Cinquentenário da participação portuguesa na Universíada Turim-1970 (artigo de Eduardo Monteiro, 61)

Espaço Universidade Cinquentenário da participação portuguesa na Universíada Turim-1970 (artigo de Eduardo Monteiro, 61)

ESPAÇO UNIVERSIDADE29.08.202019:21

A Universíada é um evento multidesportivo internacional organizado pela Federação Internacional do Desporto Universitário (FISU), de 2 em 2 anos, cujos destinatários são atletas universitários. A sua origem remonta ao ano de 1923 quando o francês Jean Petitjean organizou em Paris  os primeiros “Jogos Mundiais de Estudantes”. Depois de várias organizações e eventos a International University Sports Federation (FISU) acabou por ser criada em 1948 por iniciativa do luxemburguês Paul Schleimer. As 5 primeiras Universíadas foram efectuadas nas cidades de Turim-1959 (Itália), Sófia-1961 (Bulgária), Porto Alegre-1963 (Brasil), Budapeste-1965 (Hungria) e Tóquio-1967 (Japão). 

A relação de Portugal com a FISU está ligada a uma das estórias mais enigmáticas do desporto nacional da segunda metade do século XX. O que aconteceu foi que, a VI Universíada, inicialmente prevista para a cidade de Lisboa em 1969, foi alterada para Turim-Itália (26 Agosto a 9  Setembro de 1970).  Em Dezembro de 1968, Armando Rocha, Inspector Nacional do Desporto Universitário e membro do comité executivo da FISU, foi informado pelo então Ministro da Educação, José Hermano Saraiva, que a Universíada de Lisboa estava cancelada. O Ministro  dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, tinha informado o então Chefe do Governo, Marcelo Caetano (António Salazar estava já muito debilitado), que tinham surgido na Embaixada de Portugal em Paris, 300 pedidos de vistos de jornalistas de países do leste europeu para se deslocarem a Portugal durante a Universíada. O governo ficou muito preocupado com a situação e, com base nisso, cancelou o evento a oito meses da data prevista para o seu início. Independentemente da crise política que o país vivia, a comissão organizadora embora constituída por gente de altíssima posição social e política nunca tinha organizado nem assistido a um evento desportivo daquela envergadura o que, à partida, não nos dava garantias quanto à eficiência da organização. Por outro lado, a cidade de Lisboa, para além dos estádios de futebol e respectivas pistas de atletismo, não possuía  instalações desportivas adequadas para dar resposta a algumas competições do programa das Universíadas.  A capital do país não dispunha de um pavilhão desportivo com os requisitos necessários para competições de alto nível e  a construcção da piscina olímpica no Restelo ainda se encontrava muito atrasada. De qualquer modo, a decisão tardia dos nossos responsáveis políticos fez com que o italiano Primo Nebiolo, presidente da Federação Internacional do Desporto Universitário (FISU) e da Federação Internacional de Atletismo (FIA), tivesse sido apanhado de surpresa e, como solução alternativa a data do evento teve que ser alterada para o ano seguinte (1970) e localizada na sua terra natal, a  cidade de Turim (Itália), que já tinha experiência por ter organizado a primeira edição da Universíada em 1959.

Entretanto, face ao natural andamento da preparação dos desportistas universitários nacionais convocados para participarem no evento, o novo Ministro da Educação, professor Veiga Simão, decidiu apoiar a deslocação da delegação desportiva universitária à Universíada de Turim, constituída pela selecção universitária de basquetebol e pelos melhores praticantes universitários de atletismo e esgrima. Como Chefe de Missão foi nomeado o Dr. Augusto Martins  na qualidade de Inspector Superior do Ministério da Educação. O enquadramento técnico da seleção de basquetebol foi da responsabilidade do prof. Jorge Araújo, enquanto o prof. João Coutinho foi o  responsável pelo atletismo e o dr. Orlando Azinhais pela esgrima. No âmbito do processo de preparação dos atletas selecionados realizaram-se diversas concentrações em 1969 e, em 1970 nas férias escolares que antecederam as competições na Universíada.

A seleção de basquetebol era constituída pelos seguintes 12 universitários: Aurélio Vaz, Carlos Neves, Diogo Lopes, Joaquim Neves e Quen Gui (Universidade de Lourenço Marques), João Parreira, José Brás e José Paulo (Instituto Superior Técnico), Carlos Tiago e Eduardo Monteiro (INEF), Augusto Baganha (Universidade de Coimbra) e Aristides Gonçalves (Faculdade de Direito de Lisboa).

No atletismo os 8 atletas universitários participantes foram os seguintes: António Manso (100 e 4x100),  Eduardo Marques (400 e 4x400) e Mário Oliveira (200, 4x100 e 4x400) – (Instituto Superior Técnico); Abreu Matos (110 bar, 400 bar, comp. e 4x100) e Rui Oliveira (comp. e 4x100) – (Instituto Nacional de Educação Física);  Carlos Cardoso (100, 200 e 4x100) -  (Faculdade de Ciências de Lisboa);  Merlin Mota (400 e 4x400) – (Faculdade de Belas Artes); Joaquim Peralta (400 bar. e 4x400) -  (Faculdade de Ciências de Madrid).

Na esgrima participaram 6 universitários; Jesus Silva e Gonçalves Gomes (Instituto Superior Técnico), Henrique Marçal (Faculdade de Economia), Latino Tavares (Faculdade de Arquitectura), Duro da Costa (Faculdade de Medicina) e Laranjeira Abreu (Instituto Ciências Sociais e Política Ultramarina).

Naquela época as Universíadas  eram encaradas como uma segunda versão dos Jogos Olímpicos pelos países do leste da Europa e outros países com regime político semelhante (China e Cuba), pelo que os seus atletas não eram universitários mas sim profissionais (atletas do estado), ou seja, os mesmos que participavam nos JO. Assim, todas as  nações que enviavam apenas desportistas universitários eram prejudicadas em termos competitivos. Primo de Nebiolo nunca foi capaz de corrigir a situação. Só  a partir da queda do muro de Berlim é que o processo foi alterado e, actualmente, os participantes na Universíada são, maioritariamente, estudantes universitários.

Nós, os desportistas nacionais universitários, estávamos conscientes das dificuldades que iríamos encontrar. Contudo, a experiência e os ensinamentos que podíamos adquirir na competição internacional universitária, justificavam a preparação cuidada efectuada durante um largo período de tempo e, igualmente, deram-nos a confiança necessária ao melhor desempenho desportivo possível. No basquetebol vencemos as selecções da Dinamarca, Irão e Argélia e perdemos com o Canadá, Coreia do Sul, Israel e Japão (após prolongamento). No atletismo os universitários portugueses melhoraram as suas marcas pessoais e obtiveram resultados importantes nas eliminatórias individuais e por equipas nas provas em que participaram. Uma referência especial para a equipa da estafeta 4x400 metros que participou na final da referida prova. Na esgrima os nossos colegas universitários deram provas do seu valor com a obtenção de bons resultados, quer a nível individual, quer por equipas, nas diferentes fases competitivas em que estiveram envolvidos.

Uma experiência inolvidável e uma lição para a vida, com reflexos imediatos  na nossa carreira desportiva, valorização pessoal e formação académica universitária.   

Hoje, a FISU tem como visão formar para a sociedade do futuro líderes que tenham sido influenciados positivamente pelo desporto e a sua dinâmica competitiva. Para o efeito, em 2017, idealizou um plano estratégico a dez anos a fim de transformar a sua visão em realidade.

Eduardo Monteiro é ex-treinador do SL Benfica e das Seleções Nacionais