Camila Rebelo: «Estudo mas sou profissional»
Fotografia Simone Castrovillari/FPN

Camila Rebelo: «Estudo mas sou profissional»

NATAÇÃO06.01.202411:10

PARTE 1 - Qualificada para os Jogos de Paris-2024, a nadadora do Louzan foi, em dezembro, a principal figura da Seleção no Europeu de Otopeni em piscina curta, onde chegou a duas finais, três meias-finais e bateu quatro recordes nacionais. Diz que não conseguiria só nadar e que gosta de estudar, mas prefere guardar os livros nas provas.

Foi fácil ter estado praticamente uma semana no Europeu de Otopeni, na Roménia, em que chegou a três meias-finais [50, 100 e 200 costas], duas finais [100 e 200 costas] e bateu quatro recorde nacionais e, quatro dias depois, fazer um exame de radiologia para 3.º ano de medicina? 

— Fácil não foi mas, durante o campeonato da Europa, tentei não pensar na faculdade para tentar-me focar a 100 por cento na competição. Não é fácil mas tenho de trabalhar para que isso seja possível, senão nem estaria focada numa nem noutra coisa. 

— Quer dizer que não é daquelas atletas capazes de levar os livros para um campeonato e ir estudando ao mesmo tempo?

— Por acaso até os levei, mas era só mesmo se estivesse com muita vontade ou tivesse uma boa oportunidade para o fazer. Gosto de estar totalmente concentrada nas provas. Até poderia tentar conciliar as duas coisas, mas quando se trata de algo mesmo muito importante, era um Europeu, prefiro estar focada só nisso. 

Fotografia Simone Castrovillari/FPN

— Certo, até porque este foi um campeonato em que, para além do pouco tempo que teria para estudar, quase não o teve sequer para descansar e dormir, devido à sucessão de provas em que se foi qualificando e às horas a que acabava por sair da piscina depois da fisioterapia, não foi? 

— Exato, digamos que foi bastante preenchido...   

— É esse o risco de quem se qualifica para muitas meias-finais e finais, cada vez há menos descanso? É um dos handicaps de fazer bons tempos? 

— Não sei se se pode chamar assim, mas, obviamente, não me vou queixar porque foi ótimo ter conseguido as duas finais e as três meias-finais. 

— E estas duas finais e três semifinais, quatro recordes nacionais. Das oito ocasiões que nadou individualmente só por duas vezes não bateu o máximo pessoal. Foi além do que ambicionava ou eram os resultados que esperava?

— Quando fui para o Europeu não ia propriamente a pensar em bater recordes ou máximos pessoais. O objetivo era sempre passar da eliminatória para a meia-final e daí para a final. É claro que quando vamos para uma competição desejamos alcançar o recorde pessoal, que no caso dos 200 costas já era nacional. Mas ter conjugado as duas coisas e com máximos de Portugal deixou-me muito mais feliz. 

Fotografia Simone Castrovillari/FPN

— Entre as duas finais que disputou, nas quais foi 5.ª nos 200 costas (2.04,39m) e 7.ª nos 100 costas (58,18s), e os quatro recorde nacionais, qual foi aquele que a deixou mais satisfeita por o ter feito?

— Como na época passada não havia conseguido nadar os 200 costas em piscina curta, em forma ou não, por ter estado doente, não tive oportunidade de mostrar o que quanto havia trabalhado e tinha muito desejo em fazê-lo. Ter conseguido 2.04m [primeira portuguesa a baixar dos 2.05] deixou-me bastante contente. Finalmente mostrei o quanto havia treinado. 

Não foi o facto de ter feito mínimo para os Jogos que me fez mais confiante…

— Nos 200 costas bateu sucessivamente o seu recorde nacional: 2.06,79m nas eliminatórias, 2.05,44m nas meias-finais e 2.04,39m na final. Pensa que ainda ficou algo para dar ou melhorar ou até acha que, atualmente, já vale mais do que isso?

