Um Manchester United ‘wannabe’ congelado a meio da montanha
Peninsula Stadium, Moor Lane, estádio do Salford City (Foto: IMAGO)

Um Manchester United ‘wannabe’ congelado a meio da montanha

INTERNACIONAL30.12.202310:39

Salford City ainda longe do objetivo Championship e a lutar pela permanência; clube subiu do oitavo ao quarto escalão: treinadores não resistem ao projeto e falta gente e apoio nas bancadas

MANCHESTER – A cidade respira futebol. Vê-se e sente-se quando se passeia pelas ruas, devido aos muitos espaços dedicados e preparados para o jogo, ou quando nos deparamos com a lista de emblemas só na Grande Manchester: City e United na Premier League, Bolton Wanderers e Wigan Athletic na League One, Stockport County e Salford City na Two, o quarto escalão. Mais para baixo, em cada patamar da pirâmide do futebol inglês, há um ou outro nome que rings a bell, como o Oldham Athletic no nível 5, o FC United of Manchester no 7.º e o Maine Road FC no 10.º. 

A BOLA deslocou-se até à casa do Salford City, a oeste do centro de Manchester, que a 27 de março do próximo ano, celebra uma década desde a aquisição por parte do Project 92 Limited, consórcio formado por Nicky Butt, Ryan Giggs, Gary Neville, Phil Neville e Paul Scholes. Na altura, cada ex-jogador do Manchester United ficou com 10% do clube e o empresário singapurense Peter Lim com os restantes 50%, tendo posteriormente vendido a David Beckham, em 2019, fatia igual à dos ex-companheiros de equipa.

Peninsula Stadium, Moor Lane, estádio do Salford City (Foto: IMAGO)

Com a Geração de 92 ao comando, o emblema já escalou vários degraus no futebol britânico. Na primeira época completa com a nova administração empossada, e já depois de Ryan Giggs ter projetado uma subida ao Championship num intervalo temporal de 15 anos, consuma-se a primeira promoção, da NPL Division One North à NPL Premier Division. Do oitavo para o sétimo escalão. 

Hoje, o clube joga na League Two, a quarta divisão inglesa, e o 21.º posto entre 24 equipas, com 23 pontos em 24 jogos, não deixa de ameaçar tornar a missão bem mais complicada. Para já, a primeira vítima é, naturalmente, o treinador. Neil Wood, também ele anteriormente ligado ao Manchester United como responsável pelos sub-23, é demitido dois dias após o Natal, na sequência da goleada sofrida diante do Tranmere Rovers (1-5) no Boxing Day. É o sexto técnico despedido em oito anos de liderança. Não se pode dizer que tenha existido muito acerto por parte dos antigos futebolistas nas escolhas para comandar a equipa a partir do banco.

Peninsula Stadium, Moor Lane, estádio do Salford City (Foto: IMAGO)

Depois de na época passada, com Wood como técnico, terem apenas caído nas meias-finais dos playoffs frente ao Stockport County, os ammies apresentam-se agora claramente abaixo das expetativas. Passaram de candidatos à subida a ameaçados pela descida. Diante do Grimsby Town (0-3(, nesta sexta-feira, foi o adjunto Simon Wiles a orientar a equipa, tendo o clube anunciado que já iniciaram o processo de contratação de um novo técnico.

«A ambição do clube continua a ser atingir o mais alto nível possível, por isso o projeto não mudou nesse aspeto. Com quatro promoções nos primeiros cinco anos progredimos muito de uma forma rápida e agora atingimos um ponto em que podemos estar estagnados, mas estamos a começar a atingir outros objetivos como trazer jovens jogadores da academia à primeira equipa», afirmou, entretanto, a A BOLA uma fonte do clube, que pediu para não ser identificada.

Peninsula Stadium, Moor Lane, estádio do Salford City (Foto: IMAGO)

Não há para já motivos para alarme, a julgar pelo mesmo responsável: «Temos de continuar a fazer progressos e consolidarmo-nos como clube da Football League irá naturalmente ajudar-nos a crescer. Sabíamos que isso não iria acontecer do dia para a noite e que leva anos e gerações, por isso estamos confiantes que novo crescimento chegará se continuarmos a caminhar na direção certa e a fazer as coisas certas.»

Covid-19 e uma ascensão mais lenta

O percurso não tem sido fácil e, entre os membros da administração, acredita-se que o cenário seria um pouco mais favorável não tivesse deflagrado a pandemia de Covid-19. O clube não só ficou sem apoio nas bancadas como foi dos poucos que decidiram não colocar empregados em lay-off durante o confinamento. 

«O impacto da pandemia e do confinamento no Reino Unido durante a nossa primeira época na Football League foi significativo. A meio da temporada e precisamente quando estávamos a criar algum momentum, a liga foi suspensa e reduzida, e na seguinte jogámos sem que os adeptos estivessem autorizados a regressar aos jogos. Estamos a recuperar de forma sustentada desde então e na última época conseguimos a nossa melhor campanha», lembra a mesma fonte.

