Campeonato de Portugal: Travessia no deserto percorrida por mais de mil jogadores
Grande parte dos jogadores do Campeonato de Portugal entraram de ‘férias’ bem cedo e apenas regressam à competição em agosto (Amarante FC )

Reportagem Campeonato de Portugal: Travessia no deserto percorrida por mais de mil jogadores

NACIONAL24.04.202410:00

48 das 56 equipas das quatro séries terminaram a temporada em abril; Treinador do Marinhense, Nuno Kata, pede reformulação do calendário

Cerca de quatro meses e meio de paragem. Este é o estimado tempo de paragem para 48 das 56 equipas das quatro séries do Campeonato de Portugal e que terminaram a presente temporada no passado dia 7 de abril, aquando da última jornada da primeira fase. Os dois primeiros de cada série apuraram-se para o play-off de subida à Liga 3, ao passo que os cinco últimos classificados foram despromovidos aos distritais e os restantes sete entraram de... férias, já que o arranque oficial da época 2024/2025 está previsto para agosto.

Num campeonato semiprofissional, são várias as vozes que contestam este hiato competitivo tão grande, do qual sofrem mais de 1100 futebolistas. «É uma aberração! Não se justifica e só demonstra a pouca valorização que a Federação Portuguesa de Futebol dá a esta competição», salienta Nuno Kata, treinador do Marinhense, da Série C, em conversa com a A BOLA, destacando as consequências do calendário problemático.

«A nível social, existe uma gradual desvinculação dos adeptos com o clube da terra. São apenas 13 jogos em casa numa temporada, é muito pouco. A nível físico, os atletas sentem a falta do relvado, do contacto com a bola e, naturalmente, vão praticar outros desportos, nos quais se podem magoar, e depois tenho muitos deles, que chegam já com algumas pequenas lesões à pré-época. É muito complicado manter o rigor e a disciplina quando se treina sozinho, sem acompanhamento.»

«Os jogadores, que são também responsáveis por meter comida na mesa, não podem ficar parados três, quatro meses sem receber

O treinador, no entanto, afirma que o principal desafio prende-se com a questão financeira. «Esta divisão não paga grandes salários. Por isso, os jogadores, que também são responsáveis por meter comida na mesa, não podem ficar parados três ou quatro meses sem receber, pois os clubes, naturalmente, não vão pagar os meses em que não há jogos. Eles vão ter de arranjar um part-time durante esse período. Então se se tratar de um jogador estrangeiro, pior, porque pode desistir e regressar ao país de origem e é uma pena para todos. Chegam cá com o sonho do futebol, de chegar o mais alto possível, de mostrarem o seu valor e ficam parados quatro meses? Não faz sentido. É urgente a reformulação dos quadros competitivos. Não é de agora que andamos a dizer isto!»

Abel Camará, de 34 anos, voltou ao futebol português pela porta do Sintrense

«Desespero para voltar a jogar!»

Depois de uma passagem por Malta, ao serviço do Arema, Abel Camará regressou esta temporada ao futebol português pela porta do Sintrense, da Série D.

Com uma carreira realizada, em grande parte, no futebol profissional, por diversos clubes nacionais e no estrangeiro, o experiente avançado de 34 anos admite que teve de se adaptar a uma nova realidade. «Desconhecia este tempo de paragem. Não estou habituado a isto. Antes, reclamava por mais tempo de férias para o corpo poder descansar e agora desespero para voltar a jogar, a competir, que é aquilo que um atleta mais gosta. É muito tempo sem futebol e é muito desafiante, pois é muito fácil haver relaxamento e, por vezes, desistência.»

Em relação aos companheiros de profissão, Abel Camará salienta que é um privilegiado. «Felizmente, já estive em outros patamares e fui conseguindo amealhar algum dinheiro, que me permite estar numa situação estável a nível financeiro e encarar esta período com outra tranquilidade. No entanto, não sou insensível àqueles que me rodeiam. Tanto tempo sem receber, é apenas benéfico para os clubes, que poupam», frisa o internacional guineense, que apontou um golo e três assistências pelo emblema de Sintra.

Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores. Foto: MIGUEL NUNES/ASF

«Acordos ajustam-se a realidade»

O Campeonato de Portugal é, muitas vezes, uma porta de entrada para jogadores estrangeiros, nomeadamente dos países PALOP e não só. Com a ausência prolongada de salário, será que estes recorrem ao Sindicato dos Jogadores?

«Penso que já existe uma preparação prévia dos clubes e jogadores em relação a este período e os acordos celebrados ajustam-se a essa realidade. Não temos registado pedidos de apoio especificamente relacionados com esta gestão dos calendários. Os problemas que surgem são mais de falta de cumprimento de obrigações estabelecidas. Geralmente, acionamos o Fundo de Garantia Salarial, como aconteceu recentemente, com o Varzim, ou o Fundo de Solidariedade, dirigido aos casos individuais mais graves. Nessa divisão, estamos atentos aos jogadores estrangeiros e não negaremos ajuda», garante o presidente Joaquim Evangelista.