Di María, caça fantasmas e a descoberta de Cabral: a crónica do Salzburgo-Benfica

Di María, caça fantasmas e a descoberta de Cabral: a crónica do Salzburgo-Benfica

NACIONAL12.12.202323:47

À beira de uma infernal injustiça, o Benfica viu abrir-se as portas do paraíso; O golo que espantou o estádio e o golo que honrou o mérito

Não, afinal não era preciso um milagre para o Benfica ganhar em Salzburgo por dois golos de diferença e continuar com o visto válido para a Europa. Bastava ser Benfica, jogar com a autoridade própria da sua manifesta superioridade sobre o adversário e ultrapassar os medos de fantasmas que têm assolado à equipa, tornando-a como que vítima de uma maldição coletiva.

Curiosamente, esses fantasmas apareceram também em Salzeburgo numa noite fria e chuvosa. E foram, certamente, por sua culpa que Rafa se deixou assombrar sempre que esteve em frente da baliza, com a bendita exceção do golo que marcou, mesmo à beirinha do intervalo. Mas mesmo essas assombrações foram vencidas à custa de uma inquestionável dignidade competitiva, onde todos e cada um procuraram vencer barreiras, derrubar muros, transpôr adversidades. Pode dizer-se que de tanto querer e merecer, o Benfica acabou por chegar ao destino pela via mais improvável. O golo decisivo apenas aconteceria já nos descontos e marcado, em toque de classe, por esse herói improvável, de nome Arthur Cabral, descoberto por Schmidt ao ultrapassar o minuto noventa, como se tivesse tido uma inspiração divina.

Vá lá explicar-se os estranhos caminhos de um jogo de futebol. O Benfica estava à beira de uma infernal injustiça e, de repente, num lance genial viu abrir-se, de par em par, as portas do paraíso.

O brilho da estrela de Di María

Notável, a todos os títulos a primeira parte do Benfica. Uma clara manifestação de autoridade e de controlo emocional, que lhe permitiu marcar os tais dois golos de que precisava, apesar de ter falhado muitos mais.

Essencial, então, o brilho da estrela de Di Maria. Continua a ser um jogador genial e quando teima em mostrar-se, torna-se decisivo no jogo.O golo, em canto direto, espantou o estádio, mas, mais do que isso, o seu pé esquerdo foi espalhando esplendor e magia. E foi derrubando ânimo do adversário que se apercebeu do perigo e bloqueou numa resistência pouco coerente e pouco sólida.

O Benfica, pelo contrário, ganhou mais alma com esse golo e essa ideia de que “só falta mais um” deu uma consistência de fé ao coletivo. Apesar de continuar a mostrar pouca profundidade no corredor esquerdo, a equipa foi consistente e criativa no ataque,  e nunca perdeu o domínio do jogo.

Ninguém poderia, pois, questionar o mérito de o Benfica ter chegado ao intervalo com o resultado que desejava para o final. Mas levantava-se uma dúvida perturbadora: seria que a equipa portuguesa iria resistir à tentação de apenas tentar defender essa vantagem na segunda parte, expondo-se, então, a uma reação e a uma recuperação fatal do Salzburgo?

Um grande recomeço

Muito cedo o Benfica respondeu a todas as dúvidas. Vinha para consolidar posição. Era a melhor equipa em campo e tinha a expectativa de o confirmar com mais golos, não se expondo a sobressaltos.

Schmidt deu um primeiro sinal, com a substituição de Tengstedt por Musa, dando mais maturidade e mais sentido tático na frente. Foi um excelente recomeço e, nos primeiros dez minutos, o jogo poderia ter ficado resolvido. Não ficou, somaram-se oportunidades perdidas e o Salzburgo marcou. Poderia, aí, o Benfica ter sossobrado. Nada disso. A equipa não perdeu o rumo, nem a esperança. O golo de Cabral foi como que uma redescoberta da Europa e pode ainda vir a ser um decisivo ponto de viragem para toda a época.