que nasceu para vencer) aprecia, hoje, todos estes pequenos-grandes momentos com a Roma com a mesma satisfação e prazer com que apreciou tantos dos títulos que celebrou numa vida de sucesso. 

Não consigo evitar: estou a torcer pela Roma e pelo nosso José Mourinho, mesmo se José Mourinho me faz, alguns vezes, cair na tentação, por instantes, de o detestar, como daquela vez em que disse publicamente (e o critiquei por isso), em Lisboa, no verão do ano passado, que neste jornal não gostamos dele. Não é verdade. Mas, tal como nós não gostamos de tudo o que faz e diz José Mourinho, também José Mourinho não gostará certamente de tudo o que fazemos ou escrevemos. É normal. Não diminui é o respeito e a admiração por alguém tão interessante e importante na história do futebol e tão grande na história desportiva deste nosso pequeno país.

PS: Semana madrasta na UEFA. No Benfica, falhou a equipa; no Sporting, voltou a falhar o guarda-redesAdán. Parece mentira, mas é verdade. E foi cruel ver Pedro Gonçalves e Bellerín falharem o merecido 1-1!