— Essa é uma pergunta difícil porque é sempre complicado sabermos se valemos mais. De uma coisa tenho a certeza: naquela final deixei tudo o que tinha e terminei com a consciência tranquila de que fiz o melhor que conseguia naquele dia e momento. Agora, se me perguntar se for nadar daqui a três ou quatro semanas e se torno a bater o recorde nacional, isso não sei.

— Na época passada resolveu cedo a questão da qualificação para Paris-2024 aos 200 costas, que era um dos objetivos para poder preparar, tranquilamente, a caminhada até aos Jogos Olímpicos. É agora um dos quatro nadadores portugueses apurados. O que é que mudou em si, por exemplo, nos últimos dois anos? Não está apenas bem preparada mas cada vez que compete parece que passou a sentir-se confiante do que é capaz ou ainda existem certos receios? 

— Não foi o facto de ter feito mínimo para os Jogos que me fez mais confiante…

— Quando refiro esta evolução que lhe tem permitido bater recordes e estar em finais ou ganhar medalhas, como nas Universíadas na China, falo de  um período anterior a se ter qualificado para Paris-2024. Parece que agora sabe ou que vale. Ou então não sabe… Diga-me.

— [risos] Acho que essa confiança vai-se adquirindo ao longos dos campeonatos que vamos disputando, sobretudo nos absolutos. Mas mesmo nos juniores, apesar de no segundo ano não ter havido competições por causa do covid, na primeira época no escalão ter nadado no Europeu e Mundial júnior foi muito importante.Depois, à medida que estamos em grandes provas internacionais com grandes nomes, até mesmo em meetings, vamos adquirindo experiências que mais tarde nos vão beneficiar. Aprendi muito com o campeonato da Europa de do Mundo júnior porque nessa altura vivi situações que, neste momento, já não as sinto com tanta intensidade. 

Fotografia Simone Castrovillari

Ter estado, entretanto, em várias competições internacionais também me deu aquela bagagem emocional para chegar a uns jogos olímpicos com a maturidade psicológica necessária, porque quando se chega ao momento da prova o resto do trabalho já está feito. Não vai ser mais uma ou menos uma série naquele dia que nos ajudará a fazer melhor ou pior tempo. O que vale muito é a parte psicológica. Se estivermos bem aí é um passo importante para que o resto também corra bem.

É obvio que toda a gente quer ser profissional e, neste momento, sou profissional em Portugal devido à hipótese que nos dão de fazer esta de vida de modo dual. Posso dizer que estou feliz com o que estou a fazer

— Encontra-se no 3.º ano de medicina em Coimbra mas também referiu essas grandes figuras da modalidade que passou a encontrar em meias-finais e finais. Quase todas têm algo diferente de si: são profissionais de natação. Gostava, durante um período da carreira, tornar-se profissional? 

— Sinceramente, acho que não iria conseguir fazer só natação. Penso que preciso de ter  — não quero dizer um escape — algo para fazer além de treinar, treinar e treinar. Era muito provável que chegasse a um ponto em que necessitaria de ter algo mais. É obvio que toda a gente quer ser profissional e, neste momento, sou profissional em Portugal devido à hipótese que nos dão de fazer esta de vida de modo dual. Posso dizer que estou feliz com o que estou a fazer, ter uma equipa de trabalho tão boa ajuda muito, mas claro que tenho sempre de abdicar de várias coisas. 

Por exemplo, esta época não estou a fazer todo o 3.º ano porque abdiquei de algumas cadeiras para estar mais focada na preparação para os Jogos. São coisas que temos de ir optando ao longo do percurso e sei perfeitamente que não irei fazer o curso nos anos normais, mas esse é um assunto para o qual um atleta tem de ter noção. Gosto de estudar, portanto, se não estivesse na faculdade teria de inventar alguma coisa paralelamente à natação.