«Tenho muita vontade de vencer, tal como o meu pai, que faleceu quando eu tinha 4 anos»
Miguel Nunes/ASF

«Tenho muita vontade de vencer, tal como o meu pai, que faleceu quando eu tinha 4 anos»

MODALIDADES24.02.202409:00

Diogo Ribeiro perdeu o pai aos 4 anos e fala sem rodeios sobre essa perda que lhe moldou a vida. O campeão do Mundo recorda a forma carinhosa como era tratado pelo «gigante» que carinhosamente o colocava às cavalitas para ver tudo

— A medalha dos 50 metros vai valer-te um prémio do Instituto Português do Desporto e Juventude de cinco mil euros; já a medalha dos 100 metros valerá um prémio de 25 mil euros. Como é que se luta contra esta diferença de valores, de dimensão e, acima de tudo, também de apoios?

— Sempre tentei lutar, apesar de não haver as condições que há nos outros desportos. Sempre tentei mostrar que também é possível, desde que se queira muito. E, felizmente, nasci com um talento natural. Mas não foi só isso que me ajudou a chegar até aqui. Trabalhei muito, desde muito novo. Quis aprender o estilo de mariposa muito cedo. Acho que isso também é outro ponto. Se calhar a maior parte das pessoas aprende com 10 anos. Eu aprendi aos 7 anos. Lá está, porque queria muito aprender aquilo. Tenho muita vontade de vencer, tal como o meu pai, que faleceu quando eu tinha 4 anos. Sempre me disseram que ele era destemido, que tinha aquela vontade de vencer. Ele era jogador de andebol na Académica. Ele partia o nariz a meio do jogo e dizia para lhe meterem o nariz no sítio, que ele ia continuar a jogar... É um bocado isso que vejo em mim. É tentar, apesar de tudo, controlar todas as dificuldades e tudo o que há, especialmente neste desporto, nesta modalidade. A natação é tão antiga e parece que não evoluiu nada, como os outros desportos.

— Falaste agora de um dos teus episódios de superação. Sempre falaste abertamente sobre ele, porque, se calhar, esse processo de luto foi bem arrumado por ti e pela tua família. Que te lembras desses 4 anos e daquele menino que na altura ainda não nadava e que perdeu esse pai, que tanto tempo depois continua presente na vida dele?

— Lembro-me perfeitamente dele brincar comigo. Ele chamava-me Gogo e metia-me às cavalitas, mesmo em cima dos ombros… Lembro-me que ele tinha 1,91 metros e era gigante para uma criança de 4 anos. Era uma altura gigante estar lá em cima. Lembro-me que ele foi comigo a festas da creche e metia-me sempre em cima dele para eu ver tudo. Ficar sem ele foi… Na altura, claro que não percebi logo…

— Do que te lembras?

— Senti que estava ali alguma coisa a faltar. Um vazio durante alguns dias… A minha mãe não me disse logo, nem a mim nem à minha irmã, que tinha 7 anos naquela altura. Mas eu fui percebendo com o tempo que ele já não estava lá. E que já não podia brincar como brincava comigo. E a minha mãe, com o tempo, foi dizendo: ‘O papá teve de partir, alguém lá em cima precisava muito dele…’ São coisas que acontecem na vida e se aconteceu é porque tinha de acontecer. E, provavelmente, se calhar, se isso não tivesse acontecido não seria o que sou hoje. E não tinha esta mentalidade que tenho hoje também.

— Essa perda acabou por servir de força também para a tua mãe encontrar um caminho que te ocupasse a mente e é aí que surge a natação?

— Sim, foi logo após a morte do meu pai, ali aos quatro anos, que ela me meteu na natação para tentar distrair-me um bocado daquilo que tinha acontecido. Mas é claro que sentia uma falta, um vazio.

— A tua mãe sempre fez questão que o teu pai continuasse presente nas tuas memórias?

— Sim, sim, sim! Sempre falou dele e foi contando histórias. Ainda hoje fala sobre ele. É normal, acho que faz muito bem, porque no fundo ele existiu e é meu pai, não é? Hoje já tenho padrasto e trata muito bem de mim também, é como se fosse o meu pai. Por isso, só tenho de agradecer e acho que tenho uma família linda.

— Uma família linda que muito te orgulha. E a natação, quando começou a ser linda para ti?

— Até aos 7 anos, até fazer um ultimato à minha professora, não gostava. Porque estava sempre a nadar crawl e não nadava mais nada. Era uma seca. Cheguei aos sete anos e já andava no futebol, a brincar, como é óbvio, e no basquetebol. Estava indeciso entre futebol e natação. Então disse à minha professora que ou ela me ensinava a nadar mariposa, porque olhava para os outros a nadar e gostava muito, ou então deixava a natação e ia para o futebol, porque também gostava muito de futebol. E ela ensinou-me a nadar mariposa. Cada vez mais tive essa paixão pela mariposa e cada vez me saía melhor... Saí do futebol e acabei por optar só pela natação porque chegou a um ponto em que já não dava para fazer as duas coisas.

— Tinhas talento para o futebol?

— Tinha. E tenho!

— Para jogar em que posição?

— Ponta de lança.

— E tens dotes de goleador?

— Marco muito. Sou goleador [risos]. Acho que devia entrar para o lugar do Arthur Cabral [gargalhadas]. Acho que fazia um hat trick por jogo.