Porque Arne Slot pode estar a ganhar a corrida a Amorim para o Liverpool?
Arne Slot na festa da conquista da Taça dos Países Baixos (Foto: Box to Box Pictures/IMAGO)

Porque Arne Slot pode estar a ganhar a corrida a Amorim para o Liverpool?

INTERNACIONAL24.04.202418:22

Antigo adjunto de Marcel Keizer foi finalista da Liga Conferência em 2021/22 e campeão pelo Feyenoord na época passada; impôs um novo estilo em Roterdão; corrente mais próxima da germânica do que do seu país

Arne Slot parece estar a ganhar em definitivo a corrida a Rúben Amorim para o cargo de treinador do Liverpool. Ainda bem, dizem os sportinguistas, e com toda a lógica do mundo. Os dois títulos conquistados e excelente trabalho em Alvalade carecem de continuidade e ninguém melhor do que o atual técnico para assumir um projeto de longa duração. No entanto, não é fácil passar ao lado da questão: por que razão os Reds se estão a inclinar mais para o neerlandês do que para o português, que tantas provas da sua qualidade tem dado nos últimos anos?

Primeiro, há que perceber quem é Arne Slot.

Seis anos mais velho do que o treinador do Sporting, Arend Martijn Slot nasceu em Bergentheim, muito perto da fronteira com a Alemanha e da influência do seu futebol. Depois do clube da terra, vestiu a camisola do FC Zwolle ainda na formação, antes de subir à equipa principal, onde lidou com várias lesões durante os primeiros anos. Médio com faro de golo, mas não muito rápido, representou ainda NAC Breda e Sparta Roterdão antes de pendurar as botas nos Blauwvingers («dedos azuis»).

Treinador-jogador no FC Zwolle, trabalhou com a formação antes de se tornar adjunto de Henk de Jong no Cambuur, onde se manteve posteriormente como assistente de Marcel Keizer (sim, o antigo treinador do Sporting) e Rob Maas (hoje, integra a equipa técnica de Peter Bosz no PSV). Em janeiro de 2017, foi nomeado interino, em conjunto com Sjpke Hulshoff (não só seu assistente como também de Ronald Koeman na seleção dos Países Baixos). Reconduzidos, falharam por pouco a subida e chegaram às meias-finais da Taça, depois de eliminarem o Ajax, caindo perante o AZ nos penáltis.

Arne Slot durante o jogo com o Volendam (Foto: IMAGO / Box to Box Pictures)

No mesmo ano, Slot foi contratado para adjunto de John van den Brom nesse mesmo AZ e, em dezembro de 2018, os de Alkmaar anunciaram que seria o chefe de equipa para a temporada 2019/20, cancelada depois devido à pandemia, com a equipa em igualdade pontual com o Ajax e atrás apenas na diferença de golos. A 5 de dezembro de 2020, despediram-no, com o AZ em sétimo na liga, por alegada falta de foco na equipa, depois de ter negociado um acordo com o Feyenoord.

Em Roterdão, o objetivo passava por construir uma equipa com um estilo próprio, que ao mesmo tempo fosse competitiva e lutasse com Ajax e PSV pela hegemonia. De club van het volk («o clube do povo») chegou pela primeira vez em 20 anos aos oitavos de final de uma competição europeia, na Liga Conferência, e os restantes resultados levaram a uma primeira ampliação do contrato, em fevereiro de 2022, até 2024. Na final, perdeu por 1-0 com aquele que parece ser a sua Némesis, José Mourinho, e que também o eliminaria nos quartos de final da Liga Europa no ano seguinte (1-0 em casa e 1-4 no Olímpico). Ficou em terceiro na Eredivisie e foi eleito treinador do ano.

Na temporada seguinte, nova renovação de vínculo, agora até 2025. Seguiu-se o seu primeiro título de campeão e o 16.º da história do emblema, que não o festejava desde 2017. Em maio do ano passado, chegaram a falar no seu nome para o Tottenham, porém os Spurs decidiram-se por fim por Angel Postecoglou e voltou a prorrogar o contrato, agora até 2026. Não havia grandes dúvidas em quem escolher novamente para treinador do ano. Esta época, ganhou a Taça, o seu segundo troféu, há poucos dias, mas já não conseguirá evitar o regresso do PSV aos títulos e, na Liga Europa, voltou a falhar, agora no play-off, diante da Roma, já com Daniele De Rossi no banco.

Arne Slot antes do jogo com o Ajax esta época (Foto: IMAGO / Box to Box Pictures)

Mais próximo de Klopp

O currículo não é muito extenso, é verdade. E haverá sempre quem aponte que Arne Slot esta época não cumpriu as expetativas. No entanto, a saída do melhor jogador da última liga, Orkun Kokçu, terá tido a sua influência e o arranque espantoso do PSV, que somou 17 triunfos seguidos, também apanhou todos de surpresa. O segundo posto, com 12 pontos mais do que o terceiro, o Twente, ter-lhe-á acrescentado crédito suficiente para convencer Anfield.

O sucesso é, sem dúvida, importante, mas o que mais aproxima Slot do Liverpool (em comparação com Amorim também) é o modelo de jogo. Depois de nove épocas do gegenpressing de Jürgen Klopp, e com os sub-21 e os sub-18 a prepararem-se para entrar mais facilmente na primeira equipa a treinar e jogar de acordo com o mesmo conceito, esse ADN parece muito difícil de extrair num futuro próximo.

O neerlandês não só joga em 4x3x3 com duplo-pivot (vs. o 3x4x3 do português) tal como o alemão, como a sua pressão e reação à perda são constantes e radicalmente agressivas (em vez de estratégicas, e mais confortáveis em bloco médio) e a verticalização do seu jogo, embora assente na posse de bola e no ataque posicional, feita de forma rápida e sempre que possível ao primeiro toque, o que torna todos os outros aspetos questões de pormenor e de adaptação relativamente simples, se é que isso existe no futebol. Este terá eventualmente sido o argumento de maior peso a influenciar a decisão.

Mats Wieffer e Arne Slot (IMAGO / Box to Box Pictures)

Há ainda uma utilização dos laterais em inversão, por dentro, o que no caso de Trent-Alexander Arnold será útil de manter em aberto. Por isso, o nome parecido (ou quase) e o perfil também mais emocional (do que racional) na ligação aos jogadores ajudam a compor o ramalhete.

Há, obviamente, pontos coincidentes entre Slot e Amorim, e até situações em que o português tem sido mais eficaz, como a dinâmica do terceiro homem. Ambos gostam de construir a partir de trás, usam pouco os alas num primeiro momento e apostam em extremos invertidos a funcionar por dentro, que ajudam a quebrar linhas e podem ferir de longe. Não renegam ainda a bola longa e procuram sobrecargas numéricas num dos lados para libertar no outro para um 1x1. E os dotes comunicacionais são igualmente ponto forte de ambos.

Nunca estará em causa a competência do atual treinador leonino, que tem toda a legitimidade de aspirar a um grande emblema como o Liverpool, só que realmente, tudo somado, Arne Slot significa um choque menor, uma menor rotura com o presente. Se isso se trata ou não de um caminho com menos curvas para o sucesso só os deuses do futebol podem dizê-lo.