Renato Paiva e a demissão do Bahia: «Comecei a sentir falta de apoio no meu trabalho»
Renato Paiva realizou 49 jogos como treinador do Bahia e somou 19 vitórias. Foto:IMAGO

ENTREVISTA A BOLA Renato Paiva e a demissão do Bahia: «Comecei a sentir falta de apoio no meu trabalho»

INTERNACIONAL26.04.202412:00

Técnico explicou a A BOLA todos os motivos por trás da saída do emblema brasileiro

- O seu último clube que orientou foi o Bahia. Ficou desiludido com a sua passagem pelo clube e pelo futebol brasileiro? O que é que correu mal?

- O correr mal é subjetivo, é preciso recontextualizar. A equipa do Bahia tinha acabado por subir de divisão (Série B), fizeram 25 contratações, entre as quais só sete é que chegaram na pré-época. O Gilberto (ex-Benfica) foi um pedido meu, o Camilo Cândido e o Léo Bonatini, só chegaram no mercado de agosto. Além disso, quando tu começas a pré-época vês que é um mês, mas quando começas a jogar no Brasil nunca mais paras e não tens tempo para trabalhar. Se alguém me define enquanto treinador diz que sou um fanático pelo treino. Valorizo muito o que é a unidade de treino, na influência direta que é o seu jogar no dia a dia. Quando tu não tens a tua equipa para treinar, tens um problema. Segundo problema: o Grupo City compra o clube e os adeptos esqueceram-se que subiram de divisão e pensaram, que passados uns meses, seriam quase campeões no Brasil ou que iam à Libertadores. Algo desajustada com a realidade. Depois, de todas as contratações que fizemos, só quatro é que eram titulares nas suas equipas e nós tivemos dali construir um grupo. E conseguimos. O problema é que o grupo tinha de ser grande em quantidade e em qualidade, para jogares a este ritmo. Quando começas a jogar de três em três dias, começas em agosto e só paras no final da época, então, mediante todas estas problemáticas, fomos rodando e a qualidade não é a mesma. É um contexto muito difícil para quem tenta implementar uma ideia de jogo. Mais, quando o Grupo City se reúne comigo diz que gostava da minha forma de jogar e que havia algumas linhas mestras que tem de se seguir em função do jogo do City. Isto para mim foi um elogio- até agradeci-, mas uma coisa é quereres jogar com as linhas mestras do City com o Bernardo Silva, o Foden, Rodri ou De Bruyne, outra coisa é fazer isto com equipas com qualidade e perceção do jogo menor. A partir daí… ganhámos o Baiano, que não se ganhava há três anos. Desvalorizou-se a conquista do Baiano porque, em teoria, eramos a equipa mais forte e tínhamos a obrigação de o ganhar. Numa conferência de imprensa, eu disse que não aceitava isso, porque os estaduais no Brasil são o primeiro momento de despedimento de treinadores- ainda agora o treinador do Corinthians foi despedido e o Scolari saiu porque tiveram más prestações .O próprio Luís Castro, na altura do Botafogo, foi altamente contestado, porque não se apurou para a fase seguinte do estadual. Tem de haver o mesmo peso para quem é despedido como para quem ganha o título, ou não? Não somos coerentes?

Renato Paiva esteve no comando técnico durante 10 meses. Foto: Bahia

- ... ganhámos o 50.º título na história do Bahia, fizemos história com uma Taça e um título no seu museu. Na Copa do Brasil, chegámos aos quartos de final, o melhor de sempre no clube. Se tivéssemos chegado as meias-finais naquela disputa de penáltis na casa do Grémio (derrota por 3-4), era ainda mais histórico, porque o clube nunca tinha chegado às meias-finais daquela prova. Nós igualámos o melhor feito do clube, neste contexto. As pessoas queriam tudo, e o tudo era: ganhar o estadual, ir aos quartos da Copa do Brasil…e quando me demito, nós estamos fora da zona de descida. Porque me demito? Havia divergências da minha parte com o funcionamento interno do clube. As pessoas que o Bahia pôs para diretor desportivo e diretor de performance e eu estávamos em rota de colisão clara. Dou-te um exemplo sobre a questão da performance: cada equipa do Grupo City tem um diretor de performance que define algumas estratégicas físicas do trabalho da equipa. Eu tenho um preparador físico, o Ricardo Dionisio, que estava contra algumas decisões de se tomavam como, por exemplo, trabalhos de força de treino inferior 24 horas antes ou depois dos jogos, ou 48 horas antes, o que toda a gente sabe que, cientificamente, é péssimo.

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Havia divergências da minha parte com o funcionamento interno do clube. As pessoas que o Bahia pôs para diretor desportivo e diretor de performance e eu estávamos em rota de colisão clara

... tenho um lema que é muito claro: ou é com as minhas ideias ou não é. Se alguém me contratou, foi para me ir buscar com as minhas ideias. Se elas são coincidentes com a forma de jogar dentro do campo fantástico, agora, quando sinto que se estão a intrometer no meu trabalho e que as coisas periféricas têm interferência no rendimento dos meus jogadores, que estavam com leões e cansados devido a esse trabalho, para não falar do meu preparador que já estava pelos cabelos com esta situação. Além disso, houve uma ou outra contratação que se fez que… foi contra a minha vontade e essas coisas quando tu trabalhas num grupo tens de aceitar, a verdade é essa. Até um certo e determinado momento. Ninguém interferiu na escolha do onze, nas substituições ou na ideia de jogo. Isso não, e deram-me sempre muita liberdade. De Inglaterra, eu tinha total apoio, porque o Grupo City tinha um grupo de inteligência que estuda todas as suas equipas, como jogam e com padrões definidos. Se estás mais próximo ou menos próximo, isso pode levar a um despedimento. Os resultados não. Dou-te o exemplo do Girona ou o Troyes, que desceu de divisão e o treinador não foi despedido, portanto, os padrões estavam próximos e o próprio City dizia-nos isso. Eu não queria sentir toda a pressão externa e insulto, quando não tinha apoio. Já desgastado achei que ao sair iria retirar uma pressão muito grande aos meus jogadores. Houve jogadores que disseram para continuar, eu próprio achava que a mensagem não estava a passar e passava, porque eles mostraram o contrário. O grupo de jogadores foi o melhor que lá encontrei, fantásticos, mas todas estas situações levaram a que eu, enquanto treinador, e a minha equipa técnica já não estávamos lá a fazer nada. Tenho muito orgulho em treinar o Bahia, desfrutei da Série A brasileira, mas quando os contextos não são do meu agrado, não fico agarrado a contratos e decidi sair.

Renato Paiva com Jonilson Veloso, técnico do Jacuipense, depois de ter conquistado o 50.º título da história do Bahia. Foto: Jacuipense

- A porta do Brasil ficou fechada para si?

- Não, graças a Deus. Primeiro porque eu saí a bem. Frontal e honesto como sou expliquei porquê que saí. Depois, no Bahia e nas pessoas que lá percebem do fenómeno, sabiam que, para as limitações que tinham e para sua realidade, até jogava e até competia. Essas pessoas perceberam que havia jogadores que se estavam a desenvolver, que havia pessoas a dizer que me ia embora quando a equipa estava a melhorar cada vez mais, portanto, de forma nenhuma, a porta do Brasil está fechada. Eu sinto e sei, houve clubes até que sondaram uma ou outra coisa, mas eu não queria voltar ao Brasil naquele momento. Todavia, sei que aquela porta não está fechada.