Histórias de Pietra na primeira pessoa
Pietra em ação pelo Benfica na década de 80 do século passado (Foto: ASF)

Histórias de Pietra na primeira pessoa

NACIONAL11.03.202418:05

Cerimónias fúnebres do antigo jogador de Belenenses e Benfica já decorrem em Cascais

Muitos ex-colegas de Minervino Pietra já chegaram ao centro funerário de Cascais, na freguesia de Alcabideche, no concelho de Cascais, onde decorrem as cerimónias fúnebres do antigo futebolista de Belenenses e Benfica.

A melhor forma de o homenagearem é contando algumas histórias na primeira pessoa, que A BOLA tem procurado ouvir.

João Alves: os pijamas em Belgrado

«Aquela foto publicada recentemente em A BOLA [ambos acompanhados das esposas] é no dia em que embarcámos ambos para Belgrado, para sermos operados. Ele foi o primeiro a ser operado a uma pubalgia. Foi por um especialista que não havia cá, Filipovic arranjou o contacto. Eu fui para ser operado a uma fibrose na coxa direita. Essa foi uma grande história, fomos só os dois sozinhos, sem acompanhamento, sem falar a língua. As nossas mulheres tinham-nos comprado uns pijamas todos XPTO, mas como aquilo era um hospital civil, como se fosse o São José, não os usámos e tivemos de vestir os pijamas daquele pessoal que tinha estado na guerra. Mas fomos bem operados e continuámos as nossas carreiras, cada um à sua maneira.»

Shéu: a ‘cunha’ ao treinador

«Estamos num jogo da final da Taça de Portugal. Eu não iria jogar esse jogo porque não tinha sido utilizado nas partidas anteriores, mas e ele na véspera teve uma conversa com o treinador. Eu não sabia disso. Então eis que e ele chega ao quarto, porque éramos colegas de quarto, quando ele me diz ‘prepara-te que amanhã vais jogar’. Alguém que não jogava há seis meses como eu, de repente ouvir de um colega aquela notícia que se tornou verdadeira… E eu até pensava que era brincadeira, mas não foi. E ganhámos.»

Humberto Coelho: batalha de Aljubarrota

«Num jogo com o Nacional de Montevideo, no Estádio da luz, houve uma zaragata em que eu também estava metido, eu estava dentro da baliza, o guarda-redes do Montevideo era o [Rodolfo] Rodriguez, que depois foi para o Sporting, e houve uma grande zaragata entre jogadores. O Pietra foi buscar a bandeirola de canto e começou a apontar para eles com a bandeirola, queria atacá-los com a bandeirola (risos)… eram tantos que ele teve de fugir! Foi um episódio caricato, que de facto podia ter tido consequências nefastas, mas ele era assim, era de impulsos, e lembro-me perfeitamente desta história, porque depois no balneário começámos a rir e a perguntar-lhe, 'mas o que é que tu ias fazer? Não me digas que era quase a batalha de Aljubarrota!', e é bom termos estas memórias. Ainda agora estávamos ali dentro a relembrar algumas histórias destas, e como digo, foi um grande amigo. É uma tristeza, mas essa tristeza é atenuada por estes factos que vivemos e que são muito importantes.»

António Bastos Lopes: ninguém estava triste ao lado dele

«Recordo um colega muito ativo, divertido, com muita entrega. Como jogador, um jogador como já não há. Costumo dizer que os bons é que se vão embora. Às vezes até penso que é mentira, mas ele já lá está, já não sofre mais. Um caráter que poucos têm. Amigo do seu amigo. Ninguém estava triste quando estava ao lado dele, e é nesses momentos que eu tenho de o recordar: quando ele estava divertido, e que nos divertia e ajudava na equipa, porque nós éramos uma família que ia para todo o lado, almoçávamos juntos com as famílias. É isso que eu tenho de recordar dele.»

Michael Manniche: grande colega

«Estou aqui para prestar respeito a um grande jogador e grande colega, e à família dele. É uma tristeza, mas é assim.»

Raul José: ensinou-me a ser sempre solidário

«Além de pertencer à nossa equipa técnica, também foi meu treinador durante dois anos, quando fui jogador profissional em Alverca. Já aí, a nossa relação era ótima e prolongou-se quando nos encontrámos no Benfica. Foi-se uma enorme pessoa, extraordinária, um colega acima da média, uma pessoa de caráter. Estas pessoas deviam ficar mais tempo. Ensinou-me a ser sempre solidário, a ser um bom colega e a estar presente nos bons e maus momentos.»

Carlos Manuel: calduço pelo atrevimento

«Vou contar uma história de Benfica mesmo. Cheguei ao Benfica em 79 e, naquela altura, para um miúdo jogar, as coisas eram difíceis, porque os jogadores grandes estavam muitos anos num clube, e tinham estatuto. À 11.ª jornada joguei a titular e nunca mais saí do onze, mas era um miúdo. Passado uns quatro ou cinco jogos, num jogo em casa, estávamos a ganhar 3-0 e eu quis passar a bola entre as pernas de um jogador, dar um túnel a um adversário, não me lembro qual a equipa. Sei que perdi a bola e passados uns dois ou três minutos, levo um caldo que até amochei. Pensava que era alguém da equipa adversária, virei-me para trás para ver quem foi, e afinal foi o Pietra que me deu um calduço, e eu disse, 'oh Pietra, o que se passa? Estás a dar-me um caldo'; 'estou, isto não é para brincar'; 'mas estás a dar-me um caldo à frente de toda a gente?'; 'olha, levas aqui, levas no balneário e vou-te dar a casa'. Evidentemente, passado uns anos, também eu dei alguns caldos… Isto demonstra a realidade do que era o Pietra dentro do campo. Não havia brincadeiras, era sempre a andar, sempre a lutar, sempre para ganhar, porque, em termos de capacidade de sacrifício, em termos de garra, o Pietra era enorme. Fiquei-lhe muito agradecido, passado um tempo, porque aprendemos a vida toda, e aquilo foi uma forma de eu aprender também o que o Pietra tinha tanto de Benfica.»

Diamantino Miranda: jogador à Benfica

«Histórias são muitas e muito divertidas, mas o que importa nesta altura é recordar o amigo, o jogador, dizer que ele chegou ao Benfica em 76, eu cheguei em 77, até 85 foram muitos anos em que convivemos juntos. Estávamos perante um excelente colega, muito simpático, muito divertido, principalmente. Era um fazedor de bons ambientes de cabines. Para não estar a falar da pessoa, pois de certeza que já muita gente o fez, em termos desportivos acho que era uma grande referência do Benfica, porque era o que sempre denominei de ‘um jogador à Benfica’. De uma raça extrema, daqueles que mais vale partir do que torcer, e é essa a imagem que tenho do Pietra nestes longos anos que tivemos de Benfica. Fica essa imagem daquilo que achei sempre que o Benfica deveria ter, jogadores com as características do Pietra, que deixou um grande legado.»

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