«Depois de termos falhado o apuramento do K4 para os Jogos, senti-me abandonado»
Depois do 8.º lugar em Tóquio, o K4 português não conseguiu o apuramento para PAris 2024 (José Coelho/LUSA)

ENTREVISTA A BOLA «Depois de termos falhado o apuramento do K4 para os Jogos, senti-me abandonado»

MODALIDADES26.04.202409:30

Emanuel Silva identifica o Mundial de 2023 como o momento mais duro da carreira e diz que um dia poderá escrever um livro e contar tudo

Ainda com o fim de carreira em carne viva, Emanuel Silva não hesita no momento de apontar o momento mais duro da carreira: o Mundial de 2023, em Duisburg, na Alemanha, quando o K4 português falhou o apuramento para os Jogos Olímpicos. Isso impediu o canoísta de 38 anos de cumprir o sonho de terminar a carreira em Paris, naquela que seria a sua sexta presença em Olimpíadas.

Nesta parte da entrevista a A BOLA, Sem querer falar muito sobre o correu mal nessa competição, o atleta bracarense deixa no ar a possibilidade de um dia escrever uma biografia na qual poderá abordar mais em detalhe esse episódio que, percebe-se bem, ainda lhe causa dor.

 - Em termos desportivos, qual foi o momento que mais lhe custou?

- Posso apontar o último campeonato do mundo, em que não conseguimos o apuramento olímpico.  Isso marcou-me muito. Marcou-me mais ainda porque eu não tinha ninguém lá. E quando digo ninguém, não tinha nenhum familiar. Falhámos o apuramento, e eu, lobo solitário, peguei na minha mochila e na minha pagaia, fui a pé até o hotel. Um percurso de uma hora e meia a pé, a falar com a minha família ao telefone. Isso marcou-me bastante, porque eu estava tão longe e só queria chegar o mais rápido possível à casa, sentir o carinho deles. Para além de que quando terminei a competição, a primeira pessoa com quem falei foi com a minha filha, e ela estava a chorar. E isso foi mesmo uma facada no coração, que poucas pessoas podem perceber.

- O sentimento de impotência…

- Sim. Porque ali foi tudo por água abaixo. Acabou. O sonho estar presente nos Jogos Olímpicos, naquele momento, tinha terminado.

- Disse que estava ali sozinho, mas a embarcação era de quatro canoístas. Esse percurso foi feito mesmo a solo?

- Isso aí é tocar na ferida [risos]. Nós somos atletas de alta competição, existe muita coisa envolvida. Acho que não é o momento para aprofundar esse tema. Mas estava sozinho, sentia-me sozinho e abandonado. Mas sabia que em Portugal tinha pessoas a receber-me, e com quem eu podia contar.

- Mas consegue apontar claramente o que é que falhou para depois do 8.º lugar em Tóquio, o K4 não ter conseguido chegar a Paris?

- É um assunto que tínhamos de aprofundar mais. Quem sabe um dia, eu não faça uma biografia e fale de tudo aquilo que vivi, e não saia resumidamente todo esse episódio. Mas acho que agora é a altura de reviver bons momentos. E acima de tudo, depois da minha saída, dar destaque aos atletas olímpicos, Acho que isso é o mais importante neste momento, porque eles merecem todo o destaque. Talvez um dia eu faça uma biografia e haja coisas interessantes para ler. Vivências, experiências... e talvez aprofundar mais esse tema.

- Já imaginou como será a sua vida sem alta competição?

- Ainda não consigo imaginar porque estou num momento de ressaca. Talvez daqui a alguns meses. Ainda estou a viver emoções fortes, adrenalina, o coração ainda bate forte. Quando a poeira assentar, talvez pense por que razão abandonei, se ainda tenho tanta disponibilidade física e mental. Nesses aspetos, sentia-me preparado para continuar mais quatro anos, mas as pessoas à minha volta não têm de passar novamente por isto. Acho que foi o momento certo. Vamos dar oportunidade aos mais novos.

- Já demonstrou essa vontade, mas como espera continuar a servir a canoagem?

- Não é como treinador! [gargalhada] Não quero passar mais tempo fora de casa. Fazer malas, desfazer malas, vai para aqui, para ali… Não quero mesmo isso.

- Então, qual é a ideia?

- Se surgir alguém que considere que eu posso ser uma mais-valia para a FPC, quem sabe se não poderei ajudar com a minha experiência, para que estes resultados continuem o máximo de tempo possível. Não iria gostar nada de ver a canoagem a baixar o nível e perder a expressão que ganhou. Porque custou muito a chegar a este patamar. Ver cair, iria custar-me bastante. Mas não depende só de mim. Se virem que eu posso ser parte de uma solução para prolongar os bons resultados da canoagem, estarei presente para ajudar.

- Imagina-se a trabalhar fora da água…

- Sinto que posso dar muito ao desporto nacional. Inclusive à canoagem. Eu estive na equipa nacional até agosto do ano passado. Conheço muito bem os atletas e a estrutura. Acredito que toda esta vivência pode ser uma mais-valia para que não nos falte nada no futuro. Obviamente que não vou candidatar-me ao que quer que seja. Não é a minha prioridade integrar uma lista para a FPC. A minha prioridade agora é estar em casa e dedicar-me ao meu negócio. Mas se surgir um novo desafio eu posso ponderar. Como eu digo sempre ‘novos desafios para novas conquistas’. Esses desafios são para ser agarrados e enfrentados como todos os outros que eu tive ao longo destes 30 anos.

- As relações que deixou são uma boa base para integrar a Federação com outro cargo?

- Sim, acredito que sim. Porque tenho boas pessoas na FPC e na família da Canoagem. Dou-me muito bem com muitos atletas, com muitos treinadores e com alguns dirigentes. Então, acredito que estejam as portas abertas para que eu possa ser convidado para um projeto a longo prazo.