Dá-me a tua camisola
Gyokeres e João Neves (Miguel Nunes/ASF)

Dá-me a tua camisola

OPINIÃO04.03.202407:00

Dois jogadores que entusiasmam acima das cores que representam e que será muito difícil segurar em Portugal na próxima época. Que pena

Com as devidas distâncias para um consagrado Di María, estiveram juntos em campo na semana passada os dois jogadores mais entusiasmantes da Liga: João Neves e Viktor Gyokeres. Do português já poucas dúvidas havia no início da época, tendo segurado lugar no onze de Roger Schmidt; do sueco cedo se percebeu porque andou o Sporting meses atrás dele, e porque em Coventry tantos lamentaram a sua saída. Ambos transmitem emoção ao jogo e para fora dele, são exemplos de luta, perseverança. Têm aquele ar de que se alguém lhes dissesse, no fim de um jogo, ‘olha, João, tens de jogar mais um agora’; ‘escuta Viktor, afinal são mais 90 minutos’, os dois diriam ‘vamos a isso’.

São, como até já sublinhou o treinador Rúben Amorim, figuras influentes acima da cor que representam. «Gyokeres não é um ídolo só dos sportinguistas», disse o treinador. Basta ver como o seu misterioso festejo se espalha por vários clubes e modalidades. ‘Este sueco, realmente’, já terão dito muitos não sportinguistas, desejando vê-lo rapidamente pelas costas. ‘O miúdo joga muito’, já terão dito gentes não benfiquistas; ambos promovem o jogo de forma positiva, e é por isso que terei muita pena de os ver inevitavelmente sair no fim da época, deixando o nosso campeonato, incapaz de os segurar, mais pobre. (Tal como deverá acontecer com o argentino e o seu pé esquerdo). Por cada um faria um cartaz a pedir «dá-me a tua camisola».

João Neves e Viktor Gyokeres (Imago)

A onda de solidariedade que se gerou em torno do luto pela morte da mãe, espelha bem a influência de Neves - e podemos lembrar os assobios que Schmidt recebeu quando o substituiu na Luz frente ao Farense -, que foi para estágio e jogou em Toulouse 3 dias depois de tamanha perda, e apenas uma semana depois de dizer com toda a honestidade do mundo, «já fiz algo pelo futebol».

Lembrei-me de um Cristiano Ronaldo com 20 anos, que jogou no dia a seguir à morte do pai, em 2006, na Rússia, e que desde então também já fez ‘algo’ pelo futebol. Fez muito, podemos corrigir. Talvez por isso, e porque ele sim é global há muitos anos, devesse apelar a todos os deuses da meditação, aplicar toda a força de vontade que o empurra para o ginásio, ser mais zen, e respirar fundo quando lhe gritam o nome de Messi.