Peninsula Stadium, Moor Lane, estádio do Salford City (Foto: IMAGO)

Os ammies, alcunha que ficou do anterior nome do clube nas décadas de 60 e 70, o Salford Amateurs, jogam em Moor Lane. O palco foi renovado durante em 2016 e inaugurado no ano seguinte por Alex Ferguson, antigo treinador do Manchester United (mais uma ligação), já com a designação de Peninsula Stadium, nome de um dos patrocinadores. A lotação foi aumentada de 1.600 para 5.108 lugares, dos quais 2.246 são sentados. Nunca esgotou. O melhor que conseguiu foi ter 4,518 adeptos nas bancadas a 13 de agosto de 2019, na derrota para o Leeds (0-3) na Taça da Liga.

A infraestrutura nasceu com limitações a longo prazo. Se o Salford chegar ao Championship, como aspira, algo terá de mudar. O estádio, que foi montado como peças de Lego, unindo várias partes pré-fabricadas, está num plano inferior à Moor Lane, a rua que passa junto à sua entrada, e o acordo feito na altura das obras com a cidade impede que a sua altura ultrapasse a linha das árvores em redor.

«O nosso estádio cumpre os requisitos para a nossa liga e para a League One, e depois haverá um período de carência após uma eventual promoção ao Championship para resolver questões relacionadas com melhoramentos nos estádios. Será um desafio do qual estamos conscientes e continuaremos a explorar oportunidades que protejam o nosso futuro progresso», garantiu a A BOLA o mesmo porta-voz.

Ryan Giggs e Nicky Butt, donos do Salford, nas bancadas do Peninsula Stadium (Foto: IMAGO / PA Images)

Crescer em campo e no apoio

Há constantemente lugares vazios nas bancadas. O Peninsula Stadium fica-se geralmente pela metade nos jogos aí realizados. 

Durante as partidas já não se ouvem os cânticos We are Tangerine, que se intensificaram logo após a aquisição do clube, em protesto contra a mudança das cores do equipamento. A camisola vermelho-tangerina e os calções pretos desapareceram e foram substituídos, respetivamente, pelo vermelho e branco, numa nova aproximação ao emblema de Old Trafford. Mas esses tempos já lá vão. Falta, sim, convencer mais gente a estar presente.

Situado ao lado de uma numerosa comunidade judaica, o Salford City é de certa forma prejudicado pela rigorosa ortodoxia da mesma. Apesar de ter sido criado um protocolo especial para outros dias, o clube não pode contar com esses adeptos aos sábados, dia em que se joga a maior parte dos encontros. Simplesmente, não podem estar presentes devido a questões religiosas. 

Bandeira com as cores originais do clube, vermelho-tangerina e preto, numa bancada do Peninsula Stadium, Moor Lane, estádio do Salford City (Foto: IMAGO)

«A comunidade de Salford tem sido fantástica para nós com o apoio que nos têm dado nos últimos dez anos, porém haverá sempre algo mais que possamos fazer para ajudá-los e apoiá-los. A Foundation 92, a nossa fundação de solidariedade, faz um excelente trabalho em Salford e na Grande Manchester, patrocinado pelo clube, o staff e os jogadores, e temos contactos muito próximos com negócios locais e redes de apoio. O nosso compromisso em apoiar a nossa comunidade é muito forte e olhamos em frente para continuarmos a crescer e a criar estas ligações.»

Antes de qualquer pontapé de saída, arranca Dirty Old Town na instalação sonora do estádio. É o hino, o toque a reunir, alicerçado no tema dos Pogues, escrito por um local: Ewan MacColl. A BOLA marcou presença no jogo com o Wimbledon no dia 16, um sábado soalheiro, coisa rara em Manchester, sobretudo por esta altura do ano. Pouco depois de o último acorde desvanecer, são já os adeptos dos visitantes, em menor número e do lado oposto do estádio, que ganham a batalha nas bancadas. Os da casa não conseguem, em nenhum momento, ficar por cima.

Fase do Salford City-Wimbledon da League Two (Foto: IMAGO)

«É a pior atmosfera futebolística da Football League. É sempre assim. Não há ambiente mais fraco em nenhum dos outros clubes que os defrontam», avisa-nos o jornalista do The Sun que se senta ao nosso lado. Engana-se quem pensa que reside no Peninsula um 12.º jogador. Em Salford, os adeptos não ganham jogos. Vão acordando de vez em quando durante uns segundos durante os 90 minutos, tornando-se um pouco mais enfáticos com o aproximar do final da partida.

É um Manchester United em ponto pequeno na sua conceção. Há inúmeras ligações, desde os donos aos técnicos contratados, passando pela simbologia que quiseram aplicar. Até o momento para ambos os emblemas parece ser de estagnação. O original não consegue aproximar-se dos melhores da Premier League e lutar, nem que seja apenas isso, pelos primeiros lugares quanto mais pelo título. Já a cópia passa pelo mesmo ou por pior, com todos os alertas pela proximidade dos lugares de descida já disparados. A despromoção seria um recuo enorme nos objetivos delineados há quase uma década.

Peninsula Stadium, Moor Lane, estádio do Salford City (Foto: IMAGO)

Ryan Giggs, Nicky Butt e companhia quiseram ter o seu próprio Old Trafford e o seu ManUnited, e investiram em Salford e no Salford City. Nunca quiseram uma rotura, bem pelo contrário. O clube tem beneficiado da aliança com a Geração de 92 se olharmos para o crescimento que tem conseguido, contudo o caminho promete ser bem longo, talvez bem mais longo do que os antigos futebolistas pensaram quando decidiram avançar.